CONJUGAR

Sou da opinião que o mundo se rege por uma partitura bastante simples: «Eu, tu, ele, nós, vós, eles». Contudo não me posso deixar enganar por tal simplicidade que inicia qualquer conjugação de um verbo. Resta saber se esse verbo se encontra no passado, presente ou futuro. Mas vamos por partes, que cada qual tem a sua complicação:

Eu – O tão famoso eu, o centro, de nós para fora, de fora para nós. O mundo à volta existe sempre melhor aos nossos olhos, segundo a nossa visão. Por vezes corações moles, por vezes egoístas. O eu necessita de um espaço de segurança, de um canto, de um esconderijo. Tudo o que se refere ao eu é sempre mais complicado. É sempre confuso, é sempre para lá do real. Um quarto escuro com muitos fantasmas. E conhecer esse eu na sua totalidade é uma tarefa impossível, até para o próprio eu.

Tu – Aquele que o eu busca desesperadamente, uns mais, outros menos, mas é o mal dos males em estar mal. O tu tem sempre, pelo menos, três versões: O idílico, o real e a deturpação desse real. Buscamos o idílico, aquele que nunca será real. Aceitamos a hipótese dele não existir e tentamos encontrar o real que mais se aproxima, mas repetidamente trocamo-lo mentalmente pela deturpação desse real, vendo algo que não está lá (mas que continuamos a julgar estar). Reside ao eu encontrar a paz nesse tu, tentando sempre vê-lo o mais real possível.

Ele – O ele é a dor de cabeça do tu. Existe sempre um ele nas relações. Um terceiro elemento. Uma história do passado, um flirt do presente ou mesmo uma traição. Mas o ele tanto pode ser real como uma mera fantasia do tu. O ele pode ser um elemento chave, como pode ser o que deita tudo a perder. O ele existe por milhentas razões, mas este não é o momento para detalhar de forma tão específica.

Nós – É a forma como o eu e o tu processam o facto de estarem juntos. Quem é cada um como um e como são como um nós. Como é que esse nós se dá entre eles, e esse nós com o que os rodeia. Como decidem o eu e o tu viver esse nós, qual o estratagema. O nós só consegue existir perante regras. E que regras são essas? Cada nós terá as suas.

Vós – Todos aqueles que rodeiam o eu, o tu, o nós (no caso de existirem estes dois últimos). Todos aqueles com quem interagimos no dia-a-dia, por necessidade, por vontade, pelo simples facto de se cruzar na rua, de ligar uma televisão, abrir um livro, escutar uma música. Sem o vós tudo perderia cor. O vós entretém-nos, completa-nos, acrescenta-nos.

Eles – Para continuar a falar do vós é preciso apresentar o eles. Dos vós, os eles são aqueles que são mais chegados. O grupo de pessoas com quem o eu decide uma partilha mais profunda, mais da alma, mais das vísceras. Contudo, a importância do vós não deixa de ser notoriamente importante. Pois muitas vezes o eu suporta a sua existência na música que ouve, nos livros que lê, nos teatros que vê, etc.... o que não existiria sem o vós. Mas é no eles que o eu encontra a vontade de, mais tarde, partilhar todas essas sensações.

Eu, tu, ele, nós, vós, eles, acima de tudo, precisam de dialogar – com todas as formas que encontrarem, sem esse dialogo não existe conjugação! Eu amo; Tu amas; Ele ama; Nós amamos; Vós amais; Eles amam. Apesar de ser um eu com poucas perspectivas no romance...

7 comentários:

Anónimo disse...

