À MESA

Este ano usámos a mesa grande pela primeira vez e tu estavas lá comigo para a estrearmos. O mais complicado não foi levar-te até lá mas sim comprar a toalha para ela – as medidas convencionais não lhe cabem. Àquela mesa sentaram-se as pessoas das quais me fui habituando ao longo de todos estes anos. As mesmas caras, os mesmos feitios, as mesmas conversas. Mais uma vez foi luzes câmaras acção e o filme começou a rodar. Já tinha visto este filme. Mas quem quer saber? Era Natal e as regras mandam que assim seja. Mas o Natal não se faz naquele dia. O Natal faz-se todos os domingos do ano quando me sento àquela mesma mesa com as pessoas que eu mais amo. Onde verdadeiramente se partilha o amor, as alegrias, as tristezas... O Natal não é um dia, o Natal é o espírito e o espírito existe sempre que nós quisermos.

DOIS HOMENS

No meu corredor tenho um quadro pendurado numa moldura de veludo, um quadro que eu mesmo pintei. Nele estão representados dois homens lado a lado. Um deles é amarelo e outro azul. Eles surgem como um casal que dá as boas vindas a quem entra em casa. É quase como ter o retrato de família mas sem existir propriamente uma família. Apesar de ter sido eu a pintar o quadro muitas vezes fico a olhar para ele a tentar descortinar o seu segredo. Quem são eles afinal? E se um dia a tinta desaparecer e o homem amarelo e azul ganharem uma cara? Quem poderemos ver? Há dias que tenho a sensação que se isso acontecer ver-me-ei a mim em duplicado. Um todo separado em dois, representando os dois papeis, o yin e o yang. Há dias em que acho que só eu me completo a mim mesmo. Mas depois existem os outros dias...

PRÓXIMO CAPÍTULO

Aterrei em Lisboa eram dez horas da manhã, mas o meu ouvido já me vinha a doer desde as oito, hora a que o meu tímpano rebentou. São estas pequenas dores da vida que nos levam aos desgostos mais despropositados e ao levantar de questões como... e se o meu tímpano não tivesse furado? Mas a verdade é que a porcaria do meu tímpano furou e doeu como o caraças e para ajudar à festa ainda mais o facto de estar a tentar deixar de fumar! Ninguém aguenta tanta coisa junta... e com isto lá foi mais um cigarro. É altura de mudar, de passar para o próximo capitulo, de despertar para uma nova vida. Apesar de não rotulados estamos juntos neste caminho. Eu e tu.

Que as luzes se apaguem...

TERCEIRA PARTE

FIM DA SEGUNDA PARTE
"O purgatório" 

DO OUTRO LADO DO AMOR

"A última vez que olhei nos olhos do meu avô tinha eu três anos. Ele partia definitivamente para Macau. Aqui ficou e aqui ficará. A nossa relação não se fez de olhares porque a vida assim o quis. Fez-se de palavras, as palavras que tanto nos apaixonam. 

Ao longo dos anos trocámos cartas e livros, os deles e os meus. E foi nessas palavras que encontrámos a nossa forma de amar. Desde pequeno que sonhei com o dia que viria a Macau, em que voltaria a olhar nos olhos do meu avô, a olhar a cidade que tanto o encantava e da qual ouvira tantas histórias contadas pela minha mãe. Queria percorrer a cidade a seu lado, queria que ele fosse um avô com um neto, lado a lado. 

É estranho pisar esta terra pela primeira vez e ser para lhe dizer adeus. E tudo para quanto olho sei que ele também olhou. Sinto-o comigo. 

Resta ao tempo a memória
À memória resta a saudade
Saudosa lembrança do tempo que passou

Memórias felizes, recortes de vida
Das nossas vidas...
Entre dois rios
Entre as viagens de cá e de lá

Do outro lado da vida
Do outro lado de nós
Do outro lado do amor"

Ao meu avô

DO OUTRO LADO DA VIDA

"“Era um verdadeiro filho de Macau, adorava esta terra”. É assim que o escritor Henrique Senna Fernandes recorda o amigo e colega José Silveira Machado, falecido ontem no território. O Professor, como era carinhosamente tratado pelos seus antigos alunos e pelos outros que, não tendo sido seus pupilos, lhe reconhecem a extraordinária vocação para o ensino e as suas grandes preocupações com a língua portuguesa.

Luís Sá Cunha, do Instituto Internacional de Macau, destaca Silveira Machado pelo seu papel importante na cultura local. “Viveu quase toda a sua vida em Macau e aquilo que considero mais relevante na sua vida pública foi a dedicação à cultura, especificamente ao ensino de português”, diz. “Durante muitos anos foi professor, ensinou muitas pessoas a falar português”, sublinha ainda.

José Silveira Machado veio para Macau com doze anos, para frequentar o Seminário de São José. “Acabou por não ser padre, mas o que aprendeu, em termos de língua portuguesa, no seminário, foi-lhe de grande utilidade para ensinar os alunos. Era um excelente professor”, recorda Senna Fernandes.

O escritor sublinha que não foi só na Educação que Silveira Machado desempenhou um papel de revelo. “Saiu do seminário, esteve durante o período da guerra sempre em Macau. Depois, teve funções importantes no Turismo, na área do Desporto e na Economia,” continua.
“Houve uma altura em que foi a Portugal. Eu e o meu pai, que era o presidente do APIM [Associação para a Promoção da Instrução dos Macaenses], trouxemo-lo para Macau, para voltar ao ensino da língua portuguesa”, acrescenta Senna Fernandes. “Estava infelicíssimo em Portugal, ele gostava de Macau”.

No dia do desaparecimento de Silveira Machado, o autor de “A Trança Feiticeira” frisou ainda que “era um homem que adorava a vida”. “Ele escrevia muito bem, os manuscritos dele eram muito bons. Incentivei-o sempre a que escrevesse as suas experiências pessoais, mas era um homem muito reservado sobre a sua vida.”

Também Luís Sá Cunha sublinha a importância dos seus livros, contos e crónicas. A sua última publicação, intitulada “O outro lado da vida”, foi dada à estampa há um par de anos, pouco depois de ter sido condecorado pelo então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio.

Hélder Fernando, jornalista em Macau há mais de duas décadas, diz que “o que mais apetece recordar neste momento de tristeza pela morte, é a vida, o convívio, o brilhantismo do professor”. O jornalista conviveu “muito de perto com Silveira Machado, durante uma série de anos”.

“Todos os que fazíamos parte de uma habitual tertúlia que mantivemos alguns anos, o ouvíamos com grande atenção, era um acto de aprendizado. O professor era uma personalidade que vivera múltiplas e importantes funções, na área do Turismo, Grande Prémio, Desporto, Ensino, Cultura, Jornalismo, mundo empresarial. De todas essas vivências tinha histórias de vida para contar. E sempre um extraordinário empenho em viver.”

Hélder Fernando descreve Silveira Machado como sendo “teimoso, orgulhoso, assertivo, com um sentido de humor muito peculiar, chegando a ser uma personagem encantadora”. “Nos anos de perfeita maturidade lúcida e não dependente, era um homem à frente do tempo”, recorda ainda.

José Silveira Machado tinha 88 anos de idade. Embora nos últimos tempos, por razões de saúde, tenha deixado de colaborar com “O Clarim”, publicou, durante muitos anos e com assiduidade, crónicas no semanário católico. Era ainda membro do Conselho das Comunidades Portugueses, tendo sido eleito para o cargo juntamente com José Pereira Coutinho."

Isabel Castro

ÓBITO

“Morre Silveira Machado, figura indelével na cultura portuguesa em Macau.

O professor Silveira Machado, uma das figuras marcantes da cultura portuguesa em Macau, morreu aos 89 anos no Hospital Conde de São Januário. Professor, fundador e jornalista do semanário católico O Clarim, comentador e autor, José Silveira Machado nasceu a 24 de Outubro de 1918 na freguesia e Concelho de Velas, na ilha açoriana de São Jorge.

Estava em Macau desde a década de 30 onde chegou para estudar para padre no Seminário de S.José na companhia de outras figuras de Macau como Monsenhor Manuel Teixeira, entretanto também já falecido, e o padre Aureo Castro. Funcionário público desde Janeiro de 1941 na então chamada Repartição da Fazenda do Concelho de Macau, Silveira Machado entra em 1948 para os Serviços de Economia.

Em 1974, o professor, como era conhecido em Macau, aposentou-se em Lisboa, regressando a Macau em 1976 para iniciar a carreira de docente na Escola Comercial, Colégio Dom Bosco e no Centro de Formação dos Serviços de Educação.

Ao longo da sua carreira como jornalista, colaborou na Voz de Macau, na Revista Renascimento, O Clarim, Comunidade, Boletim Informativo de Macau, e foi correspondente do Diário da Manhã e da revista de Cinema Plateia. Fluente em cantonês, o dialecto chinês que se fala no sul da China, Silveira Machado escreveu diversos livros como Macau, Sentinela do Passado (prosa), Rio das Pérolas (poemas), Macau, Mitos e Lendas (contos), Duas Instituições Macaenses, «Macau na Memória do Tempo" e «O Outro lado da Vida» (retrato social de Macau).

Muito ligado a Macau, à juventude e à comunidade, Silveira Machado nunca descartava, como explicam os amigos, uma boa discussão. Não visitava Portugal há cerca de 17 anos e costumava dizer que se aterrasse em Lisboa, era capaz de se perder em cinco minutos. A sua actividade cívica e em prol do português em Macau valeu-lhe o reconhecimento da classe política, tendo sido condecorado com a Medalha da Ordem do Mérito Civil da Instrução Pública, Medalha de Mérito Desportivo (classe de prata), Medalha de Mérito Cultural, Comenda da Ordem do Mérito e grau de Grande Oficial da Ordem da Instrução, esta última em Janeiro de 2005 pelo então presidente português Jorge Sampaio.

Homem ligado ao desporto, turismo, educação e cultura, a sua morte é considerada uma «enorme perda» pela comunidade em geral. «Fazia amizades facilmente com todos, era disciplinado e um defensor de valores humanistas em resultado da sua formação católica que o marcou para sempre», destacou o padre Albino Pais, director do jornal O Clarim.

A sua última obra O Outro lado da Vida é um testemunho da sua preocupação com o próximo, disse ainda o prelado.”


in Lusa/Sol

RIO DAS PÉROLAS

A chuva tardou a chegar. Entrou ao de leve, à noite, pela calada, como se não fosse seu intuito que déssemos por ela. Abro a janela de manhã, já o piso está molhado, o cheiro húmido e abafado, o céu cinzento. A chuva veio para limpar o dia de ontem. A chuva veio para disfarçar a agressividade embutida nos sentimentos. A chuva veio chorar por aqueles que não choram, não vertem lágrimas, não sentem. Tu morreste e eu morri um pouco contigo meu avô. Se ao menos me tivesses contado a tua versão da tua história...

“Nos silêncios de amanhã
fiarão na distância
os ecos longínquos
deste Rio de Pérolas”

José Silveira Machado
(1918 - 2007)

QUEM?

Dou-me conta da ressaca que é regressar, de todo o tempo em que me mantenho preso a dois mundos, em que comparo todas as coisas até ao mais ínfimo pormenor. Estou no tempo de transição. Já parti mas ainda não cheguei. Em tempos acreditei que sim, que já estava de volta, mas tudo ainda me é estranho. Preciso de voltar a entranhar-me de novo para que não estranhe tanto a passagem do tempo. É tudo uma grande viagem, uma grande passagem, um aprendizado. Esta é a definição da vida como eu a conheço. No entanto, não conheço o seu sentido e estou farto das filosofias baratas que me tentam impingir.

Na minha vida já fiz muitas coisas de que me orgulho mas já fiz muitas coisas erradas de que me envergonho; já fiz o bem e já fiz o mal; percorri caminhos certos e caminhos menos apropriados, menos honestos, menos verdadeiros e, no final das contas, quando chega ao somatório, quem sou eu afinal? Quem és tu afinal? E no final das contas somos apenas nós quando não existir mais nada.

