AMOR À FRANCESA

Quando cheguei ao bar eles já lá estavam, foram-me apresentados por V. com quem tinha combinado ir beber qualquer coisa nessa noite. V. tinha-os conhecido momentos antes de eu chegar. N. e M. não eram tímidos e por isso rapidamente começámos a conversar. Mas M. não estava muito à vontade pelo simples facto de só saber falar francês e a conversa ter sido toda em Inglês, mas ele dizia perceber o contexto geral e ia sorrindo aos poucos ao longo da conversa. Pedi a N. que me contasse como se tinham eles conhecido – N. e M. namoravam há oito anos e estavam a tratar dos papeis para a união de facto. N. prontamente se propôs a contar a história enquanto V. dançava na pista e M. ficava a olhar para nós sem perceber do que se estava a falar.

- Conhecemo-nos no dia de apresentação ao exercito. Eu sou de Paris mas M. é do interior da costa norte. Não sei o que aconteceu mas ficámos logo amigos e não tardou a haver afecto na troca de olhares. M. é bissexual e nessa altura andava a namorar uma mulher. Depois desse dia eu safei-me da tropa mas M. foi recrutado, o que de certa forma era bom sinal pois ele viria para perto de mim... sim, porque eu apaixonei-me logo por ele.
- E quando é que se voltaram a ver?
- Bem, ele não pareceu muito interessado em mim, até porque tinha namorada na altura. Mas eu soube que ele ia a uma festa e por isso fiz questão de também ir. É claro que passei a noite à procura dele de um lado para outro. Parecia um doido. Afinal, eu só estava ali por causa dele e ele só chegou quase no final da noite. Mas o importante para mim foi que ele apareceu. Fui ter com ele para ver se ele ainda se lembrava de mim e quando demos por nós tínhamos trocado um beijo. Pensei que fosse apenas do calor do momento, até porque tanto eu como M. estávamos bem tocados pela bebida. Deve ter sido disso. Mas dias depois comecei a receber chamadas telefónicas dele e percebi que não tinha sido só um beijo bêbado. Começámos a encontrar-nos, ele terminou o namoro e começámos nós a namorar. Entretanto ele acabou a tropa e fomos morar juntos para a zona 3 de Paris. E passados oito anos aqui estamos nós de férias em Lisboa.

Queria ter-lhe feito mais algumas perguntas mas V. irrompeu a meio e puxou-me para dançar. E ali fiquei eu na pista, com a cabeça cheia de perguntas em relação ao amor.

FRONT OF por SÓNIA TAVARES

Stop breathing I'm trying to get some sleep. Stop breathing allow me to repeat. Keep breathing I guess it wont disturb. Keep breathing the road is getting long. Maybe I will find you in another place... Maybe I will find you with somebody else... Keep breathing life is hard to play. Keep breathing we haven't find the way. Stop breathing this game it makes no sense... stop breathing! Maybe I will find you in another place... Maybe I will find you with somebody else... The things that they said us. The things that we run off. Though we try to move over after all that we saw. The stage is clear, the view is soft but it's so cold, warm enough. The game is set, and too much players again and here we are, in front of them again. Keep breathing, I'm glad to see you back. Keep breathing I thought we would give up. Stop breathing their eyes will catch our soul. Stop breathing their ears will break our mind. Keep breathing and join the carrousel. Stop breathing pretend a pantomime. Keep breathing today we woke up blue. Stop breathing perhaps we lay down dark. Keep breathing I'm trying to get some sleep. Stop breathing allow me to repeat. Keep breathing and join the carrousel. Stop breathing! And dark, and blue, and again... Maybe I will find you in another place... Maybe I will find you with somebody else... Keep breathing I'm trying to get some sleep. Stop breathing allow me to repeat. Keep breathing this game it makes no sense. Stop breathing!

O QUE ACONTECE DEPOIS?

