Acção passada segunda-feira dia 7 de Janeiro de 2002
Quando Filipe e António decidem ir ver apartamentos durante a tarde

Já há alguns meses que Filipe andava à procura de um apartamento, mas a sua busca parecia sem sentido quando o que procurava não fazia parte de nenhum classificado minimamente plausível. Com vinte e nove anos, figura descomposta e um pouco de peso a mais, era nítido que a casa do pai não era mais do que uma desculpa patética para o seu estilo de vida. Como designer gráfico falhado vivia na sombra dos múltiplos prémios obtidos no seu primeiro trabalho levando-o à loucura perfeccionista de não saber o que fazer a seguir. E tudo em que pensava parecia uma má ideia de quem acordou de uma ressaca a achar que teve a epifania de uma vida para logo de seguida vomitar tudo pela sanita.

No estirador do seu quarto/atelier amontoavam-se milhares de folhas rabiscada de desenhos inúteis, de ideias por concluir e recortes de imagens de trabalhos dos seus colegas de faculdade que, não tendo recebido prémios, conseguiram vingar na vida aparecendo em todo o lado para lhe dar umas boas chapadas na cara. Era nesta triste frustração que vivia acocorado numa casa que já não sentia como sua há muitos anos, mas que lhe garantia uma qualidade de vida com os poucos ordenados que ia recebendo daqui e dali.

Estava ciente da necessidade de mudar o rumo das coisas. Decidiu que para ganhar responsabilidade era preciso arranjar uma casa para si, com contas para pagar e comida para pôr em cima da mesa, caso não fosse o desespero de querer passar fome para voltar ao seus aspecto original de escanzelado.

António esperava no carro há mais de meia hora. Tinham combinado visitar alguns apartamentos nessa tarde mas a vontade de Filipe era extraordinariamente nula. À necessidade da mudança sobrepunha-se o medo da responsabilidade e dos encargos. De óculos escuro para esconder os olhos das noites de insónias abriu a porta do carro.

- Desculpa o atraso mas estava a rever alguns dos meus projectos... – António olhou para ele desconfiado das suas palavras fazendo com que Filipe discursasse a sua rendição. – ou então provavelmente não estava a fazer nada disso porque sou uma merda naquilo que faço e já nem sequer me dou ao trabalho de olhar para o meu estirador e simplesmente estou a tentar inventar uma desculpa para o meu terrível atraso dada a pouca vontade que tenho de ir ver apartamentos. E tu estás incrivelmente sexy.
- Olá para ti também.
- Mete lá esse carro a trabalhar e vamos enfrentar o meu medo da independência. Ter-me-ei tornado na pessoa mais triste do mundo? Ou simplesmente já estou acomodado demais para sequer pensar nisso? Ah, que se lixe, vamos lá ver esses apartamentos. Já te disse que hoje estás bastante comestível?

António estava especialmente atraente naquele dia e Filipe só pensava em esquecer tudo o que tinham planeado para a tarde e subir com ele de volta para a casa do seu pai e passar a tarde toda na sua triste cama de solteiro a fazer sexo e, apesar de já estarem a caminho do primeiro apartamento, ele achou que isso é que era a melhor coisa a fazer naquela tarde.

Ao contrario de si, António tinha um aspecto arrumado, num estilo limpo e minimal, ia ao ginásio três vezes por semana e conseguia a “proeza” de trabalhar no mesmo local por mais de dois meses. Na verdade ele trabalhava para a mesma companhia de teatro há mais de cinco anos. António era uma pessoa bem resolvida consigo mesmo e com a vida, tendo sempre uma atitude confiante e um auto domínio pessoal invejável. Dois anos mais velho que Filipe, o cosmos tinha-se aberto para lhe oferecer todas as possibilidades e mais algumas.
Introdução

O que era o tempo para a vida moderna? Um rastilho deixado no chão pronto a ser ateado e explodir com toda a essência construída, à qual se dava o nome de vivências ou mesmo de passado. Um passado que em poucos segundos ia pelos ares. Estávamos nos anos em que a globalização finalmente tomava um carácter mais presente ao invés de ideias teóricas sobre a verdadeira consciência global da qual se havia falado ao longo dos anos. O ritmo do mundo tornava-se difícil de acompanhar e cada dia deixava de ser uma batalha de campo para passar a ser uma guerra mundial. Tudo o que existia fazia parte de um passado e poucos eram aqueles que vigiavam o futuro. A vontade de construir algo, que fosse verdadeiramente significativo, para um passado num futuro próximo, era visivelmente inexistente. Era o tempo das cópias das cópias e as pessoas nem se davam conta disso.

