MANIFESTO

Será uma questão de orgulho o facto de se ser “diferente”? O facto de se gostar de alguém do mesmo sexo, ou de se mudar de sexo por não se sentir bem na pele que se veste? Será o orgulho uma questão de sobrevalorização sobre outros? Ou será o orgulho uma questão de se poder sair à rua de mão dada com a pessoa que se ama, sair à noite com os amigos sem ter de frequentar um local “apropriado” para tal? Não será o orgulho uma satisfação pessoal por darmos uma cara e às vezes a voz para uma luta contra preconceitos e descriminações? O que andamos a discutir e do que nos devemos orgulhar afinal?

Uma vez por ano podemos assistir em Lisboa à Marcha do Orgulho que tanta controvérsia deixa nas bocas do povo. Uns afirmam que de nada nos temos de orgulhar, que somos o que somos e não temos de marchar por isso. Outros ainda recriminam as televisões por só filmarem as “aberrações” do meio gay, por acharem que nos estão a meter todos no mesmo saco – nojento e desprezível diriam alguns. Também uma vez por ano podemos contar na nossa Lisboa com um festival de cinema gay que este ano, segundo algumas pessoas, cometeu o “erro gravíssimo” de intitular o festival de Queer Lisboa, como se de grande ofensa se tratasse à língua portuguesa (pode ser que o título do próximo ano seja Paneleiros à solta e aí já ficam todos contentes. E já agora, para os que têm tanta dificuldade em aceitar estrangeirismos – ou mesmo a perder tempo a discuti-los – peço que da próxima vez que alguém lhes perguntar se são gays que respondam: não, somos homossexuais). O que andamos afinal a discutir? Nomenclaturas?

O que mais me entristece, na verdade, é o facto de serem os próprios “homossexuais” a discutirem as questões mais irrelevantes de todo o processo inerente à questão do orgulho gay. Para quem não sabe, durante a semana que se antecede à marcha, existem várias palestras e conferencias onde se debatem os problemas. Semana essa onde, de certa forma, somos ouvidos. Muitos perguntar-se-ão: “E porque é que só somos ouvidos nessas alturas?” A verdade é que estamos a lutar por algo e disso não podemos fugir. E se temos, pelo menos essa abertura, não vale a pena agarrá-la? Porque enquanto uns não fazem nada, deixando-se apenas a discutir nomenclaturas, outros lutam em seu lugar para resolver os problemas de todos. Os problemas que enfrentamos diariamente com as nossas famílias, os nossos amigos, os nossos colegas, em casa, no trabalho, na rua. Bem sabemos também que os problemas nunca ficam resolvidos, mas é a pouco e pouco que se ganha uma causa. Com persistência e perseverança.

Tomo como exemplo a problemática feminina, que após grandes lutas ao longo dos séculos, melhorou bastante a sua posição na sociedade, mas que ainda enfrenta os seus problemas, agora em escala reduzida. E toda a mulher que hoje acaba uma universidade, arranja um emprego, pede um divorcio, vota, deverá agradecer a todas as outras mulheres que queimaram sutiãs em praça pública, protestaram, marcharam pelos seus direitos e que agora têm o seu dia internacional para comemorarem todas as suas conquistas sociais, económicas e politicas ao longo dos tempos. O que é engraçado registar é o facto de eu as ouvir dizer, sem vergonhas e sem se sentirem patéticas que têm orgulho em ser mulher. Eu não as ouço dizerem que lá por serem mulheres que não querem fazer parte do conjunto. E bem sabemos a diversidade de tipos de mulheres que existem. Mas elas sabem que pelo facto de serem mulheres passaram e passam por problemas semelhantes.