A questão é sempre o que acontece depois. Temos a nossa vida a correr normalmente, como sempre foi, na sua cadência natural e orgânica e, de um momento para o outro, dou por mim e decido que tenho de partir... seguir viagem. Aceito essa proposta e vou, deixo a nossa vida para trás, separados por um oceano. Quando dou por mim estou num mundo totalmente novo, onde tudo é diferente, um mundo que não era o meu, um mundo onde tive de me estabelecer, onde, por acaso, acabei por sentir-me em casa. Mas tudo isso implica mudar em relação à vida que estávamos habituados a ter. O café, onde íamos lanchar à tarde deixa de estar lá, assim como os empregados que já me conheciam e sabiam o que iria pedir. Informavam-me num tom triste que naquela tarde já tinham acabado os queques de chocolate – que só eles sabiam fazer – que tanto eram a minha perdição. Apercebi-me que tinha de encontrar um novo café para os meus lanches de fim de tarde. O que acontece, é que no momento em que regresso a esse mesmo café, a ligação que eu tinha com ele já não é a mesma. Os empregados mudaram e esses já não sabem o meu amor por aquele suculento queque de chocolate. E aquele empregado que ainda se mantém o mesmo agora olha-me como o forasteiro que voltou para pagar uma visita e isso faz com que me trate de uma forma diferente. Apercebo-me que ao voltar para o ponto de onde saí é o mesmo que voltar a um novo ponto de partida. O lugar não é o mesmo, pode ter a mesma cara, mas passado um ano o espírito evoluiu sem que eu estivesse cá para presenciar. Agora resta-me a mim voltar a adaptar-me de novo a tudo. Adaptar o novo eu aos novos eus que me rodeiam. E a questão é sempre... quando tomamos uma decisão de mudança o que acontece quando temos de voltar ao ponto de partida? O que vamos encontrar? Quem nos espera? Como nos esperam?

No tempo em que estamos fora as coisas mudam. E, se antigamente éramos actores principais, agora somos o actor que apareceu a meio da série e que ninguém sabe quem é, como é, e como vai influenciar a trama da história.

MONA LISA: ELA SORRI. SERÁ FELIZ?

Ainda me perguntam porque vejo os mesmos filmes vezes sem conta? Porque depois de os ver pela enésima vez ainda continuo a chorar no fim, a soluçar, a agarrar-me aos lenços de papel. Nada é o mesmo dez segundo depois. Passados dez segundos a nossa percepção das coisas muda. E um filme visto hoje é diferente do mesmo se o virmos no dia seguinte. E, mais uma vez, fui conquistado pelo seu sorriso, pelo entendimento de que o onírico existe algures enquanto real e, apesar do real não parecer promissor, eu acho-o belo. Como as bestas selvagens que se apresentaram no início do século XX rodeando a estátua de um inocente menino perfeito. Katherine era a besta que se preparava para mostrar à “perfeição” o que estava para além dela. Mas conseguia ela ver o que estava para além dela? Elas todas sorriam-lhe. Quem seria feliz?

Nem sempre estamos apto a entender o porquê das coisas e muitas são as perguntas que balançam nas nossas cabeças. Perdemos horas rotulando tudo e tudo tem de ter o seu devido rótulo. E só devidamente encaixado em algum padrão é que as coisas parecem fazer algum sentido. Mas às vezes temos de ver mais além. A questão é se o conseguimos? Apesar das boas intenções, nem sempre o que faço é o correcto, nem sempre consigo ver o que está lá, não aí, atrás do aí.

Muitas das vezes não percebemos o que significa a nossa passagem por certos lugares até termos ido embora. E quando vamos embora já é tarde, já não podemos fazer mais do que aquilo que fizemos. E é aí que nos apercebemos do que deixámos para trás, das lutas que travámos, dos obstáculos que atravessámos, das pessoas que conhecemos e sorrimos. Não tem a ver com ser poético ou dizer palavras bonitas, tem a ver com a vida como ela é: “It’s just life... so keep dancing through”.

