DISSE ELE

Por favor. Apaga a luz e vem deitar-te ao meu lado. Está tão fresquinho aqui. Reparaste como hoje me esmerei no jantar? Fiz o teu prato favorito. Estava bom não estava? Ainda me vais explicar o que aprecias tanto num bacalhau à brás. Com tantos pratos para escolher tinhas logo de gostar daquele que os miúdos detestam. Às vezes pergunto-me se não fazes isso só para me irritares. Bem sabes o que eu os aturo depois. Eu sei que estás sempre a dizer que devemos educá-los a gostar de tudo pois tudo tem o seu valor na pirâmide alimentar, mas há coisas que eu também não gosto! E que mal tem isso. E o exemplo é muito importante. É claro que posso continuar a fazer só pratos que nós gostemos, mas um dia que eles descubram ficarão desiludidos e lá se vai a figura do pai e da mãe. Mas agora também não me quero preocupar com isso. Já viste como fico bonita com a luz da lua a entrar pela janela e a tocar no meu corpo. Tenho vestida a tua lingerie favorita. Podias pelo menos olhar para saberes que não estou a mentir. É aquela vermelha que tanto valoriza cada centímetro do meu corpo. Estou a excitar-me só de pensar em ti a lamber-me o corpo. A exorcizar-me a vagina retirando todo o prazer de entre os nossos corpos suados. Amor, olha como as minhas mãos acariciam os meus seios. Tu gostas deles, de olhar para eles, de beijá-los, de chupá-los. Olha para mim! Há quantas horas te vejo a bajular esse computador? Só pensas em trabalho? Eu sei que és a fonte dos nossos rendimentos. Que é à tua custa que temos esta casa, esta cama, esta lingerie, que eu tenho este corpo. Eu sei que tens imenso trabalho, mas isso não é tudo na vida. Relaxa-te um segundo. Relaxa-te comigo. Vamos acasalar nesta noite de lua cheia. Vamos ser cães e ganir. Os miúdos dormem que nem pedras, ferradinhos e a noite está maravilhosa. Ao menos diz-me que estás a ouvir? Sofro só de pensar que já não queres estar comigo. Que o teu trabalho é mais importante que eu, que a tua família, que os teus filhos. E bem sabe Deus como os fizemos. O mais velho foi na viagem para Nova Iorque. Mal chegámos e entramos no quarto do hotel disseste-me que querias ser pai e foi um dos momentos mais bonitos. E acabámos essa noite a ver o “Cats”. Lembras-te? Nessas férias perdemos o bom da grande maçã pois só pensávamos em fazer amor. Tínhamos acabado de casar. O do meio foi na Holanda. Fomos lá festejar o nosso quinto ano de casados. Ficámos tão pedrados que nos esquecemos de usar o preservativo. Nós e todos os outros. Ainda gostava de saber se o filho é mesmo teu… mas os olhos dele são iguais aos teus e por isso nunca pedi para fazeres o teste. O mais pequeno foi nesta casa. Comprámo-la e tinha um quarto a mais e resolvemos enchê-lo com o terceiro. Devo dizer que o mais bonito deles todos. Foi o que saiu mais a ti. Amo-te muito meu amor apesar de todas as discussões que temos. Mas deixa que te diga: nessa altura tratavas-me como uma rainha, e hoje, não passo da tua dama de companhia. Mas o meu amor por ti é maior que tudo e ainda sei ver o lado positivo deste nosso matrimónio. Por esta altura já tiveste tempo para desligar o computador e correres para o meu leito. Aqui te espero meu belo príncipe. Diz-me que ainda sabes deixar-me nas nuvens. Diz que me amas como na primeira vez. Sempre podemos deixar os miúdos na minha mãe e viajar pelo mundo. Era giro. Voltar a namorar. De mãos dadas pelas praias paradisíacas, pelas cascatas, pelas pradarias. Podíamos até comprar outra casa e começar tudo de novo num outro lugar. Podíamos…

Não sonhes mais comigo – disse ele.

