Como teria sido se estivesse perto? A mesma monotonia, a mesma melancolia, a mesma apatia. As horas que passavam por passar. Os dias que seguiam por ser esse o seu destino. E nunca esteve tão certo para afirmar ter tomado a decisão correcta. Estava longe, mudou de lugar, mudou-se a si mesmo. Era esse o grande mote da sua vida. Mudar. Era como um camaleão. Talvez tudo isso se devesse à sua profissão em constante mutação, criação, transformação. Metamorfoses que galopavam umas atrás das outras. Não estava apto para se definir no ontem, no hoje, no amanhã. E este era ele!
Mas a grande contradição da sua vida estava no seu olhar. A luta entre o que desejava ver e o que via, o que desejava sentir e o que sentia, o que desejava viver e o que viva. E só os seus olhos se apercebiam de tudo isso. Só eles tinham a real percepção do mundo que o rodeava. Desejava ser capaz de sentir o mundo de outra forma, da forma que apregoava, mas acabava sempre por lhe dar um tom lírico. Não conseguia subverter os seus próprios padrões.
Chamaram-lhe romântico! Mas romântico como?, pensou. Se ele não sentia o amor como era suposto sentir, como poderiam chamar-lhe tal coisa se o romantismo vinha carregado de regras e conceitos pré-definidos? Tentou perceber tal calamidade. E a única referencia pela qual conseguiu fazer alguma relação foi na pintura romântica. A explosão de cor, sentimentos e fantasias. O sentir pela ponta do pincel a ira, a dor, a loucura, a paixão, a vibração da alma, a alegria, a tristeza, sentir pelo puro prazer de sentir. Sentir sem culpa. Esta seria a maior aproximação que encontrava com o romantismo. Mas seria em todas estas coisas que pensavam quando o chamavam romântico?
E mais um ano estava a terminar. A contagem decrescente havia começado. 10... Era preciso organizar todas as ideias 9... Tentar compreender o que se estava a passar consigo 8... Definir sentimentos 7... Passar a acreditar no “amor”? 6... Não! 5... Acreditar em si 4... Viver sempre mais 3... Ser feliz 2... oh meu deus... é agora 1... Feliz Ano Novo!
“P’ra se viver do amor. Há que esquecer o amor. Há que se amar, sem amar, sem prazer. E com despertador - como um funcionário. Há que penar no amor, p’ra se ganhar no amor. Há que apanhar e sangrar e suar como um trabalhador. Ai, o amor jamais foi um sonho. O amor, eu bem sei, Já provei e é um veneno medonho. É por isso que se há de entender que o amor não é um ócio. E compreender que o amor não é um vício. O amor é sacrifício. O amor é sacerdócio. Amar é iluminar a dor - como um missionário”
From: Chico Buarque - A Ópera do Malandro
Mas a grande contradição da sua vida estava no seu olhar. A luta entre o que desejava ver e o que via, o que desejava sentir e o que sentia, o que desejava viver e o que viva. E só os seus olhos se apercebiam de tudo isso. Só eles tinham a real percepção do mundo que o rodeava. Desejava ser capaz de sentir o mundo de outra forma, da forma que apregoava, mas acabava sempre por lhe dar um tom lírico. Não conseguia subverter os seus próprios padrões.
Chamaram-lhe romântico! Mas romântico como?, pensou. Se ele não sentia o amor como era suposto sentir, como poderiam chamar-lhe tal coisa se o romantismo vinha carregado de regras e conceitos pré-definidos? Tentou perceber tal calamidade. E a única referencia pela qual conseguiu fazer alguma relação foi na pintura romântica. A explosão de cor, sentimentos e fantasias. O sentir pela ponta do pincel a ira, a dor, a loucura, a paixão, a vibração da alma, a alegria, a tristeza, sentir pelo puro prazer de sentir. Sentir sem culpa. Esta seria a maior aproximação que encontrava com o romantismo. Mas seria em todas estas coisas que pensavam quando o chamavam romântico?
E mais um ano estava a terminar. A contagem decrescente havia começado. 10... Era preciso organizar todas as ideias 9... Tentar compreender o que se estava a passar consigo 8... Definir sentimentos 7... Passar a acreditar no “amor”? 6... Não! 5... Acreditar em si 4... Viver sempre mais 3... Ser feliz 2... oh meu deus... é agora 1... Feliz Ano Novo!
“P’ra se viver do amor. Há que esquecer o amor. Há que se amar, sem amar, sem prazer. E com despertador - como um funcionário. Há que penar no amor, p’ra se ganhar no amor. Há que apanhar e sangrar e suar como um trabalhador. Ai, o amor jamais foi um sonho. O amor, eu bem sei, Já provei e é um veneno medonho. É por isso que se há de entender que o amor não é um ócio. E compreender que o amor não é um vício. O amor é sacrifício. O amor é sacerdócio. Amar é iluminar a dor - como um missionário”
From: Chico Buarque - A Ópera do Malandro