O EMPREGADO SORRIDENTE

Fico sentado naquela casa que é a minha. Observo as coisas à minha volta e, apesar de algumas divisões ainda estarem uma confusão, já a começo a sentir como se fosse o meu espaço. Ainda precisa de algumas mudanças mas o tempo que disponho não é muito. Abraço-me na condição de solitário sem qualquer mágoa embutida, sinto o meu corpo e isso chega-me para que me sinta vivo.

Na condição de morto está o dia do meu funeral, que nesta altura do ano seria despropositado de fidelidade amistosa. Tenho de uma vez por todas deixar de acreditar que D. Sebastião ainda vai voltar e assim deixo de sentir qualquer apreço pelos dias de nevoeiro. É Inverno e está um calor de morte. O que se passa com o tempo? A viagem parece não estar terminada. Falta aquele gostinho do frio matinal, do cheiro do inverno, da luz romba.

*

Dobro-me junto a cama, levanto um pouco o colchão e apercebo-me da quantidade de pó que por ali anda. É preciso limpar. É sempre preciso limpar o pó que se acumula debaixo da cama. Os restos de vida que vamos deixando de lado, que vamos esquecendo até se tornarem pó. Afinal, no fim, todos somos pó.

*

- Estão a gostar da noite? Estão a divertir-se?
- Estamos, não te preocupes!
- Gosto de ver as pessoas felizes...

Se ao menos fizessem um sorriso para o demonstrar. Tudo é tão artificial. Desespero por aquele abraço que me transmite a verdade, mas ficamos todos pelos sorrisos de esguelha e os olhares de um outro tempo. Dói-me o peito, uma picada aguda, talvez ir ao médico deva ajudar!

*

Sentas-te ao meu lado. Sei que vens com boas intenções, eu é que não estou para aí virado. Estou mais intencionado em acabar o meu cigarro e cheirar a noite. Hoje o céu está limpo e aqui ainda é possível ver as estrelas no céu com clareza. Mas podes ficar, em silencio, a apreciar tudo isto comigo. Sei que tens estado ao meu lado, mas ainda não és aquela pessoa para quem vou ligar quando estiver deprimido. Não és tu nem ninguém.

*

Acordo e ainda é de noite. Merda! A questão é que já é de noite e o meu dia foi perdido. A casa continua no mesmo lugar apenas está virada do avesso. É preciso calçar as luvas de borracha e dar uma volta a isto tudo. Tinhas ficado de me ligar mas ainda não o fizeste. Por outro lado ainda bem, não tenho vida para isto. E digo isto sem saber quais são os teus propósitos, mas quaisquer que sejam sei que são diferentes dos meus.

*

Os dias são compridos. Faço demasiadas coisas para apenas vinte e quatro horas, mas quando dou por mim já passou uma semana e outra e apenas parece que só tenho mais trabalho e a nível de produção nada! Queria poder mandar o meu patrão para o outro lado, mas há momentos da nossa vida em que não podemos desistir assim. Há que enfrentar as feras. Quanto aos outros empregados há que continuar a sorrir-lhes e faze-los pensar que está tudo bem. Mesmo que um meteorito tenha aterrado mesmo em cima da casa e esta esteja num estado tão lastimoso que seja impossível viver. Mas está sempre tudo bem! E com um sorriso estampado na cara passo por todos eles para me dirigir ao carro, entrar nele e fazer mais uma viagem de regresso a casa sem o rádio ligado por puro esquecimento. Tenho tantos pensamentos ao mesmo tempo que nem me dou conta do silêncio.

O QUE ME FAZ SORRIR perguntou a Soraia...

- Quando vejo as minhas séries favoritas.
- Quando penso em musicais.
- Quando penso em mim a ser uma personagem num musical.
- Quando ouço as minhas músicas favoritas.
- Quando vejo as pessoas que gosto.
- Quando penso nas pessoas que gosto.
- Quando me lembro de coisas engraçadas.
- Quando recordo momentos bonitos com outras pessoas.
- Quando acho que tive uma boa ideia.
- Quando passei uma boa noite com alguém e acordo no dia seguinte a pensar que tudo foi perfeito quando olho para o lado e a vejo a dormir.
- Quando recebo uma boa nota.
- Quando recebo um comentário honesto.
- Quando compro um objecto que desejo há muito tempo (sorrio genuinamente)
- Quando compro um objecto que desejo (sorrio porque o adquiri)
- Quando sinto que as pessoas à minha volta estão felizes.
- Quando consigo fazer as pessoas à minha volta felizes.
- Quando leio certas frases de certos livros.
- Quando me abraçam com vontade.
- Quando me dizem uma coisa bonita.
- Quando vejo um filme que me toca no fundo.
- Quando vejo, leio, ou ouço algo que desperte a parte romântica e deixe aquele sentimento que ainda é possível acreditar.
- Quando me oferecem aquelas prendas inesperadas que eram mesmo aquilo que eu queria.
- Quando me oferecem um simples cartão com aquela frase que eu precisava de ouvir.
- Quando o pôr do sol está lindo.
- Quando faço uma grande viagem a conduzir pelo prazer que ela me dá.
- Quando tenho uma discussão interessantíssima e sinto que cresci mais um pouco.
- Quando vejo algo na rua que nunca tinha reparado mas que me chamou a atenção.
- Quando sinto que os outros se preocupam comigo.
- Quando dou sem precisar de receber.
- Quando acabo de escrever um texto e sinto que está muito bom.
- Quando vejo ou ouço a Madonna.
- Quando as pessoas me irritam e apercebo-me que elas não estavam a fazer por mal e eu é que entendi tudo errado.
- Quando estou a pintar.
- Quando toco violino.
- Quando faço invenções culinárias e o cozinhado ficou a coisa mais horrível do mundo e vou ter de cozinhar outra coisa qualquer.
- Quando acabo de arrumar a casa e vejo tudo limpinho.
- Quando tiro o saldo do cartão e tenho mais dinheiro do que a última vez que olhei.
- Quando uma noitada na discoteca acaba e sinto que me diverti mesmo.
- Quando penso que me vou encontrar com as pessoas que amo.
- Quando recebo uma chamada de alguém especial.
- Quando recebo uma chamada de alguém que eu já não vejo e/ou falo há muito tempo.
- Quando ganho num jogo de cartas.
- Quando aterro no aeroporto de uma cidade onde eu quero muito estar.
- Quando me fascino com os pequenos pormenores da vida.
- Quando sai um novo musical.
- Quando entro num teatro.
- Quando viajo com "aquela" pessoa.
- Quando penso nestas coisas todas que me fazem sorrir.
- Quando penso que muito mais coisas teria para escrever...

CONJUGAR

Sou da opinião que o mundo se rege por uma partitura bastante simples: «Eu, tu, ele, nós, vós, eles». Contudo não me posso deixar enganar por tal simplicidade que inicia qualquer conjugação de um verbo. Resta saber se esse verbo se encontra no passado, presente ou futuro. Mas vamos por partes, que cada qual tem a sua complicação:

Eu – O tão famoso eu, o centro, de nós para fora, de fora para nós. O mundo à volta existe sempre melhor aos nossos olhos, segundo a nossa visão. Por vezes corações moles, por vezes egoístas. O eu necessita de um espaço de segurança, de um canto, de um esconderijo. Tudo o que se refere ao eu é sempre mais complicado. É sempre confuso, é sempre para lá do real. Um quarto escuro com muitos fantasmas. E conhecer esse eu na sua totalidade é uma tarefa impossível, até para o próprio eu.

Tu – Aquele que o eu busca desesperadamente, uns mais, outros menos, mas é o mal dos males em estar mal. O tu tem sempre, pelo menos, três versões: O idílico, o real e a deturpação desse real. Buscamos o idílico, aquele que nunca será real. Aceitamos a hipótese dele não existir e tentamos encontrar o real que mais se aproxima, mas repetidamente trocamo-lo mentalmente pela deturpação desse real, vendo algo que não está lá (mas que continuamos a julgar estar). Reside ao eu encontrar a paz nesse tu, tentando sempre vê-lo o mais real possível.

Ele – O ele é a dor de cabeça do tu. Existe sempre um ele nas relações. Um terceiro elemento. Uma história do passado, um flirt do presente ou mesmo uma traição. Mas o ele tanto pode ser real como uma mera fantasia do tu. O ele pode ser um elemento chave, como pode ser o que deita tudo a perder. O ele existe por milhentas razões, mas este não é o momento para detalhar de forma tão específica.

Nós – É a forma como o eu e o tu processam o facto de estarem juntos. Quem é cada um como um e como são como um nós. Como é que esse nós se dá entre eles, e esse nós com o que os rodeia. Como decidem o eu e o tu viver esse nós, qual o estratagema. O nós só consegue existir perante regras. E que regras são essas? Cada nós terá as suas.

Vós – Todos aqueles que rodeiam o eu, o tu, o nós (no caso de existirem estes dois últimos). Todos aqueles com quem interagimos no dia-a-dia, por necessidade, por vontade, pelo simples facto de se cruzar na rua, de ligar uma televisão, abrir um livro, escutar uma música. Sem o vós tudo perderia cor. O vós entretém-nos, completa-nos, acrescenta-nos.

Eles – Para continuar a falar do vós é preciso apresentar o eles. Dos vós, os eles são aqueles que são mais chegados. O grupo de pessoas com quem o eu decide uma partilha mais profunda, mais da alma, mais das vísceras. Contudo, a importância do vós não deixa de ser notoriamente importante. Pois muitas vezes o eu suporta a sua existência na música que ouve, nos livros que lê, nos teatros que vê, etc.... o que não existiria sem o vós. Mas é no eles que o eu encontra a vontade de, mais tarde, partilhar todas essas sensações.

Eu, tu, ele, nós, vós, eles, acima de tudo, precisam de dialogar – com todas as formas que encontrarem, sem esse dialogo não existe conjugação! Eu amo; Tu amas; Ele ama; Nós amamos; Vós amais; Eles amam. Apesar de ser um eu com poucas perspectivas no romance...

TUDO OU NADA

Estou, novamente, de roda aos textos do passado. Não consigo evitar o seu estado morto na estante da sala. Eles precisam ser abertos de quando em quando, ser lidos, manuseados, contemplados. É nas palavras que nos magoamos, que nos amamos, que nos sentimos presos ou livres. São as palavras que nos confortam, que nos repelem, que nos apaixonam. E o silencio literário é o meu escape. Na verdade tudo é mais fácil do que viver a nossa própria vida.

Voltei ao Frederico. Há qualquer coisa na tragédia e no heroísmo que ainda mexe comigo. E ao mesmo tempo a necessidade de visualizar o impossível que é tão mais fácil de viver. De nada vale comprar horas extra, comprar um momento, comprar uma palavra que seja. De tudo vale viver uma hora extra, um momento, uma palavra que seja, beber do doce ardor que atrai o nosso repugno. E mesmo que nada faça sentido, mesmo que tudo seja apenas mais um tudo, ao menos ele é, ele existe, está lá, foi nosso.

NOS MUSICAIS

Fui levantar os bilhetes no dia anterior, o Chiado estava caótico. Mas o que interessava o aglomerado de pessoas quando tinha nas mãos os bilhetes para ir ver o novo musical português? Se há coisa que me consegue elevar a outro estado é um bom lugar, numa boa sala de teatro a ver um bom musical. E as cartas estavam lançadas, primeira fila no primeiro balcão, o teatro era o São Luiz, um dos quais tenho maior afinidade ao nível da sua beleza estética, só restava esperar e ver o que iria sair dali enquanto espectáculo.