CONFISSÕES D'ELE E D'ELA

ELE: Entrei pela sala do teatro, as cortinas vermelhas fechavam o palco, sentei-me na primeira fila a pedido do encenador e fui tentando apreciar cada momento. “Todos temos a mesma história”? Desde quando? Não desde a queda do meu primeiro molar. Não desde a morte do pai d’Ela. Não desde nunca. A história de cada um é o seu lugar sagrado. Um santuário repleto de imagens únicas e irrepetíveis. Imagens como o dente na mão do dentista agarrado a uma bola de pus. Este é o meu mundo e a minha história desde 9 de Junho. O dia em que tirei o primeiro molar.

*

ELA: Durante a tarde um suspiro reconfortante encobre-me a alma. Desejo que uma lágrima se arraste pelo meu rosto até embater no chão. E se sonho algum ousar enfadar-me a escuridão confesso-me ao diabo. Já não são horas de consolações humildes pois o meu pai morreu e o meu nome aparece listado nos pêsames do universo que me rodeia – são como letras flutuantes em muitas cabeças que se reúnem para tomar chá.

Suspiros vão e vêem sem significado aparente aos olhos descartados da visão. Incontroláveis são as memórias de um passado recente acorrentado em mim. Ainda nem senti a necessidade de expressar qualquer agressividade. Vejo a clareza nas formas e nos sentidos mais latos das coisas.

Digitei, em segredo, alguns números no telefone para amigos íntimos. Deixei na voz um rasto de melancolia saudável.

*

ELE: Como pude? Quando Ela me ligou desatei a chorar. Quando gostamos das pessoas sentimos a tristeza com elas… e eu não consegui evitar. Ela não chorou. Havia chorado antes, mas do outro lado do telefone nem uma lágrima brotou. Apenas a sua voz em tom pianíssimo, magoado, mutilado, sereno e sem uma pinga de água salgada.

Como pude? A alegria de voltar a falar com ela e a tristeza das suas palavras. Esta é a minha penitência: dez chicoteadas de arame farpado e um coração entregue ao covil dos leões.

*

ELE: Preciso desesperadamente de alguém para falar. Tantas coisas que me passam pela cabeça, tantos mundos perdidos, entrelaçados nos escombros do meu pensamento, sem âncora, sem porto, sem destino, sem ti. Fala comigo. Que a noite já vai longa. Fala, não te inibas desse grandioso dom que todos, ou quase todos, tivemos a sorte de receber. As palavras nunca estarão gastas. Nunca!

*

ELA: O fim de tarde no bairro estava calma. Duas ou três crianças brincavam no pátio. Eram o centro das atenções dos velhos que docemente os viam das suas varandas. Quem disse que eram felizes? Falo dos velhos, não das crianças. As crianças são sempre felizes.

Os velhos tentam desesperadamente imaginar-se com aquelas idades puras. E quantos anos já lá vão para que as recordações ressuscitem dos mortos. Muitos anos ficaram entre os sonhos e os fados. E depois do primeiro molar muitos se seguiram. E no entanto as crianças não param de brincar.


*

ELA: Morreu sem que lhe caísse o primeiro molar. A sua dentição era perfeita.

*

ELA: Como todos nós, o meu pai também já foi criança. Do álbum de família retirei uma fotografia da infância do meu pai. A preto e branco, como eram as fotografia na altura. Um pouco corroída nos cantos.

Era um rapaz muito bonito. Os seus olhos saltavam radiantes de uma esperança inocente, alheia a preconceitos que mais tarde se introduziriam na sua visão do mundo, o cabelo curto, a máquina dois, dava-lhe o ar da sua graça e a sua boca ligeiramente subida no canto desmascaravam a sua traquinice. A boca de dentes perfeitos que me beijava com amor e que hoje é apenas uma recordação.

