I. A LÍNGUA

Aborreciam-lhe os dogmas do amor, a esquadria perfeita a ser alcançada, as regras que se haviam infiltrado nas cabeças de todos. As histórias contadas quando ainda nem sabia o que eram palavras. E na cama tudo acabava com um final feliz, longe de imperfeições, longe da realidade. E todos os que o rodeavam aprenderam a amar segundo as regras dos grandes clássicos, dos filmes românticos, das músicas de amor. E os mandamentos foram escritos. As regras foram ditadas. Longe ficaram todas as possibilidades de uma experiência que fugisse aos regulamentos. Toda e qualquer outra forma de dizer amo-te sem o dizer. Os gestos estavam estudados, as palavras ensaiadas, era só esperar pelo momento certo para o fazer , dizer e ser feliz.

E a sua cabeça ainda infantil, adolescente, criava encenações perfeitas para o grande momento. Beijava o antebraço para que ninguém soubesse tratar-se do primeiro beijo. Actuava com as paredes para não se engasgar. Olhava-se ao espelho para tomar consciência da sua figura patética, desleixada, gorda. Nunca iria conseguir encarar tal momento. Se é que tal momento fosse algum dia acontecer.

E numa manhã chuvosa, apercebeu-se que o momento estava a chegar. Era agora! Nada podia falhar! O papel estava decorado, os passos milimetricamente ensaiados, a perca da vergonha em relação ao seu corpo... mas onde estava o romantismo, a luz das velas, os violinos? A casa estava silenciosa, a luz estava mais intensa do que nunca, a sua barriga tremia por todos os lados, nada acontecera como planeado... e uma língua entrou na sua boca! (O seu antebraço não tinha língua!)

1 comentário:

Paulo disse...

Obrigado pelo comentário.
O tempo, para mim, urge. Ainda assim não quero deixar "fugir" os dias sem desejar-te um Feliz NATAL e um BOM 2007.
Prometo que vou aqui voltar com + tempo.
Abraço
Paulo