O meu pai apanhou-me em casa já um pouco em cima da hora, o que só deu mesmo tempo de um pequeno lanche ajantarado na Benard, onde sou sempre bem atendido pela senhora da caixa registadora com a voz melodiosamente simpática. Mas pouco tivemos para estar ali e apreciar os pregos no pão. Faltava um quarto de hora e fomos para o teatro. Era a noite de estreia e aquilo estava pejado de figuras da televisão, do teatro e outros daqueles que simplesmente aparecem, que simplesmente estão. Entrámos e fomos logo para o lugar – odeio atrasos. Enquanto o meu pai ia falando sobre as suas vitórias na carreira pela vigésima primeira vez, os meus olhos seguiam atentamente tudo o que se passava à minha volta. Os “conhecidos” faziam de tudo para serem notados, fotografados, mas faltavam dois minutos e a sala ainda estava vazia. Onde se havia metido toda a gente? Atrás de nós um casal comentava o mesmo facto e o meu pai continuava entusiasmadíssimo a contar-me aquilo que eu já sabia. Por incrível que pareça, as últimas pessoas a chegarem foram, na sua maioria, actores – aqueles mesmo que gostam de ser respeitados quando são eles que estão no palco – ironia talvez...

As luzes apagam, o pano sobe e a banda começa a tocar – O teatro musical português começa a ganhar uma forma e uma estética específica. É fácil reparar nas semelhanças entre as produções inteiramente portuguesas. Será que podemos dizer que começa a existir um estilo próprio do musical português? Eu confesso que espero que não. Pois se isto é o musical português podem parar por aqui. Valeu o esforço... mas chega! No historial dos musicais fabricados inteiramente em português podemos contar com alguns nomes como: Lá ao Fundo o Rio, O Navio dos Rebeldes, Pedras Rolantes, Sexta-feira 13, Cabeças no ar... entre outros. Quando vi Lá ao fundo o Rio e O Navio dos Rebeldes achei que em Portugal se estava a começar a esboçar um sorriso bem largo para o teatro musical, mas tudo o resto veio detonar esse sorriso – Sem uma introdução rapsódica inicial, como mandam as regras do género musical, para que o espectador se integre no ambiente que vai ser apresentado, vemos, no escuro, a cara de um dos actores, que logo abre a goela para cantar, e a voz não era nada má, sendo as vozes a única coisa que salvou a noite. Quando as luzes acendem deparo-me com a mesma visão de sempre a que o género nos tem habituado, um fundo de tela branca ou preta, o chão de linóleo e umas estruturas a que chamam de cenários. E a esta estética nem o La Féria escapa com as suas “versões” dos musicais americanos e ingleses – que em nada têm a ver com a verdadeira grandiosidade dos originais. Mas voltando ao musical português, depois das “pequenas” falhas iniciais – talvez justificáveis pela falta de orçamento – seguimos para aquilo que, já dizia Camões, é preciso fazer com engenho e arte. E assim me refiro à pobreza das musicas, à pobreza dos conteúdos da escrita, à pobreza de qualquer emoção mais profunda, qualquer sentimento mais requintado. Passam então duas horinhas de entretenimento fácil, que nos faz sair dali tal como entrámos. Quando me perguntam se o espectáculo foi bom, respondo: “Eles cantavam bem”.

Nunca esperei ver em Portugal um sucesso que durasse 22 anos, como acontece no West End como meu musical de eleição, Os Miseráveis, até porque a nossa realidade é outra, a escala é outra e o mediatismo dentro do género é outro. Mas se queremos actuar dentro do género há que olhar para os melhores e perceber o que eles fazem para fazer bem. E não é preciso ir muito longe, basta comprar uma passagem na easy jet de 50 euros ida e volta, um hotel barato nos arredores a 10 euros a noite e comprar um bilhete de 25 euros na última fila e decerto será tudo dinheiro muito bem gasto, mesmo que sendo na última fila. E aí poderemos perceber o que é um bom texto, o que é uma boa divisão de espectáculo, com momentos calmos, momentos tristes, momentos intensos, momentos de magia, momentos de alegria, o que é ter vontade de subir para o palco e viver com eles, o que são boas canções que nos tocam, que nos fazem rir, chorar, vibrar, encantar, e quando o pano sobe deparamo-nos com visões montadas com o mais fantástico pormenor, a mais deliciosa poesia, a mais escandalosa solução, onde do primeiro ao último minuto sustemos a respiração, onde temos tempo para sonhar, para amar, para nos sentirmos vivos, onde no final não queremos abandonar a sala, não queremos esquecer aquela aura, aquela vibração, onde sentimos as pessoas numa vibração estonteante de conjunto, onde os sorrisos se abrem a mil, as almas ficam relaxadas, o corpo voa, na cabeça trauteiam-se as canções, e isto sim... é espectáculo! E sempre que saí de uma dessas salas de espectáculos perguntei-me: “Onde estavam as falhas?” mas logo apercebi-me que nem tive tempo de me sentir aborrecido para sequer pensar nelas.

*

É fácil criticar... eu sei...

DUAS ASPIRINAS, UM COPO DE ÁGUA E VALDISPERT

Café e cigarros transformam qualquer noite numa noite perdida. Resta então inventar coisas para fazer, que nos permitam justificar a ressaca de sono no dia seguinte. E tudo fica mais complicado quando lhe juntamos uma pitada de Woody Allen. É sempre preciso um copo de água e duas aspirinas para arrefecer a cabeça, ou então, simplesmente, esquivarmo-nos para Nova Iorque e deixamos que a nossa cabeça estranhe tanto quanto o possível que torne a nossa cidade um lugar agradável para amar. Contudo, não consigo largar a nicotina – até para pensar! Provavelmente quem teria as melhores respostas seria o meu psicólogo se eu tivesse um. Mas quem precisa de psicólogos quando vivemos numa terra gente louca? Ou será que eles tiram, ao invés do curso de psicologia, o curso de: como deixar a loucura de parte e ajudar aqueles que não a conseguem deixar?

A irrealidade da mente é uma coisa que me fascina. Cada vez mais me apaixono pela complexidade das equações efectuadas pelo cérebro. Ou talvez pela simplicidade com que elas mudam. As batalhas travadas mentalmente para aceitar a decisão que já foi tomada há bastante tempo. Ainda espero o dia em que possa sentar-me à mesa de um bar, no momento em que desejo voltar para casa e dizer: Queria um copo de água e um valdispert se faz favor!

MANIFESTO

Será uma questão de orgulho o facto de se ser “diferente”? O facto de se gostar de alguém do mesmo sexo, ou de se mudar de sexo por não se sentir bem na pele que se veste? Será o orgulho uma questão de sobrevalorização sobre outros? Ou será o orgulho uma questão de se poder sair à rua de mão dada com a pessoa que se ama, sair à noite com os amigos sem ter de frequentar um local “apropriado” para tal? Não será o orgulho uma satisfação pessoal por darmos uma cara e às vezes a voz para uma luta contra preconceitos e descriminações? O que andamos a discutir e do que nos devemos orgulhar afinal?

Uma vez por ano podemos assistir em Lisboa à Marcha do Orgulho que tanta controvérsia deixa nas bocas do povo. Uns afirmam que de nada nos temos de orgulhar, que somos o que somos e não temos de marchar por isso. Outros ainda recriminam as televisões por só filmarem as “aberrações” do meio gay, por acharem que nos estão a meter todos no mesmo saco – nojento e desprezível diriam alguns. Também uma vez por ano podemos contar na nossa Lisboa com um festival de cinema gay que este ano, segundo algumas pessoas, cometeu o “erro gravíssimo” de intitular o festival de Queer Lisboa, como se de grande ofensa se tratasse à língua portuguesa (pode ser que o título do próximo ano seja Paneleiros à solta e aí já ficam todos contentes. E já agora, para os que têm tanta dificuldade em aceitar estrangeirismos – ou mesmo a perder tempo a discuti-los – peço que da próxima vez que alguém lhes perguntar se são gays que respondam: não, somos homossexuais). O que andamos afinal a discutir? Nomenclaturas?

O que mais me entristece, na verdade, é o facto de serem os próprios “homossexuais” a discutirem as questões mais irrelevantes de todo o processo inerente à questão do orgulho gay. Para quem não sabe, durante a semana que se antecede à marcha, existem várias palestras e conferencias onde se debatem os problemas. Semana essa onde, de certa forma, somos ouvidos. Muitos perguntar-se-ão: “E porque é que só somos ouvidos nessas alturas?” A verdade é que estamos a lutar por algo e disso não podemos fugir. E se temos, pelo menos essa abertura, não vale a pena agarrá-la? Porque enquanto uns não fazem nada, deixando-se apenas a discutir nomenclaturas, outros lutam em seu lugar para resolver os problemas de todos. Os problemas que enfrentamos diariamente com as nossas famílias, os nossos amigos, os nossos colegas, em casa, no trabalho, na rua. Bem sabemos também que os problemas nunca ficam resolvidos, mas é a pouco e pouco que se ganha uma causa. Com persistência e perseverança.

Tomo como exemplo a problemática feminina, que após grandes lutas ao longo dos séculos, melhorou bastante a sua posição na sociedade, mas que ainda enfrenta os seus problemas, agora em escala reduzida. E toda a mulher que hoje acaba uma universidade, arranja um emprego, pede um divorcio, vota, deverá agradecer a todas as outras mulheres que queimaram sutiãs em praça pública, protestaram, marcharam pelos seus direitos e que agora têm o seu dia internacional para comemorarem todas as suas conquistas sociais, económicas e politicas ao longo dos tempos. O que é engraçado registar é o facto de eu as ouvir dizer, sem vergonhas e sem se sentirem patéticas que têm orgulho em ser mulher. Eu não as ouço dizerem que lá por serem mulheres que não querem fazer parte do conjunto. E bem sabemos a diversidade de tipos de mulheres que existem. Mas elas sabem que pelo facto de serem mulheres passaram e passam por problemas semelhantes.

O que é um pouco irónico no que toca aos homossexuais masculinos. Pois apesar de fazermos parte do grande saco de humanos com um pénis, temos a possibilidade de, escondendo certos tiques, certas formas de vestir, de nos confundirmos entre os heterossexuais e igualarmo-nos a eles para conseguir, por exemplo, um emprego. E ficamos todos contentes por fazer parte de determinada empresa, onde nos rimos com os outros quando fazem chacota de outro homossexual, onde mentimos em relação ao que fizemos no fim-de-semana passado, onde não podemos dizer que nos espera em casa o homem mais encantador pelo qual nos apaixonámos. Se voltarmos às mulheres, aperceber-nos-emos que vestir umas calças com uma meia nas cuecas, cortar o cabelo curto, usar um bigode postiço e engrossar a voz, torna-se um pouco mais complicado. É claro que hoje em dia as mulheres não precisam de nada disto, mas isso só se deve ao facto de ao longo dos anos terem existido outras mulheres que lutaram por elas e das quais nos devíamos sentir todos orgulhosos.

É verdade que lutamos pelos direitos igualitários. Mas iguais é coisa que nunca seremos. Mas isso não é vergonha, nem pior ou melhor. Simplesmente somos diferentes e temos de dar voz a essa diferença. Mesmo querendo iguais direitos, temos de fazer ver aos outros que somos diferentes deles, que quando somos um casal nunca seremos um homem e uma mulher mas sim dois homens ou duas mulheres, que também amamos, que também queremos ter filhos, mas que os vamos educar enquanto dois homens ou duas mulheres. E quando saímos à noite, no nosso grupo de amigos podem estar transexuais, drag queens, travestis, homens mais femininos, mulheres mais masculinas, os chamados ursos, sadomasoquistas, leather e por aí fora. E é por isso que a nossa bandeira é um arco-íris, porque aceitamos todas as diferenças.

Mas cada vez mais me apercebo que é cada um por si... e se pensarmos desta perspectiva, realmente, não há muito porque ter orgulho! Pois nós somos os primeiros a descriminar e a apontar o dedo. A verdade é que todos existimos e todos temos o direito à nossa diferença.