*

ELE: O meu hálito está fora do prazo. Logo hoje que o pai d’Ela morreu. Logo hoje que preciso de falar. E nada me tira da boca o sabor a ferro e a sensação viscosa de um dente arrancado. Se tudo fosse tão fácil como aguentar este sabor a vida estava feita e todos teríamos vinte na cadeira. Uma vida é tão passageira como este sabor e é por isso que se torna irresistível saboreá-lo e voltar a saborear. Não queremos perder uma pitada do seu gosto sabendo que por vezes nos fartamos e desejamos nunca o sentir outra vez.

Acção passada quinta-feira dia 16 de Novembro de 2000
Quando Rodrigo só queria desabafar

Combinaram encontrar-se no final da tarde num café que desse jeito a ambos. Decidiram-se pelo Espanhol aproveitando a sua explanada aquecida e a vista para o rio. Às sete e meia em ponto encontravam-se sentados cada um com um capuccino entre as mãos.

- Mas o que é que se passa filho? Esse silêncio...
- Está tudo uma grande confusão. São tantas as coisas que tenho para fazer, que tenho para pensar e não consigo dar vazão nem a metade. E já sabes que é o André. Não consigo esquecê-lo. Não estamos juntos nem eu consigo andar com a vida para a frente.
- Não te vais abaixo agora pois não? És novo e ainda vais passar por muitas coisas.
- Eu sei mãe, mas não é simples. Quando se ama alguém não é fácil esquecer, muito menos quando sabemos que a outra pessoa também nos ama. A minha vida não termina aqui mas neste momento parece que sim, parece que não há esperança para o futuro. A sua ausência deixa-me de rastos apesar de por vezes sentir que estou melhor assim, que ainda tenho muito para viver e que ninguém é insubstituível, mas o sentimento é de vazio.
- Mas quando não dá, não dá.
- Eu não estava a ser muito feliz, mas agora estou miserável. Acho que nos últimos tempos já estávamos demasiado habituados um ao outro. Para além do amor éramos grandes amigos, grandes amigos que não se queriam perder. Eu ainda o sinto comigo. Eu sei que não andávamos bem, que eu rebentava por tudo e por nada, já nada me satisfazia, já nada me dava prazer. E se por um lado me sinto mais leve nos ombros por outro lado carrego comigo a saudade de tudo o que vivemos juntos, o pesar de não poder voltar a olhar para ele.
- Mas tens de ter forças para te segurar e eu estou aqui. Vais ver que tudo vai correr bem. E eu não te deixo sentires-te sozinho.
- Isso é muito bonito e eu aprecio, mas a minha vida não é só ser teu filho. E não digo isto por mal. O que mais me irrita é sentir olham para mim como o grande cabrão, talvez porque seja mais fácil, mas as coisas porque passámos e tudo aquilo que eu senti cá dentro, a tentar ser o melhor amante, o melhor companheiro, o melhor amigo...
- Mas tu não és uma má pessoa.
- Mas sou o cabrão!
- Ai, Rodrigo, não digas essas coisas.
- É verdade mãe. No final da história é essa a conclusão. E não me sinto com forças para voltar a amar, estou cheio de feridas emocionais e tenho a cabeça toda trocada, porque tudo aquilo que eu tento fazer bem acabo sempre por fazer mal. Eu não presto.
- Não te quero ouvir falar assim. Eu não dei à luz um derrotado, dei à luz um guerreiro e tu sempre o foste. Quero-te de cabeça erguida. Se as coisas não deram certo não deram, talvez ele não estivesse numa altura da vida propícia a mudanças, talvez simplesmente não quisesse mudar em nada e tu provavelmente não estás numa altura da tua vida para demasiada estabilidade. Tu ainda és jovem, tens muito para aprender e não sabes o que te reserva o dia de amanhã. Por isso não digas disparates.
- Eu só queria ser feliz. Mas já dizia a bíblia, o preço da traição são trinta moedas de prata e bem sabemos que essa história acabou em suicídio.