O que é um pouco irónico no que toca aos homossexuais masculinos. Pois apesar de fazermos parte do grande saco de humanos com um pénis, temos a possibilidade de, escondendo certos tiques, certas formas de vestir, de nos confundirmos entre os heterossexuais e igualarmo-nos a eles para conseguir, por exemplo, um emprego. E ficamos todos contentes por fazer parte de determinada empresa, onde nos rimos com os outros quando fazem chacota de outro homossexual, onde mentimos em relação ao que fizemos no fim-de-semana passado, onde não podemos dizer que nos espera em casa o homem mais encantador pelo qual nos apaixonámos. Se voltarmos às mulheres, aperceber-nos-emos que vestir umas calças com uma meia nas cuecas, cortar o cabelo curto, usar um bigode postiço e engrossar a voz, torna-se um pouco mais complicado. É claro que hoje em dia as mulheres não precisam de nada disto, mas isso só se deve ao facto de ao longo dos anos terem existido outras mulheres que lutaram por elas e das quais nos devíamos sentir todos orgulhosos.

É verdade que lutamos pelos direitos igualitários. Mas iguais é coisa que nunca seremos. Mas isso não é vergonha, nem pior ou melhor. Simplesmente somos diferentes e temos de dar voz a essa diferença. Mesmo querendo iguais direitos, temos de fazer ver aos outros que somos diferentes deles, que quando somos um casal nunca seremos um homem e uma mulher mas sim dois homens ou duas mulheres, que também amamos, que também queremos ter filhos, mas que os vamos educar enquanto dois homens ou duas mulheres. E quando saímos à noite, no nosso grupo de amigos podem estar transexuais, drag queens, travestis, homens mais femininos, mulheres mais masculinas, os chamados ursos, sadomasoquistas, leather e por aí fora. E é por isso que a nossa bandeira é um arco-íris, porque aceitamos todas as diferenças.

Mas cada vez mais me apercebo que é cada um por si... e se pensarmos desta perspectiva, realmente, não há muito porque ter orgulho! Pois nós somos os primeiros a descriminar e a apontar o dedo. A verdade é que todos existimos e todos temos o direito à nossa diferença.

*

Aqui fica um grande beijo a todos os amigos gays, drags, ursos, transexuais e travestis com quem tive o prazer de desfilar na parada gay de Fortaleza, que me mostraram ao longo de um ano um sorriso por me verem, que me deram sempre aquele abraço quando eu precisei, que estiveram lá para me apoiar, para me ouvir, e eu a eles é claro, e que não são diferentes dos outros enquanto seres humanos, só talvez o facto de terem grandes corações (e longe estão de serem aberrações). Eu orgulho-me de lutar e marchar ao lado destas pessoas para que um dia outros não o precisem de fazer.

6 comentários:

Frances disse...

Pedro,
exactamente todos tem direito a fazer as suas opcoes, sobretudo no que toca ao amor, gostar de homens, gostar de mulheres, gostar de homens e de mulheres tem apenas a ver com a forma como se encara o amor, como se vive o amor, como se sente o amor. E lembro me de conversas varias com amigos homens que confidenciaram me que amavam outros homens, a quem eu disse que nao se tem que sentir diferentes, que se tem que assumir, que tem que viver em plenitude o seu amor, sem receio do que os outros pensem, sem receio de sentir o que sentem, porque sao pessoas, de carne e osso, que tem os mesmos orgaos que qualquer ser humano e se tem coracao, que seja ele a comandar lhes a vida! Aqui fica um beijo mt grande e espero que todas essas marchas que assistes, que participas, onde das o corpo ao manifesto se tornem desnecessarias, e que um dia, o mais cedo possivel, possas viver em paz como mereces.

Anónimo disse...