*

Aqui fica um grande beijo a todos os amigos gays, drags, ursos, transexuais e travestis com quem tive o prazer de desfilar na parada gay de Fortaleza, que me mostraram ao longo de um ano um sorriso por me verem, que me deram sempre aquele abraço quando eu precisei, que estiveram lá para me apoiar, para me ouvir, e eu a eles é claro, e que não são diferentes dos outros enquanto seres humanos, só talvez o facto de terem grandes corações (e longe estão de serem aberrações). Eu orgulho-me de lutar e marchar ao lado destas pessoas para que um dia outros não o precisem de fazer.

LES GUERRES

La grande chanson qui reste dans ma tête c’est “Apportez-lui à la maison”. Interprétée pour Jean Valjean c’est une prière pour l’amour de Marius par sa fille. Il supplique à Dieu que si quelqu'un meure qu'est. Jean Valjean croyez qu'il n'y a rien plus important que l'amour. En période de guerre, tout qu'il doit sauvegarder c’est la vie sur la Terre, l'importance d'une vie pacifique. Il croit que toutes les réponses sont dans l'amour, dans tout le archétype de bonté. Et c'est donc qu'il combat, qu'il saisit dans une arme pour tirer contre autres égaux à lui, que, qui sait, ils peut-être combattent pour le même mais d'autre point de vue. Le monde beau quand les étoiles tombent.

(*Desculpem o meu péssimo francês, mas este texto só poderia ter sido escrito nesta língua. Talvez por tributo a Claude-Michel Schönberg que criou a fabulosa música da adaptação do livro Les Misérabeles de Victor Hugo para o teatro musical.)

A CANÇÃO DO COMBOIO *

Estação do Rossio. Todo o meu dinheiro vai-se em bebidas. Não paro de gastar aquilo que não tenho e aquilo que tenho foi-me emprestado por outros. Perco em todas as apostas que faço e as noites ficam escura como as penas de um corvo. Foi num comboio que resolvi partir. Mas os comboios nunca nos trazem a casa. A garrafa dos sonhos também fica vazia, assim como as garrafas de bebidas e os sinos nunca mais tocam. Na plataforma reina o silêncio enquanto o comboio parte e me leva para longe daqui sem nada para mostrar ou contar. Bem, foi o comboio que me tirou daqui e os comboios não nos trazem a casa. Lembro-me de quando parti, sem a mínima preocupação com as malas, levava apenas aquilo que tinha sobre o corpo. Agora arrependo-me de o ter feito dessa maneira e sou eu por mim numa outra estação. Foi nesse comboio que vim para cá, num comboio que não me trouxe para casa.

*Adaptação e tradução livre a Train Song de Tom Waits.

O PREÇO DA TRAIÇÃO SÃO TRINTA MOEDAS DE PRATA

Por vezes lemos coisas que preferíamos que nunca tivessem sido escritas. Naquela tarde as palavras foram brutas e cruéis. Por vezes também dizemos coisas que preferíamos nunca ter dito. Mas a nossa boca, às vezes, funciona mais rápido que a nossa mente. É difícil ler sem sentir. É difícil ouvir sem sentir. E naquela tarde tive de me segurar a tudo o que tinha para não tombar rua Garrett abaixo. O sol estava quente, o ar abafado e os meus pulmões tiveram dificuldade em respirar. É interessante pensar nas voltas que a vida dá através de pequenas escolhas e decisões. Um sim ou um não podem fazer toda a diferença. Um sim ou um não podem revelar os monstros cavernosos que existem dentro de nós. As chamas fervilham e apenas esperam o momento exacto para serem libertas. Poderão algum dia essas chamas desaparecer? Ou o passado manterá eternamente uma pequena brasa para nos avivar a memória de que a qualquer momento o fogo pode alastrar? Esquecer e perdoar não é uma coisa fácil. Viver sem o perdão é uma tortura. Sei que abri muitas feridas, que cravei fundo, que desiludi os mais nobres sentimentos e o amor nada me deve. E esta é a minha consciência do passado, a cama em que me deito. E, se para muitos, isto tornou-se caso para se sentirem melhores, para não se sentirem tão reles, peço que reflictam em todas as atitudes que tomaram ao longo da vida, em tudo o que receberam e não deram em troca. Pois se o preço da traição são trinta moedas de prata e o enforcamento, à morte não se tiram mais pontos do que a uma vida de penoso orgulho.

As ruas pareciam longas, infinitas, despidas... e o amor dos contos de fadas morreu!

O ERRO

Onde cruza a inevitabilidade das coisas com o nosso poder de escolha? O sentido impregnado no momento da decisão corrompe o acto em si. O acto passa de mero instinto para as aguçadas sucessões de causas e efeitos, que julgamos determinar após cuidada avaliação. Mas o próprio efeito não passa de um calcanhar de Aquiles – confusa trama de erros mentais. Vencerá então a inevitabilidade das coisas? Será tudo tão inevitável? E não fará parte, a inevitabilidade, do processo das nossas escolhas? Ao produzirmos escolhas estamos inevitavelmente a criar efeitos a essas causas. A dificuldade prende-se na consciência desse efeito, na capacidade que temos de o determinar correctamente e mesmo de o aceitar. Mas essa mesma consciência pode ser, também ela, uma armadilha que nos impede de sentir.

O avanço é uma grelha confusa que se interpõe na nossa frente parecendo toda ela igual e coerente. Eis quando visualizamos uma anomalia, uma gafe que, supostamente não deveria estar lá. Essa anomalia vai trabalhar em toda a estrutura de equações alterando a pouco e pouco a estrutura principal. Estamos então confrontados com uma “nova” grelha – a sucessora. O erro encontrado no sistema deixa então de ser um erro para passar a ser o sistema. Será também isso inevitável? E se um erro passa a ser o sistema e o sistema passa a ser um erro, o que é afinal um erro? A consciência talvez seja o ponto de partida ao entendimento. Mas é preciso que se entenda as bases da consciência e os seus fundamentos. Não toldará tudo isto o nosso poder de escolha? O que estamos a escolher então quando “escolhemos”?

ÀS VOLTAS

Eu quero acreditar em algo que seja real, algo que eu possa palpar sem duvidar por um segundo que o estou a fazer, sentir sem duvidar desse sentimento, sem duvidar de que o que o gera é algo que está em mim e não um produto de uma série de variantes exteriores. Tento, de certo modo, interpretar tudo aquilo que me rodeia, tudo aquilo que vivo, tudo aquilo que me fazem viver. Estou em constante procura de algo que não sei o que é, apesar de inconscientemente saber que esse algo que procuro nada mais é do que a verdade: Uma verdade enterrada, uma verdade que não é, aparentemente visível, que se subjuga ao limite que a nossa cabeça chama de tempo e espaço. Sou detonado pelas variantes de um sistema corrupto de intelectos massificados e não me consigo distanciar o suficiente para ver uma imagem clara daquilo que se passa à minha volta. Sair dessa grelha torna-se algo de pura destreza a que não estou capaz.

Olho à volta e vejo destruição, a corrupção dos meus próprios pensamentos, o não alcance dos conceitos mais básicos. A credibilidade nas coisas tornou-se estranha, converteu-se em não-religião, em nada a que me possa agarrar. O tempo não diz nada, o tempo apenas destrói, corrói, e será que na ausência desse tempo encontraria diferenças? O tempo apenas me fala de um passado, um presente e especula-me um futuro. Mas o tempo tem telhados de vidro. E nesses telhados reside a experiência colectiva que cria as informações a que apelidamos de verdades. E cremos que tudo gira numa circunferência perfeita de causas e efeitos. Se um objecto é largado ele vai cair e essa é a nossa experiência, esse é o ensinamento do passado. Mas o que me garante que no futuro esse mesmo objecto continuará a cair? E se um dia ele deixar de cair? Direi que foi engano? Que os meus olhos não estão a ver bem? Ou aceitarei simplesmente essa nova verdade pondo automaticamente de parte o conhecimento adquirido do passado? E se, um dia mais tarde, o objecto que deixou de cair voltar a cair? E se ele só voltar a cair quando eu não estiver cá para ver... onde posicionarei a verdade no tempo? O que é real afinal?

A percepção que tenho das coisas é tão dúbia quanto achar que os daltónicos são os que vêm mal! Existe uma forma correcta de ver as coisas, de as percepcionar, de as experienciar? Onde ficam as barreiras que me permitem saber quem sou, o que faço, sem me imaginar preso à caverna que durante toda a vida me fez acreditar que o mudo era apenas um conjunto de sombras e essa era a minha realidade? E dentro dessa realidade existem formas próprias para agir, para ser e estar. E se meto o pé fora da caverna e deparo-me com outras verdades? Tudo isto gera um conflito imenso de perguntas e respostas, de confrontos de ideais. Estou realmente preocupado com o absorver de informações para as quais não tenho tempo de avaliar, comparar, decidir, sendo obrigado a correr contra o tempo de viver mais um dia, um atrás do outro, tentando ao máximo organizar ideias reflectidas e lutando contra a maré de percepções pré-fabricadas que me incluem num lote, numa casta, numa definição já ela esquematizada e perjurada.

Todas as dúvidas foram feitas para persistir e todas as dúvidas que encontram uma resposta de um dos ângulos, abrem automaticamente outra dúvida no outro ângulo. O que busco então? Respostas para as quais só vou encontrar mais perguntas?

AMOR À FRANCESA

Quando cheguei ao bar eles já lá estavam, foram-me apresentados por V. com quem tinha combinado ir beber qualquer coisa nessa noite. V. tinha-os conhecido momentos antes de eu chegar. N. e M. não eram tímidos e por isso rapidamente começámos a conversar. Mas M. não estava muito à vontade pelo simples facto de só saber falar francês e a conversa ter sido toda em Inglês, mas ele dizia perceber o contexto geral e ia sorrindo aos poucos ao longo da conversa. Pedi a N. que me contasse como se tinham eles conhecido – N. e M. namoravam há oito anos e estavam a tratar dos papeis para a união de facto. N. prontamente se propôs a contar a história enquanto V. dançava na pista e M. ficava a olhar para nós sem perceber do que se estava a falar.

- Conhecemo-nos no dia de apresentação ao exercito. Eu sou de Paris mas M. é do interior da costa norte. Não sei o que aconteceu mas ficámos logo amigos e não tardou a haver afecto na troca de olhares. M. é bissexual e nessa altura andava a namorar uma mulher. Depois desse dia eu safei-me da tropa mas M. foi recrutado, o que de certa forma era bom sinal pois ele viria para perto de mim... sim, porque eu apaixonei-me logo por ele.
- E quando é que se voltaram a ver?
- Bem, ele não pareceu muito interessado em mim, até porque tinha namorada na altura. Mas eu soube que ele ia a uma festa e por isso fiz questão de também ir. É claro que passei a noite à procura dele de um lado para outro. Parecia um doido. Afinal, eu só estava ali por causa dele e ele só chegou quase no final da noite. Mas o importante para mim foi que ele apareceu. Fui ter com ele para ver se ele ainda se lembrava de mim e quando demos por nós tínhamos trocado um beijo. Pensei que fosse apenas do calor do momento, até porque tanto eu como M. estávamos bem tocados pela bebida. Deve ter sido disso. Mas dias depois comecei a receber chamadas telefónicas dele e percebi que não tinha sido só um beijo bêbado. Começámos a encontrar-nos, ele terminou o namoro e começámos nós a namorar. Entretanto ele acabou a tropa e fomos morar juntos para a zona 3 de Paris. E passados oito anos aqui estamos nós de férias em Lisboa.

Queria ter-lhe feito mais algumas perguntas mas V. irrompeu a meio e puxou-me para dançar. E ali fiquei eu na pista, com a cabeça cheia de perguntas em relação ao amor.