A mão de Lúcia voo direito à cara de Rodrigo. Depois da dura bofetada fez-se um grande silêncio à mesa e Rodrigo não conseguia olhar para a mãe. Lúcia tirou um cigarro do maço e acendeu-o. Estendeu-o ao filho.

- Fuma, vai fazer-te bem.
Acção passada Domingo dia 5 de Outubro de 1997
Quando Rodrigo tem a visita inesperada de André (Parte II)

- O que é que te deu para vires cá ter a estas horas? Sabes que sou péssimo com desculpas e não gosto nada de mentir aos meus pais.
- Entra no carro quero levar-te a um lugar.
- E não podia ser amanhã?
- Entra no carro e cala-te.

Rodrigo entrou no carro e André começou a conduzir.

- Mas para onde é que vamos?
- Já vais ver. Mas não faças mais perguntas que eu não vou responder.

Andaram de carro durante uns bons minutos por caminhos e ruelas que Rodrigo não sabia existirem. Foi quando ficaram estacionados junto a um velho muro que em tempos tinha pertencido a uma fábrica.

- É aqui. Agora temos de sair do carro – apagou as luzes e desligou o motor e tudo ficou numa escuridão um pouco assustadora.
- Mas está um escuro horrível. Afinal o que estamos aqui a fazer no meio do nada a meio da noite? Tens a certeza que é seguro?
- Tenho. E para o escuro tenho aqui esta lanterna que te vou dar.

Saíram do carro e André pediu a Rodrigo que acendesse a lanterna e apontasse para a parede e encontrasse uma linha e que depois a seguisse. Rodrigo muito desajeitado e um pouco nervoso acendeu a lanterna e passado alguns segundos a apontar para a parede encontrou a linha. Começou a segui-la e não via mais nada para além de uma linha, até que começaram a aparecer palavras:

“Há coisas que nem sempre conseguimos dizer verbalmente e por isso resolvi escrever-te esta mensagem. Talvez tudo isto seja desapropriado mas tive de tentar. Já não aguento mais estar junto de ti e não te ter, és a pessoa mais bela que conheci e estar longe de ti é contar os minutos para voltar a ver-te. Quero-te!”

- Eu também te quero.

Rodrigo atirou-se aos braços de André deixando a lanterna cair no chão. E com um feixe de luz apontado para o céu a marcar o local onde se celebrava o amor beijaram-se desejando cada momento, cada segundo, sentindo aquilo que há muito estavam para sentir. Os corpos tremiam, os corpos vibravam, como se fosse a primeira vez, onde tudo era desconhecido, estranho, confortante, bom.

PAIXÃO

"Apago todas as mensagens. Menos as tuas. Guardo a tua voz em pequenas doses e, dia sim dia não, ouço-as todas de seguida. Sinto-me demasiado incapaz para falar contigo para o que quer que seja. Não sei onde estás. Não quero saber. Tenho medo de saber mais do que sei. Uma dor de cada vez basta"

Pedro Paixão in Saudades de Nova Iorque
Acção passada Domingo dia 5 de Outubro de 1997
Quando Rodrigo tem a visita inesperada de André (Parte I)

Rodrigo já só pensava em André e há mais de seis meses que andava de coração apertado sem saber o que fazer. Na sua cabeça permanecia sempre a dúvida, pedir André em namoro e possivelmente um dia se tudo corresse mal perder um grande amigo, ou ficar com um grande amigo e permanecer em estado de duvida constante a pensar no que poderia ter vivido? E se a paixão não fosse mais do que um engano? A cabeça de Rodrigo estava a pontos de explodir de tanto amar. André era uma pessoa extremamente simples, não era bonito mas tinha o seu encanto e sempre que Rodrigo estava com ele o mundo à volta desaparecia e quando estava sozinho imaginava sempre a hora de voltar a estar com ele.

