À MESA

Este ano usámos a mesa grande pela primeira vez e tu estavas lá comigo para a estrearmos. O mais complicado não foi levar-te até lá mas sim comprar a toalha para ela – as medidas convencionais não lhe cabem. Àquela mesa sentaram-se as pessoas das quais me fui habituando ao longo de todos estes anos. As mesmas caras, os mesmos feitios, as mesmas conversas. Mais uma vez foi luzes câmaras acção e o filme começou a rodar. Já tinha visto este filme. Mas quem quer saber? Era Natal e as regras mandam que assim seja. Mas o Natal não se faz naquele dia. O Natal faz-se todos os domingos do ano quando me sento àquela mesma mesa com as pessoas que eu mais amo. Onde verdadeiramente se partilha o amor, as alegrias, as tristezas... O Natal não é um dia, o Natal é o espírito e o espírito existe sempre que nós quisermos.

DOIS HOMENS

No meu corredor tenho um quadro pendurado numa moldura de veludo, um quadro que eu mesmo pintei. Nele estão representados dois homens lado a lado. Um deles é amarelo e outro azul. Eles surgem como um casal que dá as boas vindas a quem entra em casa. É quase como ter o retrato de família mas sem existir propriamente uma família. Apesar de ter sido eu a pintar o quadro muitas vezes fico a olhar para ele a tentar descortinar o seu segredo. Quem são eles afinal? E se um dia a tinta desaparecer e o homem amarelo e azul ganharem uma cara? Quem poderemos ver? Há dias que tenho a sensação que se isso acontecer ver-me-ei a mim em duplicado. Um todo separado em dois, representando os dois papeis, o yin e o yang. Há dias em que acho que só eu me completo a mim mesmo. Mas depois existem os outros dias...

PRÓXIMO CAPÍTULO

Aterrei em Lisboa eram dez horas da manhã, mas o meu ouvido já me vinha a doer desde as oito, hora a que o meu tímpano rebentou. São estas pequenas dores da vida que nos levam aos desgostos mais despropositados e ao levantar de questões como... e se o meu tímpano não tivesse furado? Mas a verdade é que a porcaria do meu tímpano furou e doeu como o caraças e para ajudar à festa ainda mais o facto de estar a tentar deixar de fumar! Ninguém aguenta tanta coisa junta... e com isto lá foi mais um cigarro. É altura de mudar, de passar para o próximo capitulo, de despertar para uma nova vida. Apesar de não rotulados estamos juntos neste caminho. Eu e tu.

Que as luzes se apaguem...

TERCEIRA PARTE

FIM DA SEGUNDA PARTE
"O purgatório" 

DO OUTRO LADO DO AMOR

"A última vez que olhei nos olhos do meu avô tinha eu três anos. Ele partia definitivamente para Macau. Aqui ficou e aqui ficará. A nossa relação não se fez de olhares porque a vida assim o quis. Fez-se de palavras, as palavras que tanto nos apaixonam. 

Ao longo dos anos trocámos cartas e livros, os deles e os meus. E foi nessas palavras que encontrámos a nossa forma de amar. Desde pequeno que sonhei com o dia que viria a Macau, em que voltaria a olhar nos olhos do meu avô, a olhar a cidade que tanto o encantava e da qual ouvira tantas histórias contadas pela minha mãe. Queria percorrer a cidade a seu lado, queria que ele fosse um avô com um neto, lado a lado. 

É estranho pisar esta terra pela primeira vez e ser para lhe dizer adeus. E tudo para quanto olho sei que ele também olhou. Sinto-o comigo. 

Resta ao tempo a memória
À memória resta a saudade
Saudosa lembrança do tempo que passou

Memórias felizes, recortes de vida
Das nossas vidas...
Entre dois rios
Entre as viagens de cá e de lá

Do outro lado da vida
Do outro lado de nós
Do outro lado do amor"

Ao meu avô