FRONT OF por SÓNIA TAVARES

Stop breathing I'm trying to get some sleep. Stop breathing allow me to repeat. Keep breathing I guess it wont disturb. Keep breathing the road is getting long. Maybe I will find you in another place... Maybe I will find you with somebody else... Keep breathing life is hard to play. Keep breathing we haven't find the way. Stop breathing this game it makes no sense... stop breathing! Maybe I will find you in another place... Maybe I will find you with somebody else... The things that they said us. The things that we run off. Though we try to move over after all that we saw. The stage is clear, the view is soft but it's so cold, warm enough. The game is set, and too much players again and here we are, in front of them again. Keep breathing, I'm glad to see you back. Keep breathing I thought we would give up. Stop breathing their eyes will catch our soul. Stop breathing their ears will break our mind. Keep breathing and join the carrousel. Stop breathing pretend a pantomime. Keep breathing today we woke up blue. Stop breathing perhaps we lay down dark. Keep breathing I'm trying to get some sleep. Stop breathing allow me to repeat. Keep breathing and join the carrousel. Stop breathing! And dark, and blue, and again... Maybe I will find you in another place... Maybe I will find you with somebody else... Keep breathing I'm trying to get some sleep. Stop breathing allow me to repeat. Keep breathing this game it makes no sense. Stop breathing!

O QUE ACONTECE DEPOIS?

A questão é sempre o que acontece depois. Temos a nossa vida a correr normalmente, como sempre foi, na sua cadência natural e orgânica e, de um momento para o outro, dou por mim e decido que tenho de partir... seguir viagem. Aceito essa proposta e vou, deixo a nossa vida para trás, separados por um oceano. Quando dou por mim estou num mundo totalmente novo, onde tudo é diferente, um mundo que não era o meu, um mundo onde tive de me estabelecer, onde, por acaso, acabei por sentir-me em casa. Mas tudo isso implica mudar em relação à vida que estávamos habituados a ter. O café, onde íamos lanchar à tarde deixa de estar lá, assim como os empregados que já me conheciam e sabiam o que iria pedir. Informavam-me num tom triste que naquela tarde já tinham acabado os queques de chocolate – que só eles sabiam fazer – que tanto eram a minha perdição. Apercebi-me que tinha de encontrar um novo café para os meus lanches de fim de tarde. O que acontece, é que no momento em que regresso a esse mesmo café, a ligação que eu tinha com ele já não é a mesma. Os empregados mudaram e esses já não sabem o meu amor por aquele suculento queque de chocolate. E aquele empregado que ainda se mantém o mesmo agora olha-me como o forasteiro que voltou para pagar uma visita e isso faz com que me trate de uma forma diferente. Apercebo-me que ao voltar para o ponto de onde saí é o mesmo que voltar a um novo ponto de partida. O lugar não é o mesmo, pode ter a mesma cara, mas passado um ano o espírito evoluiu sem que eu estivesse cá para presenciar. Agora resta-me a mim voltar a adaptar-me de novo a tudo. Adaptar o novo eu aos novos eus que me rodeiam. E a questão é sempre... quando tomamos uma decisão de mudança o que acontece quando temos de voltar ao ponto de partida? O que vamos encontrar? Quem nos espera? Como nos esperam?

No tempo em que estamos fora as coisas mudam. E, se antigamente éramos actores principais, agora somos o actor que apareceu a meio da série e que ninguém sabe quem é, como é, e como vai influenciar a trama da história.

MONA LISA: ELA SORRI. SERÁ FELIZ?

Ainda me perguntam porque vejo os mesmos filmes vezes sem conta? Porque depois de os ver pela enésima vez ainda continuo a chorar no fim, a soluçar, a agarrar-me aos lenços de papel. Nada é o mesmo dez segundo depois. Passados dez segundos a nossa percepção das coisas muda. E um filme visto hoje é diferente do mesmo se o virmos no dia seguinte. E, mais uma vez, fui conquistado pelo seu sorriso, pelo entendimento de que o onírico existe algures enquanto real e, apesar do real não parecer promissor, eu acho-o belo. Como as bestas selvagens que se apresentaram no início do século XX rodeando a estátua de um inocente menino perfeito. Katherine era a besta que se preparava para mostrar à “perfeição” o que estava para além dela. Mas conseguia ela ver o que estava para além dela? Elas todas sorriam-lhe. Quem seria feliz?

Nem sempre estamos apto a entender o porquê das coisas e muitas são as perguntas que balançam nas nossas cabeças. Perdemos horas rotulando tudo e tudo tem de ter o seu devido rótulo. E só devidamente encaixado em algum padrão é que as coisas parecem fazer algum sentido. Mas às vezes temos de ver mais além. A questão é se o conseguimos? Apesar das boas intenções, nem sempre o que faço é o correcto, nem sempre consigo ver o que está lá, não aí, atrás do aí.

Muitas das vezes não percebemos o que significa a nossa passagem por certos lugares até termos ido embora. E quando vamos embora já é tarde, já não podemos fazer mais do que aquilo que fizemos. E é aí que nos apercebemos do que deixámos para trás, das lutas que travámos, dos obstáculos que atravessámos, das pessoas que conhecemos e sorrimos. Não tem a ver com ser poético ou dizer palavras bonitas, tem a ver com a vida como ela é: “It’s just life... so keep dancing through”.

O NEVOEIRO QUE ESCONDE LISBOA

“Se a voz da noite responder. Onde estou eu, onde está você? Estamos cá dentro de nós... sós”

Levo o carro a quarenta à hora, a marginal está completamente enevoada. Faz-se silêncio no carro... a Maria Bethânia já foi embora, estou só eu. A cada metro que avanço é uma descoberta, apesar de achar saber o que vai aparecer, o nevoeiro faz com que tudo se transforme numa grande incógnita. Sei o caminho que devo seguir, sei os atalhos que me levam mais rápido a casa, mas não vejo nada... nada! É por isso que vou a quarenta à hora. E se parecer que o faço de propósito não o é, simplesmente não consigo ver nada.

Preciso que o nevoeiro se dissipe, que revele as coisas à minha volta, que me mostre de novo a cidade de Lisboa tal como eu a conhecia, tal como eu a deixei. Mas sei que quando o nevoeiro levantar vou estar numa cidade estranha, numa cidade parecida àquela que em tempos chamei Lisboa. Até o nevoeiro desaparecer, sou só eu dentro de um carro a quarenta à hora. Não posso ir mais rápido que isto...

FOTO-MEMÓRIAS

‘Ele meteu a mão no bolso e encontrou uma fotografia. Era uma polaróide tirada uns dias antes. Olhou a foto e sorriu – ela estava linda! Aquela foto iria selar tudo o que tinham vivido naquela semana, naquele lugar estranho. Eles eram os estranhos estrangeiros. No sorriso dela estavam escondidas as conversas, os almoços, as noites sem dormir, as luzes daquela cidade... Mas estava reticente a levar aquela fotografia consigo para casa. O que iria dizer a sua mulher? Como iria ele explicar o facto de ter uma fotografia de uma rapariga vinte anos mais nova? Mas ele sabia haver memorias que não podia apagar. Eles tinham sido perfeitos um para o outro durante uma semana. Deveria ele guardar essas memórias só para si? Ou deveria partilhá-las com a sua mulher? Afinal, eles estavam perdidos na tradução...’

Deitado no sofá fico a pensar no filme e a recordar todas as coisas que já vivi e que tenderam a ficar só comigo. São vivências que simplesmente não posso fazer com que desapareçam e sei que outros preferem não saber. Onde fica o limiar entre as coisas que devemos guardar para nós das coisas que podemos partilhar? É egoísta aquele que não quer ouvir ou o que não quer falar? Mas há certas imagens que só nós continuaremos a entender.

NECESSIDADES

Mais uma vez sento-me em frente à televisão. Desta vez não trago comigo chocolates, pensei numa variante e decidi-me por um belo pote de gelado. Há momentos da nossa vida em que cometemos estas loucuras. Sempre me pergunto o que há de tão mítico nesta história dos gelados e chocolates mas, pelos vistos, encontrei o meu conforto alimentar para resolver outros males. Chocolates, gelados e as minhas quatro amigas nova-iorquinas. Estarei a ficar dominado pelo síndrome do solteiro?

É tudo uma questão de necessidades. Do que eu preciso, do que tu precisas... mas onde encontrar o espaço em que nos perguntamos: e do que precisamos nós? Isto, no caso de existir um “nós”. Talvez nunca chegaremos a saber quais são as nossas necessidades, afinal, a vida só acontece quando fazemos o que não estava nos planos. Que se lixem os dias cuidadosamente planeados, as festas que se apresentam, supostamente, “divertidas” – nunca nos vamos divertir nelas.

Se eu preciso de tempo para mim, então é porque preciso desse tempo e não de uma pressão a dizer-me que o tempo está a esgotar-se, que não há mais tempo. Talvez o tempo não exista para além do agora. O que será o tempo no momento em que não estivermos mais por aqui? Aí, dir-se-á que ele esgotou o seu tempo. Mas se eu preciso de tempo... outros precisam das palavras certas nos momentos certos. Existirão, realmente, os momentos certos? Ou estaremos perante mais um mito urbano, cinematográfico e literário? Andarei eu a dizer as coisas certas mas não nos momentos certos? Terei de responder às necessidades dos outros ao dizer-lhes aquilo que eles necessitam ouvir... ou, simplesmente, dizer aquilo que eu quero dizer, da forma que quero, sem qualquer tipo de convenções (do género: eu digo-te uma coisa bonita e tu respondes com outra).

A vida é uma grande ratoeira onde passamos o tempo a ficar presos. Será que ainda não aprendemos que um queijo numa tábua de madeira com arames é uma armadilha? Não! Entre duas pessoas as necessidades raramente são as mesmas. Se ele ao menos tivesse-me ouvido! Mas essa era a minha necessidade... não a dele...

OS BARCOS

O que é que é suposto acontecer na vida de uma pessoa? Porque é que tudo tem de ser resumido ao amor? Amor, amor, amor! Acho que estou a entrar num patamar de loucura... haverá um resposta para tudo? Ou passamos a vida à procura de uma resposta que simplesmente não está lá? Eu já nem peço que a vida venha com um manual... mas se ao menos tivesse um breve livro de instruções básicas!

Os Homens ditam as regras da vida. Bom, alguns Homens ditam... os outros tentam cumprir. E se essas regras não estiverem a funcionar connosco, o que fazemos? Saltamos para fora do barco e simplesmente deixamo-nos afogar? Ou tentamos fazer com que o barco mude de direcção? Uma das verdade que eu sei é que existe muita gente que desejaria ver o barco mudar de direcção, contudo, acomodaram-se demasiado ao barco para sequer fazerem o esforço. Como podemos viver acomodados ao barco? A questão é: estaremos a navegar no barco do amor ou no Titanic? E não há Jack que nos salve! – isso posso garantir... ele será o primeiro a afundar-se. Subitamente sinto os enjoos de andar de barco e dessa perspectiva o mar não parece tão bonito! Este torna-se o meu grande balde de vómito.

Prefiro pensar que tudo é mais como um grande amor à vida. Amar a vida é mais saudável.

WELCOME HOME

Abro a porta de casa às apalpadelas, não há luz no prédio, o que me demora um certo tempo. Quando entro deparo-me com o cenário que deixei, uma casa cheia de coisas espalhadas, outras por arrumar. É como andar pelos destroços de uma cidade aniquilada. Já só se podem encontras as memórias do que em tempos foi. Tento perceber o que ainda posso aproveitar. Passo pelos corpos mortos, alguns gravemente feridos, mas poucos são os que ainda vivem. Adorava ter uma placa a dizer “Welcome Home” mas nada mais vejo do que restos de coisas que em tempos foram alguma coisa. No estado em que estão já não fazem sentido. Agora, só servem para contar histórias do passado. Todas aquelas histórias que sei de cor e salteado ao ponto de poder fazer visitas guiadas que durariam dias infindos. Acabo por fazer essas visitas guiadas a mim mesmo, guiando-me pelo que, em tempos, foi a minha vida. E é engraçado analisar como uma vida pode ser encaixotadas, empilhada, transportada em malas de um lado para o outro. E tudo isso podemos deitar fora ao ponto de tornar escassos os pensamentos sobre ela. Mas a nossa memória não possui uma lixeira como os computadores, não podemos simplesmente mandar esvaziar – para o bem e para o mal – e acabamos por armazenar tudo nem que seja no buraco mais refundido e escuro fechado num cofre do qual deitamos a chave fora. Mas chega sempre o dia em que, por acaso, encontramos a chave e instintivamente abrimos esse cofre. E em vez de um “Welcome Home” temos um “Welcome to the things you don’t want to remember”. O que me pergunto é... será que nos queríamos efectivamente esquecer? Ou... que mal tem em lembrar? E só quando abro todos os cofres por completo é que me apercebo que à minha porta tenho um “Welcome Home”.