André já só pensava em Rodrigo e há mais de seis meses que andava de coração apertado sem saber o que fazer. E se Rodrigo não gostasse dele? E se para Rodrigo ele fosse só mais um? Iria arriscar numa coisa para depois ser humilhado. André tinha consciência de que não era a pessoa mais bonita do mundo, contudo, essa consciência não ultrapassava os complexos todos que tinha em relação a si e ao seu corpo. Com vinte e seis anos ainda não tinha encaixado bem a ideia de estar apaixonado por um rapaz de dezoito, mas quando estava com Rodrigo o mundo à volta ficava mais luminoso, mais bonito, como se tudo ganhasse um novo encanto.

Rodrigo estava no quarto quando recebeu uma mensagem no telemóvel: «Estou aqui em baixo e preciso de falar contigo» O coração de Rodrigo disparou. O que fazia ele ali? Que explicação é que ia dar aos seus pais para sair de casa àquelas horas a uma terça-feira. Olhou para todos os lados mas não sabia muito bem o que fazer nem o que pensar. Levantou-se e agarrou na mala, olhou para os pés e viu que estava descalço «Calçar-me», pensou. Voltou a poisar a mala e foi buscar os sapatos. Sentou-se na cama para se calçar e respirou fundo, atravessar os pais não ia ser tarefa fácil e ele estava cada vez mais nervoso, afinal o que dera a André para aparecer assim às onze da noite!

Passou pela sala e os pais estavam a ver televisão.

- Pai, mãe, vou à rua, já volto.
- A uma hora destas filho? Não te esqueças que amanhã é dia de aulas! – disse a mãe.
- O que é que vais fazer à rua? Hoje é Domingo – indagou o pai em tom desconfiado.
- É que a Joana ligou-me e está a precisar de falar, parece que aconteceu alguma coisa de grave na família. Ela não conseguiu explicar muito bem porque estava demasiado nervosa. Eu vou tentar não demorar.
- Vai lá, mas tem cuidado e vê lá a que horas é que chegas. E manda cumprimentos nossos à Joana e à família e vamos esperar que não seja nada de grave – disse a mãe.

Mais tarde teria de arranjar uma história para a Joana mas isso não importava nada quando tinha André à sua espera à porta de casa. Ao descer as escadas do prédio escreveu uma mensagem no telemóvel: «Para todos os efeitos estou em tua casa e desculpa lá estar aí mais vezes no imaginário do que na realidade»

AMOR

“Procuro a beleza do amor. A possibilidade de amar alguém. Sentir a necessidade de depender de alguém por amor. Ser capaz de fazer loucuras em nome de alguém que eu ame. Quero que alguém me ensine a fazer amor. Que me ame. Construir uma paixão. Amar. Desfrutar. Apaixonar-me. Viver a vida tal como ela não é. Encantar o mar. Soltar a voz ao ser que eu amo. Amar e ser feliz. Ser muito feliz. Adoro a felicidade. O amor vem por acréscimo. Crescer no amor. Crescer na paixão. Amar e ser amado. Muito amado e cantar. Cantar e bailar perdidamente. Encantar alguém. Fascinar esse alguém. Desfrutar da sua voz. Do seu calor. Do seu amor. Quero um destino assim. Um destino cheio de amor e felicidade. E queria que todos soubessem que fui feliz. O meu testamento seria a felicidade que vivi. Quero viver aventuras. Muitas aventuras. Grandes aventuras com o meu amor. E este amor que não acabe. Que dure por muitos anos. Que dure para sempre. E que não seja só uma ilusão. Quero morrer feliz e ao lado de alguém que eu possa amar livremente e sem pudor. Sem a repreensão de amar. Quero que todos saibam quem amo. Que todos saibam que sei amar…”
Janeiro de 2002