Honestamente a palavra queer n me agrada mto. Parece-me prejurativo. Mas se acham que é melhor, q define melhor o tal festival, tudo bem. N estou mto a par do assunto. Mas n vejo necessidade de se mudar o nome.
Em relaçao ao orgulho. Eu sou mulher, gosto de ser mulher mas n vejo motivos para me orgulhar disso. Sou e pronto.
Devemos orgulhar.nos dos nossos feitos, do q adquirimos, do q conseguimos fazer, n daquilo q somos naturalmente.
Orgulho.-me das lutas travadas pelos direitos das mulheres mas n por serem mulheres em si, sim pelo q fizeram.
Penso q em relaçao aos homossexuais devia ser o mm. Orgulharem-se se lutarem por iguais direitos, se assumirem aquilo q sao perante a sociedade, a familia e os amigos, n vejo pq se devem orgulhar de algo q n fizeram nada por ser.
Essas manifestaçoes deveriam chamar-se de por conseguir isto ou aquilo, orgulho por lutar por isto ou aquilo, n orgulho gay.
O q me é mostrado nesses eventos na tv são homens mascarados e pouco mais. Acredito q a maioria n é assim mas os media n o mostram e o povo português perante o q vê ainda descrimina mais. Somos um povo ignorante é verdade, mas os media n ajudam.
Essas manifestaçoes levam a algum lado? N seria melhor terem associaçoes verdadeiramente representativas, n seria melhor cada um n se esconder e dar a mão se quiser dar ao seu companheiro?
Assim iam mais longe de certeza.
Penso q te deves orgulhar do q fazes como ser humano, dos teus valores, da tua relaçao com os outros, n com o facto de seres gay. Eu gosto de homens, amo o meu marido, tu gostas de homens tb, é natural qto a mim, n é motivo para se ter orgulho.
Deves qto mto orgulhar -te por marchares com essas pessoas, n ser a marcha o resultado desse orgulho.
Deves orgulhar te se fizeres com q os gays sejam respeitados, bem aceites, se um dia puderes casar, adoptar uma criança, se tiveres a coragem de contar a quem queres contar, n orgulho de se ser gay só pq se é.
Qtos homossexuais se mexem para melhorar a forma como são vistos pela sociedade? Penso q mto poucos. Entao orgulham-se de q?

Pedro Eleutério disse...

Obrigado Fran e Maria pelas opiniões. Maria, é mesmo essa a questão que eu quero realçar. Que muitas vezes passamos a vida escondidos, a discutir nomenclaturas, quando deviamos dar cara à causa. E dar cara não tem de significar necessariamente ir a uma marcha, podem ser coisas do dia-a-dia. O que me entristece é precismanete todos aqueles que não fazem nada no dia-a-dia, que se deixam levar pela maré das suas facilidades, e ainda metem entraves se a marcha se chama orgulho ou outra coisa qualquer. A verdade é que há uma luta a travar quer queiramos fechar os olhos ou não. E eu confesso que muitas vezes já fechei os olhos para não me chatear, mas também sei que cada vez que faço isso só contribuo para um atraso no processo. o meu manifesto é para esquecermos as nomenclaturas e irmos directos ao assunto. Pois eu ainda quero viver o dia em que me posso orgulhar de sair à rua sem ter de mentir sobre o que sou em qualquer situação que seja. E aí não é orgulho por ser gay, mas orgulho por poder ser eu mesmo.

Pedro Eleutério disse...

E já agora, a série televisiva que tantos gays adoram chama-se: "Queer as Folk".

Anónimo disse...

A luta e diaria e nao passa simplesmente por um qualquer desfile numa avenida de uma cidade movimentada. Passa sim, pelo facto de no dia a dia, tornar o que ainda e "visto de lado" algo "vulgar" e indiferente atraves de pequenos (grandes) gestos que passam por trocar "carinhos" em publico. Ha que tornar esses gestos cumuns para que todos se adaptem a uma nova realidade. Se todos temos como objectivo ser felizes, que direito tenho eu ou os outros de julgar-mos o que quer que seja?
A diferenca marcara sempre o equilibrio. O Equilibrio � benefico a sociedade.

Abra�o

Marco Fav disse...

Eu não faço distinções na forma como trato as pessoas e que sejam hetero ou homo é-me indiferente desde que respeitem o próximo como qualquer pessoa com bom senso. Pessoalmente também acho estranho o termo "orgulho gay", pois não vejo nada digno de "orgulho". Também não é por ser hetero, que espero que me dêem um prémio. LOL Acho que lhe deviam talvez chamar "liberdade para se ser diferente" ou assim (confesso que também não pensei muito no assunto, desculpa se estou a disparatar). Acho que se devem irradicar as exclusões a todo o nível, mas tornar a homosexualidade quase numa qualidade superior ou moda faz-me bocejar, pois não deve ser nisso que reside o problema... na minha modesta opinião.
abraço