PORQUE É QUE AS PESSOAS FICAM BONITAS QUANDO CHORAM?

Querido professor,

ultimamente tenho observado muito as pessoas, assim como pediu. Eu sei que devíamos ter em atenção a procura da beleza nas características físicas para que chegássemos a um consenso na classe. Contudo, ouve uma característica que me chamou mais a atenção que todas as outras. Não é bem uma característica física, é mais fisiológica. Na verdade, todos sentimos a necessidade de chorar. Podemos não o fazer, mas o sentimento está lá. E todos chorámos uma vez na vida quando saímos do útero da nossa mãe. Logo, é uma característica comum a todos. O que me tem intrigado nestas observações é que as pessoas ficam mais bonitas quando choram. Não digo depois de chorar. Falo no acto em si. Parece-lhe estúpido?


Querido aluno,

não se sinta estúpido por pensar nesse tipo de coisas. O objectivo do trabalho era fazer-vos perceber a subjectividade da beleza. Queria que concluíssem que a beleza tanto pode ser física como emocional. Que não existem padrões. De certa forma libertar-vos para um estado superior do entendimento desta. Que é possível ficarmos atraídos por um pessoa, a qual nada diz ao nosso melhor amigo. Que não devemos ficar restringidos aos gostos uns dos outros. O que mais me deprime é sentir que alguém fica envergonhado por gostar de pessoa A, B ou C. E a sua questão é muito pertinente. Posso mesmo dizer que me deixou a pensar. Quando choramos é porque libertamos energias negativas do nosso corpo, ou mesmo direi, da nossa alma. Tornamo-nos assim pessoas menos carregadas. E é essa leveza que eu acho que o fascina. Estarei correcto?


Querido professor,

não estou certo de que seja a leveza que me fascina. O professor já viu, alguma vez, com atenção, a foto de alguém a chorar? Ou já parou para apreciar alguém que estivesse a chorar sozinho num banco de jardim? Ou mesmo alguém que tenha passado por si a correr lavada em lágrimas? São momentos em que o nosso sentimento de pena, o que eu acho asqueroso, vem ao de cima. E no meio de tanta tristeza é como se o tempo parasse pois algo de belo está a acontecer. O que me fascina, ou perturba, é o acto em si. O verter das lágrimas. A razão que nos leva a chorar. Quando são lágrimas verdadeiras isso torna-nos pessoas bonitas. Choramos porque compreendemos um pouco mais da vida. Quando choramos apresentamos as feições mais gastas da nossa cara e ao mesmo tempo as nossas verdadeiras feições. É como se retirássemos as mascaras que usamos no dia-a-dia. Ficamos nus em frente de toda uma multidão ou mesmo nus perante nós. O nosso corpo fica transparente permitindo espreitar por todo o seu funcionamento. E é isto que é belo. A confiança com que levantamos a cabeça quando limpamos os restos de água salgada que não fugiram do rosto.

Tenho uma confissão a fazer-lhe. Quando o vi chorar no outro dia apaixonei-me por si. Deixou de ter a mascara para passar a ser uma pessoa exposta ao mundo. Passou da rigidez para a beleza. Eu vi a beleza.


Querido aluno,

penso que estamos a ir longe demais nesta troca de e-mails. O seu ponto de vista é bonito demais e de uma pura sensibilidade, mas eu jamais poderei ser amado por um aluno.


Querido professor,

pensei que quisesse demonstrar com este estudo que a beleza vai para além do corpo. Mas apercebo-me agora que não passa de teoria para si. Algo que lhe foi destinado a ensinar, não a apreender. De qualquer modo o professor foi belo enquanto chorou. Devia chorar mais vezes.

A HISTÓRIA DE MATT WEDLER

- Se o teu sangue... fosse o meu sangue ardíamos juntos na mesma fogueira. Brasa quente na minha pele, o teu corpo... junto ao meu corpo. Planícies desertas, sedentes de beijos, noites brancas no escuro. Estrelas que imaginámos... Lugar algum que cumpra as fantasias dos sonhos, das utopias e agora que te perdi... Lançaste as cartas do destino, os dados viciados em jogos nocturnos, o sexo maltratado, usado sem pudor. Na tua voz, a poesia era veneno!

Não é fácil ver o céu ser pintado de preto. O teu corpo sem alma por entre os lençóis. As trevas nascem em meu redor. As cartas que li do teu desespero:

“Enquanto sinto a minha vida a desaparecer um vasto rasto de memórias fazem chorar o meu coração. Saber que aprendi a amar e saber que é possível amar alguém... o que eu não daria para acordar. Acordar desta peste que consome o mundo. Sentir a evaporação dos objectos que me rodeiam. Ser presenteado com a dança da morte e ver-me partir sem resgatar um último beijo teu...

...Se o teu sangue... fosse o meu sangue ardíamos juntos na mesma fogueira. Brasa quente na minha pele. O teu corpo... junto ao meu corpo. É o amor em estado puro.

Nojenta é a imagem do meu corpo quando o olho ao espelho. Carne carcomida pelas impurezas do mundo. Corroída, esfaqueada, consumida. E quando para mim olhares já não serei eu e por momentos a pessoa que amas já não existe... Já não lhe pertence a mão que escreve estas palavras”

Samuel parou de tocar piano.

- Então a quem pertenceram as mãos quando me escreveste a carta? Se já sabias a merda que isto ia dar porque é que te divertiste a ver-nos crescer? Se julgas que serei a tua cobaia, estás muito enganado. Não sou a marioneta de ninguém. Se queres respeito, respeita-nos!
- Samuel precisas de descansar. Vou levar-te a casa.
- Percebes o que quero dizer? É muita dor acumulada num mesmo coração. Nunca tiveste ninguém a morrer ao teu lado e mesmo assim a sorrir para ti e a dar-te força.
- Não, nunca tive. E nem alcanço o teu desespero. Mas tens de ir dormir. Vai fazer-te bem.
- Não queria ter de acordar amanhã. Não para viver nesta mesma vida.