De tudo um pouco o mundo já tinha assistido, nada era novidade. Mas o problema não estava na novidade mas na aceitação das coisas. Tudo se rege por regras desconhecidas ou mesmo transcendentes aos pensamentos humanos e existem duas formas de as encarar, ou a aceitação ou a constante revelia aos padrões vigentes. Viver nessa rebeldia constante, quando consciente é, de certo modo, desgastante. Todo o tempo que se perde na tentativa de ser feliz é todo o tempo em que não se é feliz. Valerá a pena?


*


Acção passada sexta-feira dia 13 de Abril de 2012
Quando Filipe toma a decisão de deixar o apartamento

Sentou-se no sofá do escritório. Já há algumas semanas que aqueles pensamentos lhe passavam pela cabeça. A questão que se punha era a vontade que tinha em resolvê-los ou se tinha a força necessária para o fazer. E era nos raros momentos em que se encontrava sozinho em casa que convalescia sobre aquelas ideias. Mas desta vez era diferente. No carro, estacionado à porta de casa, já estavam arrumados todos os seus pertences. Ao seu lado restava apenas a última mala a carregar com as últimas tralhas, algumas roupas e umas fotografias que achou por direito levar. Ainda tinha tempo de voltar atrás sem que ninguém notasse qualquer vontade de Filipe deixar aquela casa.

De cigarro na mão, um pouco trémulo nas pernas e de lágrimas a escorrerem-lhe pela cara, o seu peito parecia querer saltar tal era a sua agitação interior. Há certas decisões que mesmo repensadas parecem ir ao encontro da destruição de todo o conhecimento que já se tem de si mesmo. Agarrou no telemóvel que estava em cima da mesa e ligou a Joana, mulher de seu pai, a mulher que conhecia como mãe desde os doze anos.

- Joana, é hoje. Vou sair de casa. Achas que posso ficar aí por uns dias? Ainda não decidi muito bem o que vou fazer nem para onde vou.
- Tens a certeza que é isso que queres, logo hoje? Sabes que podes contar sempre connosco e que temos muito gosto em que fiques cá em casa. Mas já disseste alguma coisa ao António, ou ele ainda não sabe de nada?
- Acho que ele vai perceber. Não podia ter sido de outra forma. Se tivesse falado com ele não estaria a tomar esta decisão. Iria estar simplesmente a adiar a minha partida por mais um mês ou outro...
- E precisas de ajuda para alguma coisa?
- Não, já tenho tudo preparado. Preciso só de um bom jantar e de poucas perguntas.

No relógio do quarto marcavam seis horas e quarenta e dois minutos quando Filipe parou junto à porta do apartamento. De todas as decisões que tomara esta pareceu-lhe a mais complicada. Mas o que conhecia como vida naquele apartamento já não fazia sentido. Contudo, precisou olhar para trás mais uma vez, pela última vez, sentir o cheiro, carregar a sua visão de imagens, remontar recordações e, passados dez anos, deixou a chave no chaveiro junto à porta e saiu.

A todos aqueles que me têm perguntando por onde ando, porque não dou notícias, o que me aconteceu... para já um pedido de desculpas. Há momentos da nossa vida em que tudo à volta é tão complicado que é preciso tempo para pensar, para rever todos os conceitos e organizá-los na cabeça da forma mais coerente.

Para quem não sabe, sou finalista no curso de Design de Moda e neste momento ando a tratar da minha colecção final, o que retira muito tempo como vocês não imaginam. Para além disso, todos os problemas associados a andar numa faculdade onde nunca ninguém sabe o que se passa ou onde resolver as coisas e por isso perco tempo físico e mental em requerimentos e mais requerimentos para tentar resolver as coisas. Tem acontecido tanta coisa que mal me consegui aproximar da internet.

Por exemplo só hoje li o e-mail da Sílvia que ,pelos vistos, vem a Lisboa (e sim, estarei cá para te abraçar e beijar). Débora, apesar de um oceano de distância eu não me esqueci de ti e sem dúvida que estaremos um dia em NY passando pelo Japão e Brama é claro que também podes vir. Fran recebi o teu e-mail de experiência. E meu anjo azul eu vou já já responder ao teu e-mail...

Eu sei que vai ser difícil até dia 5 de Junho (data da apresentação das colecções) conseguir acentar a cabeça mas prometo que vou tentar. Entretanto comecei a escrever uma história em pequenos textos que vou começar a postar aqui. Para já deixo a introdução e o primeiro texto. Vou tentar postar uma vezes por semana, se conseguir duas ainda melhor.

Espero que entendam a minha ausência (que deriva de uma cabeça feita em m**** com tudo o que acontece à minha volta) e um grande beijo a todos.