A HISTÓRIA DE MATT WEDLER

- Se o teu sangue... fosse o meu sangue ardíamos juntos na mesma fogueira. Brasa quente na minha pele, o teu corpo... junto ao meu corpo. Planícies desertas, sedentes de beijos, noites brancas no escuro. Estrelas que imaginámos... Lugar algum que cumpra as fantasias dos sonhos, das utopias e agora que te perdi... Lançaste as cartas do destino, os dados viciados em jogos nocturnos, o sexo maltratado, usado sem pudor. Na tua voz, a poesia era veneno!

Não é fácil ver o céu ser pintado de preto. O teu corpo sem alma por entre os lençóis. As trevas nascem em meu redor. As cartas que li do teu desespero:

“Enquanto sinto a minha vida a desaparecer um vasto rasto de memórias fazem chorar o meu coração. Saber que aprendi a amar e saber que é possível amar alguém... o que eu não daria para acordar. Acordar desta peste que consome o mundo. Sentir a evaporação dos objectos que me rodeiam. Ser presenteado com a dança da morte e ver-me partir sem resgatar um último beijo teu...

...Se o teu sangue... fosse o meu sangue ardíamos juntos na mesma fogueira. Brasa quente na minha pele. O teu corpo... junto ao meu corpo. É o amor em estado puro.

Nojenta é a imagem do meu corpo quando o olho ao espelho. Carne carcomida pelas impurezas do mundo. Corroída, esfaqueada, consumida. E quando para mim olhares já não serei eu e por momentos a pessoa que amas já não existe... Já não lhe pertence a mão que escreve estas palavras”

Samuel parou de tocar piano.

- Então a quem pertenceram as mãos quando me escreveste a carta? Se já sabias a merda que isto ia dar porque é que te divertiste a ver-nos crescer? Se julgas que serei a tua cobaia, estás muito enganado. Não sou a marioneta de ninguém. Se queres respeito, respeita-nos!
- Samuel precisas de descansar. Vou levar-te a casa.
- Percebes o que quero dizer? É muita dor acumulada num mesmo coração. Nunca tiveste ninguém a morrer ao teu lado e mesmo assim a sorrir para ti e a dar-te força.
- Não, nunca tive. E nem alcanço o teu desespero. Mas tens de ir dormir. Vai fazer-te bem.
- Não queria ter de acordar amanhã. Não para viver nesta mesma vida.

2 comentários:

João Roque disse...

Pedro
não comentei o teu último post por uma questão de "pudor"; ele é tão forte, tão dramático, que é impossível não ter muito de pessoal , de ti próprio lá dentro; e eu não quis "meter-me" dentro desse teu pedaço de prosa; por isso falo em "pudor"...
Se estou a interpretar mal, peço que me desculpes.
Mas, este novo texto, vem exactamente na sequência do anterior, menos cru nas palavras, menos pessoalizadotalvez, mas impregnado da mesma dor e tristeza, da mesma incapacidade de aceitar o destino, e por isso estou a comentar, pois sei quanto é importante para alguém que escreve como tu, em que pões muito de ti em cada palavra, saber-se que se é lido e compreendido, de alguma forma.
Gosto muito da tua escrita, como aliás gosto muito de ti.
Forte abraço.

peter_pina disse...

continuo a gostar das tuas palavras, saudadees de as partilhar ctg, saudades de escrever ctg, saudades tuas..

pp