O NEVOEIRO QUE ESCONDE LISBOA

“Se a voz da noite responder. Onde estou eu, onde está você? Estamos cá dentro de nós... sós”

Levo o carro a quarenta à hora, a marginal está completamente enevoada. Faz-se silêncio no carro... a Maria Bethânia já foi embora, estou só eu. A cada metro que avanço é uma descoberta, apesar de achar saber o que vai aparecer, o nevoeiro faz com que tudo se transforme numa grande incógnita. Sei o caminho que devo seguir, sei os atalhos que me levam mais rápido a casa, mas não vejo nada... nada! É por isso que vou a quarenta à hora. E se parecer que o faço de propósito não o é, simplesmente não consigo ver nada.

Preciso que o nevoeiro se dissipe, que revele as coisas à minha volta, que me mostre de novo a cidade de Lisboa tal como eu a conhecia, tal como eu a deixei. Mas sei que quando o nevoeiro levantar vou estar numa cidade estranha, numa cidade parecida àquela que em tempos chamei Lisboa. Até o nevoeiro desaparecer, sou só eu dentro de um carro a quarenta à hora. Não posso ir mais rápido que isto...

FOTO-MEMÓRIAS

‘Ele meteu a mão no bolso e encontrou uma fotografia. Era uma polaróide tirada uns dias antes. Olhou a foto e sorriu – ela estava linda! Aquela foto iria selar tudo o que tinham vivido naquela semana, naquele lugar estranho. Eles eram os estranhos estrangeiros. No sorriso dela estavam escondidas as conversas, os almoços, as noites sem dormir, as luzes daquela cidade... Mas estava reticente a levar aquela fotografia consigo para casa. O que iria dizer a sua mulher? Como iria ele explicar o facto de ter uma fotografia de uma rapariga vinte anos mais nova? Mas ele sabia haver memorias que não podia apagar. Eles tinham sido perfeitos um para o outro durante uma semana. Deveria ele guardar essas memórias só para si? Ou deveria partilhá-las com a sua mulher? Afinal, eles estavam perdidos na tradução...’

Deitado no sofá fico a pensar no filme e a recordar todas as coisas que já vivi e que tenderam a ficar só comigo. São vivências que simplesmente não posso fazer com que desapareçam e sei que outros preferem não saber. Onde fica o limiar entre as coisas que devemos guardar para nós das coisas que podemos partilhar? É egoísta aquele que não quer ouvir ou o que não quer falar? Mas há certas imagens que só nós continuaremos a entender.

NECESSIDADES

Mais uma vez sento-me em frente à televisão. Desta vez não trago comigo chocolates, pensei numa variante e decidi-me por um belo pote de gelado. Há momentos da nossa vida em que cometemos estas loucuras. Sempre me pergunto o que há de tão mítico nesta história dos gelados e chocolates mas, pelos vistos, encontrei o meu conforto alimentar para resolver outros males. Chocolates, gelados e as minhas quatro amigas nova-iorquinas. Estarei a ficar dominado pelo síndrome do solteiro?

É tudo uma questão de necessidades. Do que eu preciso, do que tu precisas... mas onde encontrar o espaço em que nos perguntamos: e do que precisamos nós? Isto, no caso de existir um “nós”. Talvez nunca chegaremos a saber quais são as nossas necessidades, afinal, a vida só acontece quando fazemos o que não estava nos planos. Que se lixem os dias cuidadosamente planeados, as festas que se apresentam, supostamente, “divertidas” – nunca nos vamos divertir nelas.