QUATRO MULHERES E UM SORRISO

Chego ao mundo novo mas visto ao contrário. Olho à minha volta e sou o estranho da minha própria cidade, da minha ex-realidade. Tudo ficou para trás apesar das memórias que guardo desses tempos. É bom estar de volta? É bom estar de volta!... mas nunca com um ponto final. A casa fechada parece ainda o estar, como se tudo tivesse coberto de pó e lençóis brancos. O branco fere-me a vista. Agora é começar a destapar e descobrir as surpresas, apanhar alguns sustos, gritar quando vir alguma aranha – nunca fui muito amigo delas. As aranhas, mesmo as mais pequenas, parecem-me sempre bichos nojentos. Mas não tenho aracnofobia, só mesmo um desconforto profundo. Já dormi algumas noites na minha antiga cama, mas sinto-me desconfortável, falta-me a rede. Ora bolas... será que já não sei dormir numa cama?

Saio à rua. Digo bom dia, não porque sou simpático, mas porque me está na alma sorrir e dizer bom dia. Abro a minha boca toda, mostrando a dentição e as gengivas, devido ao freio ter-se partido quando era criança, no mesmo dia em que rasguei a língua. As pessoas não reagem muito bem a bons dias de sorriso na cara. Talvez sejam os meus dentes que assustam as pessoas. Mas elas já estão assustadas por natureza.

Já na faculdade, para tratar da papelada toda, sou recebido de mau humor pela guarda dentro da secretaria.

- O que é que faz aqui dentro? – a pergunta começou logo por ser estúpida dado o facto da porta estar aberta e das pessoas estarem a ser atendidas – ou você acha que nós não temos direito à hora de almoço. Já não atendemos mais ninguém... pode sair – sempre num tom de imposição para mostrar quem é que ali veste as calças.
- Um bom dia para si também e já agora... podia ter dito tudo isso mas de forma educada e simpática.
- Eu não sou paga para ser simpática!
- Então é paga para ser o quê? Estúpida!

Não gosto nada de reagir assim, mas estas coisas irritam-me! Eu que estou fora há um ano, eu que não sei o horário de almoço da secretaria, eu que nem sequer uso relógio. Eu que entrei, sorri e disse bom dia com toda a boa vontade que me ia na alma. Mais tarde, volto lá para tratar das papeladas e lá está ela a sorrir, com a boca toda, para qualquer pessoa que entrasse de cargo superior a ela. “Estou mesmo de regresso ao meu país”. O resto do dia ando por Lisboa a tratar de burocracias e papeladas de quem esteve fora um ano e quer retomar a vida e nada melhor do que ir à loja do cidadão das Laranjeiras renovar o B.I. Tiro as fotografias com a mulher que está toda divertida a fazer com que as pessoas fiquem bonitas e sorridentes nas fotos – eu só fico bem na segunda tentativa, mas estas modernices de hoje em dia já nos permitem tirar várias fotos e escolher a melhor para ser reproduzida – depois a prestabilidade da mulher das informações que não se cansa de repetir aos atrasados que vinham em busca dos selos do carro “É ao fundo do corredor à direita mas já não estão a distribuir mais senhas por excesso de pessoas, já estão quinhentas na lista de espera para hoje” e sempre de sorriso na cara. Depois a mulher que trata dos meus papeis para o B.I. que se mostra, toda contente, a nova máquina que lhe tinham arranjado para cortas fotografias em um só corte e de sorriso na cara diz-me “Isto agora é muito mais rápido. É só posicionar a foto no melhor enquadramento e clique. Agora vamos à impressão digital” e não se cansa de sorrir como se eu fosse o primeiro cliente que lhe estivesse a aparecer à frente naquele dia. Tudo isto faz-me relaxar... cheguei ao meu país mas ainda há esperança. Basta só seguir as instruções: Sorria do fundo da alma, não mostre só um pouco dos dentes, mostre todos!

SEGUNDA PARTE




FIM DA PRIMEIRA PARTE
"MUITOS MARLBOROS E 14 VIAGENS DE AVIÃO"

PERCORRI O MEU CAMINHO...

Parou, voltou a olhar para trás mais uma vez, eles continuavam lá, todos eles. "Se ao menos tivesse a máquina fotográfica à mão", pensou. Mas aquela imagem ficaria eternamente na sua memória e não seria a falta de uma fotografia que a iria apagar. Sorriu juntamente com as lágrimas que lhe escorriam no rosto. Mostrou o passaporte e o bilhete de avião, fez a curva e deixou de os ver... e caminhou até ao portão C...

And now, the end is here
And so I face the final curtain
My friend, I'll say it clear
I'll state my case, of which I'm certain
I've lived a life that's full
I traveled each and ev'ry highway
And more, much more than this, I did it my way

Regrets, I've had a few
But then again, too few to mention
I did what I had to do and saw it through without exemption
I planned each charted course, each careful step along the byway
And more, much more than this, I did it my way

Yes, there were times, I'm sure you knew
When I bit off more than I could chew
But through it all, when there was doubt
I ate it up and spit it out
I faced it all and I stood tall and did it my way

I've loved, I've laughed and cried
I've had my fill, my share of losing
And now, as tears subside, I find it all so amusing
To think I did all that
And may I say, not in a shy way,
"Oh, no, oh, no, not me, I did it my way"

For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has naught
To say the things he truly feels and not the words of one who kneels
The record shows I took the blows and did it my way!

(Sentou-se no seu lugar no avião e esperou que este o levasse de volta...)

Yes, it was my way

HÁ DIAS...

Podes ficar doente a vida inteira. Aliás, tens tantos dias para ficar doente. Mas ficas sempre doente naqueles dias em que não precisavas, em que não querias, em que não podias, em que era desnecessário. Talvez sejamos nós que nos adoecemos a nós mesmos. Talvez seja esta vontade de não ir embora que me tenha feito pegar esta gripe de última hora. Uma gripe que me diz para ficar na cama, para não sair de casa, para não sair do pais. Fica! – grita a gripe desesperada. “Há dias em que não cabes na pele com que andas”.

E como se não bastasse a gripe, começam os problemas das compras de última hora, para as quais não tenho a mínima paciência, muito menos gripado, as malas por fazer... será que cabe tudo? O que vou deixar para trás! E pergunto-me sempre com o que irão implicar as mulheres do aeroporto, sim, porque a mim calham-me sempre mulheres e nunca as simpáticas. Passo o dia a morrer de calor e a suar por todos os poros, confundo os suores frios com os suores naturais desta temperatura. Corro de um lado para o outro para ver se o meu corpo anima, canto, cantar é bom, revitaliza a alma. O meu nariz parece uma torneira. A voz sai nasalada, ainda bem que canto só para mim! Passo o dia a beber água e sucos e ora tenho fome ora não tenho. E falta cá a mãe para os tempos de doença... ela sabe sempre o que fazer. “Há dias em que não cabes na pele com que andas”.

Começo a pensar em tudo ao mesmo tempo e acabo por não pensar em nada. Tento não fumar para ver se isto melhora. Mas sempre que o nariz se mostra mais limpinho e a garganta afinada lá vai mais um cigarro. Olho a água da beira mar e canto para mim:

É mar, é sol, é o fim do caminho
Perdido neste olhar, fico um pouco sozinho
Foram horas de riso, horas de prazer
Conversas, histórias, para não esquecer
Goiaba, graviola, abacaxi, açaí
Uma água de coco, p’ra beber por aí

Vivi de tudo um pouco, e de tudo aprendi
Alegria, dor, sempre cantando feliz
Faz um vento ventado na beira-mar
Sempre vozes gritando: você quer comprar!
É a chuva chovendo, numa noite estrelada
Relembro as memórias da vida passada

Café, cigarro, uma mesa, um bar
É conversa que vem, é conversa que vai
É amor, é paixão, é saudade e então?
Vai ficar mais um marco no meu coração!

*ao som de "Águas de Março"

A BOLA DE NEVE

Sempre fui um bom ouvinte. Tem dias que estou sem cabeça e mesmo assim ouço. As pessoas precisam de falar, mesmo aquilo que sabem que ninguém quer ouvir. Também sou um bom falador, não nego, mas com o tempo fui levado a medir mais as palavras. Diziam que eu era sincero demais ao ponto de ser incomodativo e por vezes grosseiro. Sim, posso dizer que cheguei a ser mesmo muito grosseiro. Não pensava na diferença entre dizer uma verdade e um magoar. Achava que os outros quando me pediam opiniões queriam a minha sinceridade. E eu cheguei a ser cruelmente sincero (as vezes ainda sou, para aqueles que mais amo, não me perguntem porquê). E nas voltas da vida dei por mim, muitas vezes, calado. Queria dizer o que achava e acabava por pensar: “É melhor não, pensa bem antes de falares”. E de tanto racionalizar as minhas palavras fui perdendo a capacidade de dizer o que realmente pensava. Cheguei mesmo a ter momentos em que queria falar e a voz simplesmente não saia, travava, engolia em seco e acabava por odiar-me por dentro. Odiava-me por pensar que em tempos teria dito sem qualquer hesitação. Passei por um período do oito ao oitenta.

Hoje em dia já não sinto ódio, voltei a conseguir falar de forma mais fluida mas com uma maior consciência natural. Acima de tudo aprendi a não me enganar a mim mesmo. A verdade de um pensamento começa quando não o aldrabamos para nós mesmos. Mas a verdade, inevitavelmente, magoa. E nós somos os primeiros a ser atingidos por ela. E, em segundo plano, somos atingidos ao ser verdadeiros com o próximo (As pessoas precisam de falar, mesmo aquilo que sabem que ninguém quer ouvir), porque queremos dizer o que pensamos, o que sentimos e ao mesmo tempo temos medo. Medo das suas reacções, medo de os magoar, medo de nos magoar. Quantas vezes já não pensei e não passei pela velha crise de: “Eles não entendem o que quero dizer, não me percebem, deturpam o que eu sinto ao olhos do que eles sentem.” E aprendi que nada podemos fazer contra isso. Porque a forma como vemos as coisas far-nos-á sempre mais sentido. Sentido, porque é como sentimos. Sentido, porque é como aprendemos a experienciar. Sentido, porque são os nossos olhos agarrados à nossa consciência.

Apercebi-me, por ouvir várias pessoas, de diferentes idades, diferentes géneros e diferentes estares na vida, que existe uma global tristeza do não entendimento. Cada vez mais tem-se medo de ser. Cada vez mais tem-se medo de sentir. Cada vez mais tem-se medo de errar. E quando se erra as pessoas conseguem ser muito cruéis umas para as outras. Se eu contasse os desabafos que tenho ouvido de pessoas que nunca ninguém imaginou sentirem-se assim, perceber-se-ia o estado grave da situação. As cabeças cheias de regras, de sonhos americanos, de filmes românticos, nem param para pensar no que realmente sentem. Simplesmente desejam viver aquelas histórias, desejam alcançar aquilo que lhes é vendido como o perfeito, o que trará a felicidade. Mas quando efectivamente param para pensar no que realmente sentem... assustam-se. E começam as depressões, as idas ao psicólogo, os maus humores, as caras deixam de sorrir, os corações deixam de brilhar e pensam: “Se ao menos eu conseguísse viver um pouco daquelas histórias...” e entram no processo de loucura de manicómio. E quando se olha à volta estão todos doidos em busca de uma mesma coisa que não existe... e que, quando existe é por breves instantes, como nicotina injectada, como uma droga de efeito rápido. E as pessoas sentem que tiveram um pouco daquilo e querem mais. E ao invés de serem felizes numa equação (mais ou menos) constante, deixam-se cair na infelicidade pontuada por momentos em que se drogam um pouco mais dessa felicidade relâmpago.

