A CANÇÃO DO COMBOIO *

Estação do Rossio. Todo o meu dinheiro vai-se em bebidas. Não paro de gastar aquilo que não tenho e aquilo que tenho foi-me emprestado por outros. Perco em todas as apostas que faço e as noites ficam escura como as penas de um corvo. Foi num comboio que resolvi partir. Mas os comboios nunca nos trazem a casa. A garrafa dos sonhos também fica vazia, assim como as garrafas de bebidas e os sinos nunca mais tocam. Na plataforma reina o silêncio enquanto o comboio parte e me leva para longe daqui sem nada para mostrar ou contar. Bem, foi o comboio que me tirou daqui e os comboios não nos trazem a casa. Lembro-me de quando parti, sem a mínima preocupação com as malas, levava apenas aquilo que tinha sobre o corpo. Agora arrependo-me de o ter feito dessa maneira e sou eu por mim numa outra estação. Foi nesse comboio que vim para cá, num comboio que não me trouxe para casa.

*Adaptação e tradução livre a Train Song de Tom Waits.

4 comentários:

Anónimo disse...

Talvez tenha apanhado o comboio errado. Às vezes n é assim tão complicado. Basta tentar apanhar o comboio certo que te traz a casa.

Pedro Eleutério disse...

Obrigado Maria por ter visitado o meu blog e comentado os meus textos. Os textos que aqui escrevo são como ensaios de escrita onde se cruza a ficção com a realidade, onde tento abordar os vários assuntos que me passam pela cabeça. Nesta segunda parte, escrita na primeira pessoa, diferenciando-se assim da primeira parte que foi toda escrita na terceira pessoa, ando a questionar o amor e o mundo, as pessoas e a sua interacção, um pouco também de filosofia, religião, amizade e os conflitos internos sobre a vida. No que consta à minha orientação sexual sou uma pessoa mais do que esclarecida. Quanto a este último post sobre os comboios, achei cá em casa o livro Nocturnos de Tom Waits, de quem gosto muito, e ao folhear achei este texto que estava em inglês com a tradução ao lado. Achei que a tradução não estava como eu a teria traduzido e por isso iniciei a minha propria tradução. Depois de traduzido adaptei ao texto ao imaginário lisboeta - que como é óbvio Tom Waits não escreveu sobre a estação do Rossio - e dei-lhe o meu cunho pessoal.

Um beijo
Pedro

P.S.: Há muitos anos atrás também conheci a Sara Tavares quando ela ainda nem ao Festival da Canção tinha ido. Depois perdeu-se o contacto, talvez pela disparidade de idades na altura.

peter_pina disse...

os comboios...fazem-me pensar tanto essas viagens...às vezes nao os kero, nao kero voltar a casa...

MIGUEL BASTOS disse...

Olá! Obrigado por visitares o meu blog e pelos posts. Na verdade acho que nao tenho muitas visitas, já que também nunca o divulguei muito e tem pouco tempo. Saber que há alguém que vai visitando, sabe sempre bem...é uma forma de sentir que partilhamos alguma coisa com o mundo. Confesso que ainda não conheço muito bem o teu blog e porque percebo que pressupõe um pouco mais de concentração a ler, que não olhar apenas para fotografias espontaneas, mas com tempo para ler, lá chegarei. Em breve visitar-te-ei;)
um abraço
miguel