Se eu preciso de tempo para mim, então é porque preciso desse tempo e não de uma pressão a dizer-me que o tempo está a esgotar-se, que não há mais tempo. Talvez o tempo não exista para além do agora. O que será o tempo no momento em que não estivermos mais por aqui? Aí, dir-se-á que ele esgotou o seu tempo. Mas se eu preciso de tempo... outros precisam das palavras certas nos momentos certos. Existirão, realmente, os momentos certos? Ou estaremos perante mais um mito urbano, cinematográfico e literário? Andarei eu a dizer as coisas certas mas não nos momentos certos? Terei de responder às necessidades dos outros ao dizer-lhes aquilo que eles necessitam ouvir... ou, simplesmente, dizer aquilo que eu quero dizer, da forma que quero, sem qualquer tipo de convenções (do género: eu digo-te uma coisa bonita e tu respondes com outra).

A vida é uma grande ratoeira onde passamos o tempo a ficar presos. Será que ainda não aprendemos que um queijo numa tábua de madeira com arames é uma armadilha? Não! Entre duas pessoas as necessidades raramente são as mesmas. Se ele ao menos tivesse-me ouvido! Mas essa era a minha necessidade... não a dele...

OS BARCOS

O que é que é suposto acontecer na vida de uma pessoa? Porque é que tudo tem de ser resumido ao amor? Amor, amor, amor! Acho que estou a entrar num patamar de loucura... haverá um resposta para tudo? Ou passamos a vida à procura de uma resposta que simplesmente não está lá? Eu já nem peço que a vida venha com um manual... mas se ao menos tivesse um breve livro de instruções básicas!

Os Homens ditam as regras da vida. Bom, alguns Homens ditam... os outros tentam cumprir. E se essas regras não estiverem a funcionar connosco, o que fazemos? Saltamos para fora do barco e simplesmente deixamo-nos afogar? Ou tentamos fazer com que o barco mude de direcção? Uma das verdade que eu sei é que existe muita gente que desejaria ver o barco mudar de direcção, contudo, acomodaram-se demasiado ao barco para sequer fazerem o esforço. Como podemos viver acomodados ao barco? A questão é: estaremos a navegar no barco do amor ou no Titanic? E não há Jack que nos salve! – isso posso garantir... ele será o primeiro a afundar-se. Subitamente sinto os enjoos de andar de barco e dessa perspectiva o mar não parece tão bonito! Este torna-se o meu grande balde de vómito.

Prefiro pensar que tudo é mais como um grande amor à vida. Amar a vida é mais saudável.

WELCOME HOME

Abro a porta de casa às apalpadelas, não há luz no prédio, o que me demora um certo tempo. Quando entro deparo-me com o cenário que deixei, uma casa cheia de coisas espalhadas, outras por arrumar. É como andar pelos destroços de uma cidade aniquilada. Já só se podem encontras as memórias do que em tempos foi. Tento perceber o que ainda posso aproveitar. Passo pelos corpos mortos, alguns gravemente feridos, mas poucos são os que ainda vivem. Adorava ter uma placa a dizer “Welcome Home” mas nada mais vejo do que restos de coisas que em tempos foram alguma coisa. No estado em que estão já não fazem sentido. Agora, só servem para contar histórias do passado. Todas aquelas histórias que sei de cor e salteado ao ponto de poder fazer visitas guiadas que durariam dias infindos. Acabo por fazer essas visitas guiadas a mim mesmo, guiando-me pelo que, em tempos, foi a minha vida. E é engraçado analisar como uma vida pode ser encaixotadas, empilhada, transportada em malas de um lado para o outro. E tudo isso podemos deitar fora ao ponto de tornar escassos os pensamentos sobre ela. Mas a nossa memória não possui uma lixeira como os computadores, não podemos simplesmente mandar esvaziar – para o bem e para o mal – e acabamos por armazenar tudo nem que seja no buraco mais refundido e escuro fechado num cofre do qual deitamos a chave fora. Mas chega sempre o dia em que, por acaso, encontramos a chave e instintivamente abrimos esse cofre. E em vez de um “Welcome Home” temos um “Welcome to the things you don’t want to remember”. O que me pergunto é... será que nos queríamos efectivamente esquecer? Ou... que mal tem em lembrar? E só quando abro todos os cofres por completo é que me apercebo que à minha porta tenho um “Welcome Home”.