Depois de ler os livros do Saramago, referentes aos caóticos mundos cegos, lúcidos e eternos, tentei imaginar um mundo onde só fosse possível agir-se sendo realmente verdadeiro consigo mesmo. E esse mundo virou caótico também pela não capacidade que o Homem tem de aceitar e conviver com aquilo que lhe é diferente. E eu não sou excepção. Muitas vezes não consigo aceitar certas coisas. E quando digo que não consigo aceitar, digo mesmo no sentido de não conseguir tolerar, de me dar raiva, de me meter nojo. (Existem casos e casos. Não estou aqui a falar que seja aceitável um Homem matar outro Homem, um homem maltratar uma mulher, alguém que bate noutra pessoa por puro prazer, disso devíamos todos ter nojo, mas não falo dessas coisas, esse seria um outro assunto, um outro texto). Todos acabamos por ser, mesmo que em pequenas coisas, preconceituosos, racistas, xenófobos. Mas como podemos amar e aceitar o próximo sem que nos amemos e aceitemos a nós? E como fica perceptível, tudo não passa de uma gigante bola de neve, um ciclo vicioso. Pergunto-me quando virá o dia em que saberemos conviver com a ideia de que a nossa verdade nem sempre é a verdade do outro, que o nosso certo e errado não é o certo e o errado do outro, que podemos conviver com isso, lidar com isso, encarar isso. É claro que vão dizer que sim, que sabem conviver com essas diferenças se não estariam sozinhos. Mas é fácil conviver com as “pequenas diferenças” das pessoas que nos fazemos rodear. O difícil é conviver com “as grandes diferenças” daqueles que cruzam por nós no dia-a-dia. E é natural que nos afastemos daqueles que pouco têm a ver connosco. Mas uma coisa é não conviver no nosso circulo pessoal, outra coisa é desprezar, odiar, ridicularizar tudo aquilo que soa a diferente demais do que é a nossa linha de pensamento. E aí sim, e sem que nos apercebamos, vamos estar a ser cruéis, vamos pôr muitas cabeças em duvida daquilo que sentem, porque nem toda a gente tem força para manter um credo, para afirmar-se. E acabam por se calar, por guardar para si medos, duvidas, rancores à vida, inseguranças até que explodem. Se ao menos elas pudessem expressar aquilo que sentem...

O que escrevi deixa-me a pensar que tenho de começar a olhar mais pelos outros, que tenho ainda muito trabalho a fazer em mim, na minha cabeça, na minha forma de pensar e de ver as coisas e que ainda tenho muito que aprender. Olho para cima e vejo que topo da montanha está alto, mas se nunca começar a subir ele estará sempre alto e eu no mesmo lugar.

*

Vou repassar a aqui a letra do Hey You. Acho que se queremos mudar o mundo, pensando nas questões ambientais, como foi o propósito do Live Earth, das questões da Guerra, como foi o Live Eight, das questões da pobreza, como foi o Live Aid, temos de começar mesmo por mudar a forma como nos olhamos e olhamos o próximo (o melhor ensinamento que aprendi nos meus tempos de igreja, e que me dei mal na vida sempre que o desrespeitei). A letra do Hey you é realmente impressionante por toda a sua mensagem, por ser mais do que uma simples letra a dizer “vamos salvar o planeta”.

“Hey you, don't you give up, it's not so bad, there's still a chance for us. Hey you, just be yourself, don't be so shy, there's reasons why it's hard. Keep it together, you'll make it alright. Our celebration is going on tonight. Poets and prophets will envy what we do. This could be good, hey you! Hey you, open your heart, it's not so strange, you've got to change this time. Hey you, remember this, none of it's real including the way you feel. Keep it together, we'll make it alright. Our celebration is going on tonight. Poets and prophets will envy what we do this could be good, hey you. Save your soul, little sister. Save your soul, little brother. Hey you, save yourself, don't rely on anyone else. First love yourself, then you can love someone else. If you can change someone else, then you have saved someone else. But you must first love yourself, then you can love someone else. If you can change someone else, then you have saved someone else. Hey you, there on the fence, you've got a choice one day it will make sense. Hey you, first love yourself, or if you can't, try to love someone else. But you must first love yourself, then you can love someone else”

Madonna, Hey You, Live Earth

SE ELA CANTA EU CANTO

Fico pasmado a olhar para ela, a contemplar o seu sorriso enquanto canta para mim. Na verdade ela não canta para mim, nem sabe quem eu sou, mas eu gosto de acreditar que sim, que é para os meus olhos que ela olha enquanto actua, enquanto procura conforto na plateia, não que ela precise desse conforto. E ali estou, simplesmente fascinado pela sua voz, pela sua presença, pela sua essência. Desejo subir ao palco e juntar-me a ela, mas esse não é o meu lugar, talvez um dia seja. E o palco aí será só nosso, e perder-nos-emos de todos e tudo o resto deixará de fazer sentido. Estaremos embrenhados nas nossas próprias emoções. Mas primeiro tenho de aprender a cantar.

Lista de afazeres:
1. Aulas de canto

AINDA NÃO!

Tenho de me sentar e escrever...

Os dias, ao mesmo tempo que parecem intermináveis, são tão curtos quanto o tempo de inspirar e expirar. No decorrer do seu tempo giro na roda das emoções, altos e baixos, constantes e inconstantes sensações, perturbações, impressões, comoções. Tem horas em que as lágrimas querem sentir-se bem vidas aos meus olhos, mas não as deixo passar na porta. Mantenho-as trancadas, veladas em mim mesmo, pois só eu saberei o que elas querem dizer.

Saio à rua todo o dia, várias vezes ao dia, preciso de sentir o sol a variadas horas. As brisas também mudam consoante a melodia que escuto nas minhas caminhadas. Tento não escutar aquelas musicas, aquelas! Mas acabo por trautear um verso e já não consigo impedir. As letras escorrem-me no cérebro, as palavras amargas, saudosas, reconfortantes, desconfortantes.

Começo a despedir-me de algumas pessoas. Já não as vou ver mais! E nunca essa ideia me assustou tanto como agora. Já me despedi de muita gente que não ia ver mais, já disse muitos adeus, mas este é um adeus oceânico, um adeus pesaroso, um adeus longo e distante. E mais uma vez ainda não chorei. Para dizer a verdade os meus olhos não sabem o que é uma lágrima há bastante tempo. A fonte secou. E isso não quer dizer que não tenha motivos para chorar. É fisiológico!

Comecei a viver aquilo a que chamo de os últimos dias. O último domingo, a última segunda-feira, a última terça-feira... e não me apetece viver como se fossem os últimos dias. Quero vivê-los como se aqui fosse ficar. Pois os outros não entendem o que é voltar a deixar tudo. E a melhor forma de não sentir esse nó estomacal é esquecer que são os últimos, é viver como se no próximo domingo, na próxima segunda ainda aqui estivesse. É viver como todos aqueles que me rodeiem vivem o seu dia-a-dia. Ninguém precisa de deixar nada para viver os meus últimos dias. É mais saudável, mais natural, menos pesaroso. Assim sempre dá a ideia de que não vai acabar.

A LOIRA E O PORTUGUÊS in HELL CITY

- O meu pai enganava-me quando eu era criança. Ele fez-me acreditar que dentro das caixas multibanco trabalhavam anões a contar o dinheiro que nós pedíamos.
- Seu pai era muito engraçado! Giro, muito giro... cá cá cá cá *

Mais tarde... (troca de turno)

- Porque é que não tá a dar?

*Como os brasileiros riem e giro foi a palavra que eu lhes ensinei...

A LOIRA E O PORTUGUÊS in HELL CITY

- Manda parar!
- É p'ra parar
- Esse não! Não vês que vai muito cheio? Manda parar outro...

A LOIRA E O PORTUGUÊS in HELL CITY

- Desculpe, mas não pode entrar de bermudas.
- Você tem noção do puta calor que 'tá na rua senhora-eu-passo-o-dia-no-ventilador?

(O que vale é que saíste rápido da entrevista. Esta gente não entende nada de moda!)



A ESCALADA

Olha para cima e tenta perceber qual é o melhor caminho para escalar a parede. “Se eu começar pela esquerda e a meio mudar-me para a direita pode ser que consiga chegar até àquela pedra”, pensou. Fixou as mãos, colocou o primeiro pé e deu início à subida. No início tudo pareceu fácil, até que a parede começou a inclinar. E este foi só o primeiro obstáculo. Mas lá resolveu o problema e continuou a subir. Mais à frente as pedras começaram a ficar mais pequenas e os apoios mais escassos. “É agora que tenho de mudar-me para a direita”, pensou. Lentamente foi trocando a sua posição. Conseguiu novamente um lugar seguro, desta vez à esquerda. Olhou para cima e viu que a parede era paralela ao chão... e agora? “Como vou fazer para subir até à parte em que a parede fica de novo vertical?”, pensou. Deixou ali ficar-se um pouco naquele lugar seguro, estudando as possibilidades e dando algum descanso aos seus músculos, ia precisar deles. “Ok. Agora só preciso alcançar a pedra amarela com a mão direita e a cinzenta com a esquerda.” Lá em baixo gritavam para ele subir os pés. “Como é que eu subo os pés?”, pensou. Com algum esforço lá se agarrou à pedra amarela, depois à cinzenta e o seu corpo estava paralelo ao chão, já conseguia ver a parede vertical. Agora é só usar os braços. Alcançou uma pedra dessa parede vertical, mais outra... e estava pendurado. “Agora é força de braços. Vai... eleva-te”, pensou. Começou a fazer força para subir e sentiu as mãos escorregar. “Tu aguentas! É só mais um pouco...”, pensava... e as mãos lentamente começaram a afrouxar e a afrouxar e quando deu por si estava de novo no chão.

Olhou para cima e pensou, “Eu vou conseguir escalar-te, um dia... nada é impossível”.

QUINZE DIAS

Em Portugal estamos a chegar ao Verão. As pessoas começam a pensar em ir de férias, muitas viagens já estão marcadas, muitos até já regressaram. Os períodos variam, mas as pessoas só querem libertar-se um pouco da sua realidade e conhecer outras paragens. Quinze dias. Esse é o tempo que as pessoas precisam para recarregar as baterias. Quinze belos dias passados numa praia, a visitar uma ou várias cidades, ou mesmo vividos na própria cidade tendo mais tempo para fazerem as coisas de que mais gostam. E a esses são chamados os bem ditos quinze dias do ano.

E a mim, que só me faltam quinze dias para partir. Quinze dias que vão parecer um inferno, que vão passar em quinze segundos. Que vai parecer que é já amanhã. Quinze dias para as despedidas, para as últimas visitas, para os últimos olhares. Quinze dias em que vou estar a acabar projectos da faculdade, em que vou estar a organizar as malas, em que me vou preparar para dizer adeus. Nunca pensei que este dia chegasse tão rápido. Parece quase como uma data de entrega... se ao menos tivesse mais um dia! Mas iria estar a pedir sempre esse dia a mais cada vez que chegasse ao novo prazo. Quinze dias e já cá não estou. Quinze dias é o prazo. Um prazo sem possível adiamento. Um prazo que vai deixar muitas saudades...

