AS HISTÓRIAS DE A: TEORIZAÇÕES

A: O meu problema é que não consigo viver o momento. Estou sempre a pensar e a teorizar as coisas. Não consigo estar simplesmente sentado sem deixar de pensar no facto de que estou sentado. É a necessidade da perfeição – olhar de todos os ângulos e tentar perceber a toda a hora o que está bem e o que está mal. E tudo isto é um exercício extremamente cansativo. Não consigo deixar-me levar pelas coisas. E isso leva-me a perguntar pelo conteúdo efectivo das coisas. Como posso eu apreciar as coisas se não consigo para um segundo para efectivamente olhar para elas e sentir-me extasiado? Faço-me entender?

P: Mais ou menos.

A: Eu chamo-lhe a busca da perfeição. O que é um erro terrível. Porque a verdade é que nunca nada é como nós planeamos. E mesmo que assim não seja, não me consigo afastar do facto de não o estar a ser. Quando vou assistir a uma peça de teatro não consigo ficar simplesmente a ouvir o que os actores dizem, começo logo a olhar para tudo e mentalmente entro em divagações ao ponto em que me perco. E quando volto à realidade ainda mais perdido estou. E acabo por achar em tudo um enfado. E o contrario também acontece. Estou a ver algo de que estou a gostar imenso e começo a teorizar sobre o estar a gostar imenso. E empolgo-me tanto nesses pensamentos que acabo por não apreciar as coisas como gostaria. Esta é uma das razões porque gosto de ver as coisas repetidas vezes.

P: Mas eu também gosto de ver as coisas repetidas vezes e não preciso de tanta justificação para tal.

A: Não gozes comigo. Estou a tentar teorizar as minhas teorizações! Não te rias... Mas no que toca às pessoas ainda é pior. Acho sempre que as pessoas se aborrecem umas com as outras. E quando começo a sentir isso começo a teorizar na minha cabeça. E quando dou por mim estou afastado do presente e perdido em pensamentos, o que faz com que as pessoas achem que eu estou aborrecido também. E aí é um ciclo vicioso. Sei que R me compreende, mas por vezes também o acho aborrecido comigo. Isto realmente é tudo uma grande merda. Eu chamo-lhe a falta de naturalidade de uns para com os outros. E quando há naturalidade a mais parece que o mundo vai acabar. O meio termo parece sempre inexistente.

P: Estás-me a deixar confuso.

A: A verdade é que as pessoas só pensam no seu bem estar, naquilo que lhes é mais confortável, aniquilando qualquer verdade existente na ideia de que vivemos em sociedade. É a teoria do dar e receber. Se eu só estiver à espera que me dêem sem nunca querer retribuir, as coisas começam a correr mal. E o que vejo à minha volta são pessoas sedentas de receber. E quando estou em grupo não consigo parar de pensar em todas estas coisas e acabo por não conseguir viver o momento. Estou sempre a pensar e a questão é que eu já não sei viver sem esta constante teorização das coisas.

P: Eu acho que devias ir a um psicólogo. Estás a precisar de relaxar essa cabeça.

A: Já tentei com nove diferentes e nada resultou. Devia ser internado!

P: Ou então ganhares o euromilhões...

A: Ou então isso...

AS HISTÓRIAS DE A: ENTÃO BOM ANO!

A: Faltavam cinco minutos para a meia noite e eu ainda estava no comboio, achas normal? Eu não estava a acreditar que ia passar a meia noite num transporte público rodeado de gente estranha e mal cheirosa, sim, que o cheiro a álcool no ar estava demais. R estava à minha espera na praça do comércio mas o que podia eu fazer? Que eu saiba ainda não tenho o poder de fazer os comboios saltarem estações ou então de me teletransportar para lá. E como se eu já não adivinhasse as linhas telefónicas estavam todas bloqueadas e ele a desesperar lá. Comecei a mandar caralhadas para o ar, estava mesmo irritado. Eu sei que visto de fora as pessoas devem ter-me achado doido ou muito bêbado mas eu só estava irritado. Mas finalmente chegámos e fui a correr por entre a multidão, rua fora, mas a distância que eu achava curta, começou a parecer infinita e o meu coração começou a saltar mais do que é normal e foi por isso que resolvi parar. Sentei-me no chão, ali, no meio da rua, sozinho. Na minha cabeça eu só pensava no que estava eu a fazer a afinal? A correr para o quê? Para contar dez segundos para o dia seguinte? Quando olhei para o relógio já só faltavam 30 segundos. Qual era a pressa afinal em entrar em 2008? Agora o chato era R também estar sozinho do outro lado, mas eu não podia mesmo correr mais. Já sabes como é o meu coração quando dispara – o melhor é mesmo ficar quieto no meu canto. E não tardou muito para começar a ouvir as pessoas a gritar os segundos para a meia-noite. Foi quando olhei para o lado e vi R ao fundo no meio da multidão a olhar para mim. Acho que já não sorria assim há tanto tempo. E enquanto as pessoas faziam a festa ele caminhou na minha direcção e sentou-se ao meu lado.

- Então bom ano! – disse R ao ouvido de A.
- Um bom ano para ti também.

Sorriram um para o outro e ficaram lado a lado a ver o fogo de artifício rebentar sobre si.

- Onde vamos nós parar?
- Eu sei lá! Ainda agora o ano está a começar.
- Tens razão.

E deram as mãos.