"O amor. Que é feito dele? Quem o tem? O que é? O que não é? Quem sou eu para desistir de amar alguém? E o amor começa a ser uma palavra enjoativa, carcomida pelo tempo, desviada de todo um propósito. Geneticamente mudada, os seus componentes tornaram-se mutantes. E quem deseja viver um passado glorioso só o encontrará nos livros dos pobres ratos de biblioteca. E assim se evapora mais um final glorioso. Devíamos dar nome ao amor dos nossos antepassados. A palavra amor significa, hoje, aquilo que não significava ontem. E a destruição da nossa língua é uma coisa permanente. Seria de bom-tom mudar então o passado. E amor seria delinquência. E amor foi delinquência.”
Agosto de 2005

ARRUMAR

Às vezes as casa precisam de arrumação e não tenho feito outra coisa para além de arrastar móveis de um lado para o outro. Tudo parece errado, fora do sítio, tudo parece despropositado. Mas aos poucos vou mudando aqui e ali e tento que tudo pareça mais normal aos olhos. Mais habitável, mais suportável. E agora esta notícia que não sei ser verdade... contudo agoniante.



Outras coisas também tiveram as suas mudanças. O meu blog "Coisas que vou vendo" mudou de morada. Agora está em http://diariodeumdesignerdemodaconfuso.blogspot.com

Com o curso terminado, precisava de um espaço para me apresentar enquanto designer e pareceu-me apropriado as mudanças. Tudo está a mudar, mas mais rápido do que eu pensava...

Hoje deixo um certo rasto de tristeza e nostalgia e ao som de Skin vou levando uns estalos na cara.


PARTIR

Blindado nos olhos contemplava a vida sem saber que o fazia
Foi puro gesto delicado em sombra esquecida
Amalgama de prosas poéticas e nada em tudo via
E estava desperto, atenção desatenta... sem intenção se despia
E assim ficava, negra escura alma em corpo dorido
O encontro das lembranças do que seu e só seu
Era o despertar da acidez por caminhos, labirintos,
Preciosas estradas de pedra doída
Escabrosa, mal cuidada, o presente rescaldo da harmonia
Quente, como um braseiro apagado, brilhante, consumidor,
O teu corpo no meu, o meu no teu, o nosso
Frio, como a noite que madruga sem se tapar,
O teu corpo ali, o meu corpo aqui
E contemplo sem o saber
Que a saudade é a pior punição dos velhos tempos
Da vigilante memória em mar dissipada
Do agregar de contendas em sonos abaladas
Da cruel eventualidade de dizer adeus ao próprio adeus
Partem os marujos
Partem as barcas
Partem as almas
Partimos nós

CIAO, ROBERTO

Amor mio – has I always used to call you every time we start a conversation – I will miss you badly but that’s the way life goes. You know it, I know it and they know it. That’s the life we choose to live. Jumping here and there, knowing new people every time we decide to go. But some people, although they are not with us physically, they stay with us in our minds, in our thoughts. You know that, we talked about it many times.

My crazy boys, always challenging yourself, always walking the line, but inside a very special one for those who try to really know you. You are one of a kind, my friend. It was very sad to watch you leave this morning, and for you I tried not to cry, but Marina blow it when she started crying (a special thank you to the guy who invented the sunglasses so I could cover my face).

We will miss you – “we accept you, you’re one of us”.

PEARL'S A SINGER + É DE TI QUE EU GOSTO

Há certos momentos da nossa vida em que paramos para pensar em tudo o que se passou. No que foi a nossa vida e no que será. E às vezes percebemos coisas boas, outras menos boas, ou mesmo não percebemos nada.

"Her job is entertaining folks, singing songs and telling jokes"

Hoje perdi um pouco da minha tarde a reler alguns dos meus scrapbooks. É engraçado ler esses textos com alguns anos de distância. Recordar as imagens e os textos que me chamavam a atenção. Que de algum modo me faziam pensar e que agora me fizeram repensar.

