Introdução

O que era o tempo para a vida moderna? Um rastilho deixado no chão pronto a ser ateado e explodir com toda a essência construída, à qual se dava o nome de vivências ou mesmo de passado. Um passado que em poucos segundos ia pelos ares. Estávamos nos anos em que a globalização finalmente tomava um carácter mais presente ao invés de ideias teóricas sobre a verdadeira consciência global da qual se havia falado ao longo dos anos. O ritmo do mundo tornava-se difícil de acompanhar e cada dia deixava de ser uma batalha de campo para passar a ser uma guerra mundial. Tudo o que existia fazia parte de um passado e poucos eram aqueles que vigiavam o futuro. A vontade de construir algo, que fosse verdadeiramente significativo, para um passado num futuro próximo, era visivelmente inexistente. Era o tempo das cópias das cópias e as pessoas nem se davam conta disso.

De tudo um pouco o mundo já tinha assistido, nada era novidade. Mas o problema não estava na novidade mas na aceitação das coisas. Tudo se rege por regras desconhecidas ou mesmo transcendentes aos pensamentos humanos e existem duas formas de as encarar, ou a aceitação ou a constante revelia aos padrões vigentes. Viver nessa rebeldia constante, quando consciente é, de certo modo, desgastante. Todo o tempo que se perde na tentativa de ser feliz é todo o tempo em que não se é feliz. Valerá a pena?


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Acção passada sexta-feira dia 13 de Abril de 2012
Quando Filipe toma a decisão de deixar o apartamento

Sentou-se no sofá do escritório. Já há algumas semanas que aqueles pensamentos lhe passavam pela cabeça. A questão que se punha era a vontade que tinha em resolvê-los ou se tinha a força necessária para o fazer. E era nos raros momentos em que se encontrava sozinho em casa que convalescia sobre aquelas ideias. Mas desta vez era diferente. No carro, estacionado à porta de casa, já estavam arrumados todos os seus pertences. Ao seu lado restava apenas a última mala a carregar com as últimas tralhas, algumas roupas e umas fotografias que achou por direito levar. Ainda tinha tempo de voltar atrás sem que ninguém notasse qualquer vontade de Filipe deixar aquela casa.

De cigarro na mão, um pouco trémulo nas pernas e de lágrimas a escorrerem-lhe pela cara, o seu peito parecia querer saltar tal era a sua agitação interior. Há certas decisões que mesmo repensadas parecem ir ao encontro da destruição de todo o conhecimento que já se tem de si mesmo. Agarrou no telemóvel que estava em cima da mesa e ligou a Joana, mulher de seu pai, a mulher que conhecia como mãe desde os doze anos.

- Joana, é hoje. Vou sair de casa. Achas que posso ficar aí por uns dias? Ainda não decidi muito bem o que vou fazer nem para onde vou.
- Tens a certeza que é isso que queres, logo hoje? Sabes que podes contar sempre connosco e que temos muito gosto em que fiques cá em casa. Mas já disseste alguma coisa ao António, ou ele ainda não sabe de nada?
- Acho que ele vai perceber. Não podia ter sido de outra forma. Se tivesse falado com ele não estaria a tomar esta decisão. Iria estar simplesmente a adiar a minha partida por mais um mês ou outro...
- E precisas de ajuda para alguma coisa?
- Não, já tenho tudo preparado. Preciso só de um bom jantar e de poucas perguntas.

No relógio do quarto marcavam seis horas e quarenta e dois minutos quando Filipe parou junto à porta do apartamento. De todas as decisões que tomara esta pareceu-lhe a mais complicada. Mas o que conhecia como vida naquele apartamento já não fazia sentido. Contudo, precisou olhar para trás mais uma vez, pela última vez, sentir o cheiro, carregar a sua visão de imagens, remontar recordações e, passados dez anos, deixou a chave no chaveiro junto à porta e saiu.

4 comentários:

Anónimo disse...

«Viver nessa rebeldia constante, quando consciente é, de certo modo, desgastante. Todo o tempo que se perde na tentativa de ser feliz é todo o tempo em que não se é feliz. Valerá a pena?»


Para mim essa rebeldia é desgastante porque acaba por levar á solidão. Deixar essa rebeldia chama-se crescer, tornarmo-nos adultos.
As pessoas nunca estão satisfeitas e perdem demasiado tempo a tentar ser felizes em vez de serem com aquilo que têm e que muitas vezes já é muito, mas a maioria das pessoas não dá por isso.

Pedro Eleutério disse...

Maria, eu percebo o teu ponto de vista, mas não acho que uma vida de conformismo e aceitação seja a solução para tudo. Mas que efectivamente muitas vezes as pessoas não dão valor ao que têm é daquelas verdades universais que muitas vezes nos custam a entrar na cabeça.

Anónimo disse...

Pedro, eu não falei em aceitação e conformismo. Uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra.

Pedro Eleutério disse...

Fui eu que interpretei mal.