SARAMAGO CEGOU O BRASIL

Já estava instalado num espaço físico a que podia chamar de “casa”. O tabernáculo onde retornava todos os dias. O lar para o qual tinha comprado a sua primeira rede onde passava partes das suas tardes a ler, ouvir música ou simplesmente a descansar. Contudo, ainda não podia chamar de sua aquela cidade imensa, aquela cultura tão diferente da que estava habituado. E, de certo modo, aquilo desconcertava-o.

Estava num mundo onde ricos e pobres batalhavam diariamente para conseguirem co-existir no mesmo espaço. Onde prazeres e privações se misturavam na orgânica da cidade. A favela ao lado do prédio de luxo. O pobre jogado no chão por onde o rico passa com o seu carro novo. O que teria acontecido para que tudo tivesse chegado àquele extremo? Onde as pessoas tinham medo de sair depois do sol se pôr. Onde andar na rua era um acto de coragem ao mesmo tempo que um acto de sobrevivência. Onde os sentidos tinham de estar despertos... pois ao mais ínfimo descuido o mal vencia sobre o bem.

Ele já nem procurava soluções para o problema que se avistava maior do que a sua cabeça podia imaginar. Ele só queria tentar perceber como tinham chegado àquele estado. Lembrou-se das palavras de José Saramago no livro “Ensaio sobre a cegueira”, as discrições daquele mundo onde todos estavam cegos... onde não se olhava a meios para atingir os fins. Onde a sobrevivência estava acima da moral. Seriam aquelas descrições tão diferentes do mundo que o rodeava?

A degradação do homem. E no meio da degradação a festa sem fim. A alegria de chegar ao fim-de-semana e voar para outra realidade. A realidade em que são livres e só o samba e o forró tomam conta dos seus corpos. De onde vinha a energia, de onde vinha o espírito, de onde vinha todo aquele calor? Eram perguntas que ocupavam a sua cabeça e para as quais ainda não tinha as respostas. O tempo ainda era muito pouco. Ainda agora tinha chegado a esta aventura. Ainda agora o seu coração batia a um ritmo português. Estariam os brasileiros cegos? Ou ainda se vivia o principio de uma grande cegueira?

2 comentários:

Anónimo disse...

Afinal Fortaleza não é assim tão diferente do Rio. Realidades parecidas com maiores ou menores intensidades.
Um dos mais belos territórios do mundo, um país com um sem número de recursos, um país com as maiores potencialidades, um país com um significativo crescimento económico mas em que a riqueza, desde há décadas, se encontra tão mal repartida. Os que têm muito, têm cada vez mais, os que têm pouco, cada vez menos têm.
Qualquer pensamento de que nesta cidade fosse diferente, estava errado... É assim, tem sido assim e, cegamente, será assim.
Bem haja para os que sobrevivem...
Forró para os que pouco ou nada têm...
Bardamerda para os que tudo querem para si...

Momentos disse...

É curioso como encontramos aqui alguém que deixamos de ver há algum tempo. Talvez desencontros nos encontros.
Abraço