PEARL'S A SINGER
"Pearl's a singer, she stands up,
When she plays the piano in a night club
Pearl's a singer, she sings songs
For the lost and the lonely
Her job is entertaining folks,
Singing songs and telling jokes
In a nightclub

Pearl's a singer, and they say,
That she once was a winner in a contest
Pearl's a singer, and they say,
That she once cut a record
They played it for a week or so,
On the local radio
It never made it

She wanted to be Betty Grable
But now she sits there at that beer-stained table
Dreaming of the things she never got to do
All those dreams that never came true

Pearl's a singer, she stands up,
When she plays the piano in a night club
Pearl's a singer, she sings songs
For the lost and the lonely
Her job is entertaining folks,
Singing songs and telling jokes
In a nightclub

Pearl's a singer, she stands up
When she plays the piano in a night club
Pearl's a singer, she sings songs
For the lost and the lonely
Her job's entertaining folks
Singing songs, telling jokes
In a nightclub"

É DE TI QUE EU GOSTO
"Quando estou fora de mim,
é de ti que eu gosto.
Quando estou fora de ti,
sinto falta de mim.
Quando estou fora de mim,
É para ti que eu volto.
Quando me canso por fim,
é em ti que eu paro.
Quando choro sem fim,
é por ti que eu paro.
Sinto falta de nós
quando me deixas a sós...
...é de ti que eu gosto"

Andreia Moreira
Acção passada Domingo dia 1 de Outubro de 2006
Quando António desperta com uma boa sensação

António acordou com um conforto entre as pernas. Não sabia dizer que horas eram, mais sabia que ainda faltava muito para amanhecer. O sentimento de conforto deixou-o a dormitar um pouco mais, entre abrir e fechar de olhos, na doce sensação que acompanhava entre pequenos momentos sonhados e a realidade, entre acordares e adormeceres de prazer. A boca de Filipe entre as suas pernas estava a deixá-lo erecto, ele conseguia sentir cada centímetro dos seus lábios carnudos. António queria dizer-lhe que o amava, que ele o conhecia como mais ninguém, que ele o envolvia em si e para si, mas nenhum som saiu da sua boca. Ainda não o tinha visto, Filipe estava tapado pelos lençóis, só a sua volumetria se acercava dos seus olhos na penumbra da janela entreaberta. Fechou os olhos mais uma vez, sabia que o ia ver em breve e deixou-se no embalo da boca de Filipe, das suas mãos ásperas a percorrerem-lhe as pernas, do desejo que crescia em si.

Quando abriu os olhos estava de barriga para baixo. A mão de Filipe segurava a sua cabeça, as pernas sobre as dele e o pénis erecto junto ao seu ânus. Ainda não tinha visto o rosto de Filipe mas sabia que era ele pela forma como o corpo se mexia em cima do seu, pela textura dos lábios que o beijavam, pelo toque das suas mãos. Foi penetrado violentamente de uma só vez e quando ia a soltar um grito Filipe lançou a sua mão a tempo de lhe tapar a boca. António mordeu-lhe os dedos e sabiam a esperma, ao esperma de Filipe. António pressentiu que Filipe o queria magoar, de cada vez que entrava imprimia uma força desmedida, pensou, «Vieste-te antes e fizeste-me saber disso. Querias que eu soubesse que fui a tua segunda escolha. O que te fiz eu? Porque é que me queres magoar?»

Com os corpos colados um no outro Filipe começou a lamber-lhe o pescoço misturando a dor com o prazer, e pela segunda vez veio-se sem se preocupar com António, virou-se para o outro lado e adormeceu. António ficou de barriga para baixo com uma volta no estômago, não sabia se queria chorar, apenas sabia que alguma coisa estava mal e que era preciso resolver. Mas o silencio pareceu-lhe o melhor para aquela madrugada.