MARTE

De todos os planetas, Marte sempre foi o que mais me fascinou. Talvez pela sua cor, talvez por estar mais perto, talvez porque o possa ver às vezes quando olho para o céu. E mesmo que não o veja eu sei que ele está lá. Sei que existe pendurado no universo, a boiar junto com os outros planetas. Mas os outros não me fascinam tanto como Marte. Pergunto se será possível, um dia, aterrar lá, pisar Marte e fazer parte de Marte.

Não me interessa o que os outros dizem, mas eu vou a Marte. E esta não foi uma decisão. O destino é esse, sempre o foi. E não posso fugir das coisas a que estou destinados. E eu fui destinado a Marte. Será que vou conseguir sobreviver quando lá chegar? Ou simplesmente ficarei com falta de ar e no seu solo morrerei. Não sei como vai ser, mas eu vou a Marte.

CONVERSAS ENTRE A VIDA E A MORTE III

- Ainda não desististe?
- E tu vens sempre não vens?
- Sabes que sim... enquanto precisares de mim.
- Ai meu avô, e agora?
- Estás a perguntar-me a mim? Eu só percebo dos mortos, os vivos já são uma recordação do passado. Mas porque suspiras tanto?
- A vida também te foi difícil?
- Nem imaginas tu o quanto. Mas os tempos eram outros. Como anda a tua avó?
- Está bem. No outro dia pude vê-la a sorrir. Pareceu-me tão bem disposta. Queria tanto abraçá-la mas os computadores ainda não nos permitem fazer isso.
- Ai essas tecnologias... Mas deixa-me dizer-te uma coisa. Dificuldades terás sempre na vida. A todo o momento vais deparar-te com provas, com questões, com dilemas e para todos eles vais ter de começar por respirar fundo. Vais sentir o coração acelerar, mas não te preocupes, é normal. Depois fechas os olhos e tentas perceber o que realmente pensas, como realmente te sentes. Acima de tudo tens de ser verdadeiro contigo mesmo.
- E se eu não achar a verdade meu avô?
- Procura mais fundo, cava mais um pouco. Afinal se tu és tu hás de saber de ti. Ou não?
- Acho que sim. Mas também existe uma coisa chamada a confusão da mente.
- Relaxa. Se não te entenderes já, entender-te-ás daqui a uns tempos. Não podes ser apressado. As coisas têm o seu tempo, tens de aprender a esperar, a ouvir, a sentir.
- E se eu não tiver esse tempo?
- Se não tiveres esse tempo então é porque não era necessário descobrires essa verdade, é porque andavas a procurar a verdade errada. Mas não desanimes, vais encontrar um caminho, agora não te garanto que seja fácil percorrê-lo.

A brisa tocou-lhe a cara, sentiu o vento rodar no seu corpo e despediu-se do seu avô.

- Até mais avozinho!

HÁ DECISÕES QUE PODEM ARRUINAR TODA UMA VIDA

Há um ano atrás uma cigana disse-lhe que haviam decisões que lhe iriam arruinar toda uma vida. Se ele lhe tivesse dado ouvidos...

ERA A MÃE DELE

Encontrei-te na faculdade. Falámos do coração, de algumas banalidades e da morte da mãe dele. E mais tarde comecei a lembrar-me de me ter cruzado com ele por aí e não ter notado diferença alguma no seu comportamento. Será que ele está a reagir bem ou simplesmente não está a reagir? Eu nem consigo pensar na ideia de a minha mãe morrer – bato três vezes na madeira. Eu sei que os tempos modernos estão cada vez mais acelerados, mais centrados num seguir em frente, mas era a mãe dele! Estará a morte a tornar-se numa coisa tão impessoal? Eu sei que ficaste chocada com toda essa história que soubeste apenas uma semana depois porque nem reparaste que algo de mal se passava. Acho que estamos todos é a ficar doidos. Talvez andem a injectar algum produto químico no mundo que nos anda a alterar as cabeças. Será que as pessoas estão cada vez mais a deixar de pensar nas coisas, a deixar de dar importância às coisas. Ou talvez sejamos nós que pensamos demasiado nas coisas. Eu penso demasiado nas coisas e sei que tu também. Talvez o problema seja mesmo nosso... um compendio emocional cheio de racionalidade embutida. Eu sei que fizemos muitos erros no passado mas é com eles que temos aprendido... mas alguns são difíceis de esquecer e até mesmo de nos perdoarmos a nós mesmos. Talvez ele um dia ele se dê ao luxo de exprimir aquilo que sente, pois não é possível não sentir... o difícil é expressar. Eu sempre te disse que não era bom fechares-te a sete chaves, que não era bom sofreres sozinha, mas sou eu quem continua a cair no mesmo erro. Apontar o dedo? Se eu pequei como atirarei a primeira pedra? Mas porra... era a mãe dele!

A DESPEDIDA É UMA TÃO DOCE TRISTEZA

Não sabia que o vento já cruzava para esses lados. Talvez tenha-se encantado pela beleza das aves; talvez pela beleza das ondas; talvez pela simplicidade dos raios de luz. Inventou um mundo e nele foi vivendo cuidando que todos viviam nele. Mas estava a enganar-se a si mesmo. No seu mundo vivia apenas ele, no mundo dos outros viviam apenas os outros, e no mundo dele vivia apenas ele. E depois existia aquele mundo paralelo onde todos viviam juntos. Onde todos julgamos olhar para as mesmas coisas, mas a percepção que cada um tem de cada coisa é única, distinta e pessoal. Cada um vê o que quer ver, retira as informações que quer retirar e chega às conclusões que bem entender. E, afinal, é essa a beleza que faz o mundo girar – as contradições dos olhares, a relação especial que cada um tem pelas coisas. A cacofonia dos sons, os alertas inesperados, os acontecimentos casuais, os ordinários, os extraordinários. Talvez um dia cruzem-se no meio da rua e seja como a primeira vez, talvez nunca mais se encontrem. Talvez o oceano o engula e ele vire um peixe das profundezas. Talvez as aves migrem com o vento que mudou.

Depois existem as mudanças. Todos mudam e eles mudaram. O curso fez com que assim fosse. Era inevitável. Mesmo que não quisessem isso iria acontecer naturalmente. Eles já não são os mesmos, são mais do que os mesmos, são actualizações desses mesmos... e como iriam lidar com isso? Como seria lidar com aquilo que antes não estava lá e agora já faz parte? Mas não, eles não estavam perdidos, sabiam muito bem como se encontrarem. A música que ouviam ainda era a mesma. E as notas ainda saíam dos mesmos lugares. Mas a forma como as ouviam já não eram as mesmas. E cada um foi pintando a vida com outras cores. Será que as cores ainda iriam combinar? Talvez... com um pouco de imaginação. Aliás, como para tudo na vida é preciso um pouco de imaginação.

Naquele lado o brilho da vida era diferente. Habituara-se demasiado àquilo... não ia ser fácil, mas não tinha outro remédio. A despedida é uma tão doce tristeza. E a brisa que corria era tão agradável com todos os cheiros que ela trazia, ia sentir saudades de ser um habitante das terras da luz. Mas sabia que de uma maneira ou outra iria sobreviver. Afinal levava o sol dentro de si e um sorriso no rosto.

* A todos os brasileiros que encheram o meu coração de luz

I'M DANCING AND SINGING IN THE RAIN

Caminhou até à paragem do autocarro. Já eram horas das crianças estarem na cama mas ele ainda andava pelas ruas. Imaginou os pais a deitarem os seus filhos – e ele que não podia ter filhos; mas mesmo assim continuou a andar com um sorriso na cara. Sem se aperceber começou a assobiar e logo de seguida começou a sapatear pela rua fora. Só faltava mesmo a chuva. As pessoas que passavam por si deviam achar que estava louco, mas ele não se importava. O que lhe importava era o facto de não estar a chover e de não existirem candeeiros antigos. E lá ia ele, rua fora até à paragem dançando e cantando sem se preocupar com o mundo à sua volta – na verdade era assim mesmo que ele via o mundo: as pessoas a dançar e a cantar. Chegou à paragem e ainda ficou a bater os pés, mas agora em movimentos mais pequenos.

Durante a viagem imaginou que toda a gente o acompanhava, que toda a gente cantava com grandes sorrisos nos rostos e com grande alegria na alma. Mas na verdade ia tudo quieto, a pensar nas coisas da vida, um rapaz mais à frente ia lendo um livro de poesia, uma senhora ouvia música e um rapazinho ia muito concentrado nos ritmos que fazia com as mãos. Quando se aproximou da paragem ao pé da sua casa levantou-se e puxou o cordel. Caminhou até à porta, inspirou e soltou com um grande sorriso para o motorista – Tenha uma boa noite – e quando desceu as escadas já ia novamente a dançar e a cantar:

- I'm singing in the rain. Just singing in the rain. What a glorious feeling I'm happy again. I'm laughing at clouds so dark up above. The sun's in my heart and I'm ready for love. Let the stormy clouds chase. Everyone from the place come on with the rain. I've a smile on my face. I'll walk down the lane with a happy refrain. Singing, singing in the rain.

Aquela música sempre lhe trouxe boas recordações, ou pelo menos havia construído boas memorias com ela. Mas sem dúvida que aquela música pertencia à Avenida dos Combatentes... com os candeeiros amarelos, os velhos a passear os cães, uma casa colorida, uma amiga e um amor... Estava na porta do seu prédio. Olhou para a rua, mas estava deserta e os candeeiros não eram os mesmo. Suspirou e murmurou baixinho – I’m dancing and singing in the rain – e um ligeiro sorriso abriu no seu rosto.

PRIMEIRO ENCONTRO

Foi há uns anos atrás. Buscávamos alguma coisa? Acho que não. Nós nem gostámos muito um do outro. Ou será que gostamos e não queremos admitir? Não, não gostamos! Tu tinhas ar de pedante e eu de snob. A tua altivez tirava-me do sério. Era de noite e eu tinha acabado de chorar minutos antes, tinha os olhos vermelhos e uma expressão carregada. Caminhaste mais à frente que todos os outros e eu fiquei a admirar a tua figura. Mas nessa noite não era eu que estava apaixonado por ti, era o meu amigo. Ele é que queria que fosses dele. Mas tu não o querias, como nunca quiseste. E isso para ele foi uma facada no peito – mas na semana seguinte já não era por ti que ele estava apaixonado, e na outra semana já era outro e outro. Ele buscava viver o grande amor que todos procuram e nós nem estávamos aí. Nós só queríamos saber de viver mais um dia, de nos divertirmos com as pessoas que nos rodeiam. Tudo o que não queríamos era um relacionamento. Queríamos paz. Cada qual trazia consigo as mágoas do passado e estávamos em período de luto. Irritou-me o facto de não me teres dado atenção e por isso, quando chegámos ao café, sentei-me do teu lado. Tinha de fazer com que reparasses em mim nem que fosse para elevares o meu ego. Mas acho que tiveste a mesma ideia e também te quiseste sentar ao meu lado. Ali estávamos, duas crianças a disputarem a atenção. Nessa altura eu tinha deixado de fumar mas usava uma pulseira da Marlboro que o meu irmão tinha-me dado e foi a partir daí que a conversa começou. Ainda levaste na cabeça por fumares... o que foi ridículo porque mais tarde eu voltara a ser uma chaminé de novo. Eu estava cheio de teorias, ideias e ideias todos trocados e desorganizados, os quais defendia cegamente a pés juntos. Afinal eu era uma criança parva e snob. O meu amigo bem que tentava entrar na conversa mas a nossa conversa não era uma conversa, era uma disputa. Mas essa forma de sermos um com o outro foi o que nos destacou do resto das pessoas. E ao longo dessa noite o sentimento de ódio e desprezo transformava-se em carinho. As pessoas à nossa volta começavam a ser uma mancha esbatida, fosca, embaçada. Não sei se era de sermos muitos à volta de uma mesa pequena mas as nossas pernas insistiam em não se largarem. Ali estavam, colada, passando energia de um corpo para o outro. E quando descemos a rua já não caminhamos afastados mas lado a lado...