Pedro, um excelente texto de reflexão pegando nos sujeitos gramaticais.
Gostei tanto ao ponto de ter lido duas vezes para interiorizar melhor.
Apenas algumas considerações:
O Eu nunca pode ser além do real, quanto muito para os outros, para si é sempre real mesmo em mente.
O Tu é aquilo que a seguir ao Eu mais procuramos e mais do que o ideal misturamos o real com a deturpação ao ponto de chegarmos a achar que o Tu é algo que não é efectivamente.
O Ele pode ser a dor de cabeça do Tu mas também a dor de cabeça do Eu, a fantasia do Tu ou a fantasia do Eu. E nem sempre existe um terceiro elemento nas relações, nem sempre. Aqui fico com a sensação de que o Pedro perdeu uma relação que muito estimava por causa de um Ele. Se assim o é o conselho que uma pessoa mais velha te dá é que ou lutes pelo que perdeste, não te rebaixando nunca ao Tu que te traiu ou teve um flirt com um Ele, ou então segue a tua vida sem esse Tu. Amando eu escolheria a primeira opção, sem hesitar, por muito que me doesse a traição ou o flirt com a promessa do Tu de que não voltaria a acontecer uma segunda vez. Mas sei que para a maioria das pessoas é muito dificil a escolha porque uma vez já acham demasiado. Dê uma segunda hipótese, pense nisso. Esse coraçao parece-me muito dolorido.
O Nós é isso mesmo que dizes. Cada um com as suas regras bem explicitas pelo Eu e pelo Tu, sem cartas escondidas, sem mentiras, regras bem definidas. Se bem que ainda assim é muito difícil porque sendo duas pessoas diferentes, uma terá que ceder aqui e outra que ceder ali. Só assim é possível para além do idílico se o Eu não quiser viver uma vida só consigo, sem o Tu.
A mim parece-me que o Vós e o Eles está trocado, pelo menos no meu entender. Acho que o Vós está mais perto do Eu, do Nós do que o Eles. O Vós são os nossos grandes amigos, a nossa familia, quem mais gostamos e admiramos. O Eles são os mais distantes, os que nos dizem menos. Mas isto são opiniões minhas usando o esquema muito interessante do Pedro.
Mais uma vez digo que gostei muito.

paulo disse...

Absolutamente! Parabéns por este texto inspiradíssimo!

peter_pina disse...

olaaaa

pa dizer k ja cheguei de ferias e k foram....perfeitas!!!!!!!!!!

hugsss, p.p.

Pedro Eleutério disse...

Maria,

gostei imenso do detalhismo do comentário. Em relação ao eu e ao irreal, estava a pensar no que o eu mostra aos outros, que muitas vezes pouco se aproxima do real que vai lá dentro. Em relação ao ele escrevi o texto na perspectiva de um eu. Claro que numa relação a dois existem sempre dois eus e cada eu terá os seus respectivos tu, ele, nós, vós e eles. Eu sou da opinião que todos temos um ele dentro de nós, mesmo que imaginário. Em relação ao vós e ao eles também me deparei aí com uma complicação na atribuição. Apesar do vós, logicamente e num texto que vai abrindo o universo do eu aos poucos, faria mais sentido que o vós fossem os mais chegados. Mas segui a lógica do pessoal e impessoal referente à forma de tratar. Eu não trato os meus amigos por você, mas sim por tu. A segunda pessoa do plurar geralmente é atribuída ao respeito (no caso de pais - alguns... que eu trato os meus por tu - avós, familiares, professores, e todos aqueles que nos são impessoais (não que a família entre no caso dos impessoais) - e que dada a falta de confiança tratamos por você). Foi mais ou menso esta a lógica, mas no entanto também me perguntei a mim mesmo se a nível de texto não teria mais sentido ser ao contrário.

ÁguaDiCoco disse...

simplesmente adorei !! =)
Particularizando, o "eles" que destacas de entre o "vós"..pormenor subtil e perfeito.
E claro, sempre o "ele" nas relações "eu+tu"..temos de encaixá-lo a "ele" no "vós" ou transformá-lo de vez no "tu"! ;)
beijocas

Marco Fav disse...

O meu problema é que "eu" já sou "nós" e "eu" não ama, nem o "tu" está para ai virado, LOL
Depois há o "Elas" (ou "depois é que são elas")... o dilema! LOL
Gostei bastante do texto
abraço

Anónimo disse...

Pedro, obrigado pela tua resposta extensa ao meu comentário. Gostei bastante e entendi o ponto de vista mais esclarecedor. Apreciei a atenção.
Li o comentário da águadicoco e permite-me dizer que nem sempre há um ele na relação eu e tu, mas é muito provavel que haja, sim. E se esse ele for o nosso amor e ele retribuir, então devemos atribuir-lhe o sujeito tu, sempre com muito cuidado para não magoar o tu que temos e que é substituido. Mas se o nosso amor for o tu então devemos, sem exitar, colocar o ele no vós ou eles e juntar a esse tu o sinal matemático +. Eu + Tu.
Mais uma vez obrigado.