O TEMPO NÃO PÁRA

Deveria permitir ao tempo que actuasse. Deveria pedir ao tempo que o deixasse. Deveria implorar ao tempo que parasse. Que o deixasse dormir mais um dia, que o deixasse pensar mais um hora, que o deixasse sentir-se vivo por mais um segundo. Dava por si parado, no decorrer das horas, a olhar para tudo, mas apenas olhar, nada fazia. A casa permanecia desarrumada e limitava-se a apreciar essa desarrumação. E no sono encontrava a paz. De olhos fechados e sem pensar. Adormecer, não acordar, fazer ronha, não se permitir a viver um pouco mais.

Ouvia as palavras daqueles que o rodeavam, ouvia com toda a atenção. Eras opiniões, posições, visões. As palavras não lhe entravam despropositadas. Ele ouvia, mas também tinha a sua própria forma de sentir. E aí residia o maior desafio. Ouvir-se a si mesmo. Encontrar o caminho dentro de si. Explicar aos outros esse caminho? De que serviria? Ele é que o tinha de entender. Ele é que tinha de saber viver com ele. Ele é que tinha de acordar no seu corpo no dia a seguir, e no outro, e no outro e no outro. Mas as certezas já foram mais absolutas, agora eram confusas, dúbias, estranhas, só lhe restava uma certeza: o amor.

Podemos mudar tudo em nós, podemos mudar tudo nos outros. Só não podemos mudar o amor que sentimos. Talvez um dia esse possa desaparecer. Mas isso é um processo. Não o podemos mudar da noite para o dia e quem disser que consegue estará a mentir ou a querer enganar-se a si mesmo. Podemos mudar de opinião todos os dias, podemos mudar de roupa todos os dias, podemos mudar de atitude todos os dois, mas não podemos mudar o coração.

- Acorda e vive a vida, bebe mais um pouco! – disse o tempo.
- Não quero!
- Mas aqui quem diz o que tu queres sou eu.

Como fugir ao tempo? Ele continua a passar...

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