MAIS RECORTES (terceira parte)

Acorda mas enquanto não tomar banho é mal disposto.
Bebe Guaraná mas tem de ser antárctica.
Fuma cigarros mas têm de ser Marlboro.
Come macarrão instantâneo mas tem de ser Cup Noodles.
Usa telemóvel mas tem de ser Siemens.
Troca as pilhas ao rato mas têm de ser As Amarelinhas.
Ouve música mas tem de estar no iPod.
Usa óculos que estupidamente são sempre GANT.
Calça chinelos, mas têm de ser Ipanema.
Apanha o autocarro e nunca paga meia.
Bebe iogurte liquido mas tem de ser com sabor a mel.
Come bolachas mas têm de ser Richester.
Barra-as com queijo creme mas tem de ser Danúbio.
Compra água mas tem de ser Naturágua.
Bebe cachaça mas tem de ser Ypioca.
Usa sabonete mas tem de ser Dove.
Lava o cabelo mas tem de ser Fructis.
Lava os dentes mas tem de ser Colgate.
Usa desodorizante mas tem de ser Nívea.
Perfuma-se mas tem de ser Eternity ou Weekend (o CK1 Electric fica em stand by).
Faz compras mas tem de ser no Pão de Açúcar.
Come rodízio de pizza mas tem de ser no Liuzzi.
Come sushi em todo o lado mas dá preferência à Casa do Frango.
Viaja mas tem de ser pela TAM.
Deita-se mas tem de ser na rede laranja.
Adormece mas tem de ser de barriga para cima.
Ama mas não sabe como amar.

RECORTES (segunda parte - em conversas)

- Quando penso em Madonna penso em ti – disse ela.
- Já não és a primeira pessoa que me diz isso – respondeu.
*
- Já pensaste que o teu problema pode não ser aquele para o qual te estás a focar? Tenta olhar as coisas por outra perspectiva – disse ela.
- E que outra perspectiva seria essa? É que estou completamente bloqueado. Não me consigo libertar desta ideia fixa. Queria poder acreditar que estou bem... mas só me estou a enganar a mim mesmo – respondeu.
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- Porque é que só agora é que ficámos amigos? – perguntou ela.
- A vida tem destas coisas – respondeu ele.
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- Ai o meu pé! Acho que quebrei o pé! – gritou ela.
- Dá-me as chaves do carro... vou levar-te ao hospital – afirmou ele.
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- Para garantires uma amizade tu e a outra pessoa têm de passar em três testes: A doença, uma viagem e um momento difícil – disse ela.
- Já passámos por duas. Só falta a viagem – disse ele.
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- Acabei com o meu namorado mas foi tranquilo. Nenhum dos dois chorou. Eu só chorei depois que virei costas. Ele agradeceu-me por todos os momentos que eu lhe tinha proporcionado e eu agradeci-lhe também. Afinal já namorávamos há três anos – contou-me ela.
- Mas estás feliz? – perguntou ele.
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- Eu adoro andar por esta rua, mas tenho que confessar-te que odeio esta cidade – disse ela.
- Não ponhas as coisas nesses termos... nem sabes as saudades que eu vou sentir disto – respondeu ele.
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- Quando chegar o momento tu vais saber – afirmou ela.
- Quero acreditar que sim – disse ele.
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- Quando disseste na aula que eras uma pessoa de paciência eu não acreditei. Mas agora estás a irritar-me... acaba lá isso que eu quero ver isso pronto – disse ela.
- Quando se trata de pintar posso ficar horas debruçado no mesmo traço – disse ele.
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- Se continuares aos pulos vais cair – disse ele.
- Não vou nada! – e caiu estatelada no chão. Desataram-se a rir.

RECORTES

Estava na banheira, a acabar de passar a roupa lavada por água, quando sentiu um cheiro familiar entrar-lhe pelas narinas. Era o cheiro da casa algarvia onde costumava ir passar uns fins de semana. Naquele momento recordou todos os momentos que passou lá, O que seria feito dessa casa? Ainda teria as grandes almofadas azuis na sala que tantas brincadeiras lhe proporcionavam em construções de casas e labirintos? Tinha saudades desses tempos em que tudo era possível. Se hoje se pusesse a montar casas com almofadas seria dado como louco.
*
O café era às quartas-feiras. Saciava o seu paladar com cafés, mocas, cappuccinos, batidos de gelado, bolo de chocolate, pãezinhos de queijo, montaditos, mas o mais importante eram as pessoas que o rodeavam. As mesmas que tanto medo teve de não lhes poder dizer o quanto as adorava quando sentiu real o pesadelo da noite anterior. Mas foi só um pesadelo. Na próxima quarta-feira estaria lá.
*
“Se a voz da noite responder. Onde estou eu, onde está você? Estamos cá dentro de nós... sós...”
*
Voltou a ganhar o hábito de adormecer ao embalo da música: Regina Spektor (Begin to Hope), Ana Carolina (Perfil), Maria João e Mário Laginha (Undercover), Claude-Michel Schonberg (Miss Saigon), Patrick Wolf (Magic Position), Phill Colins (Tarzan: The Musical), Stephen Schwartz (Wicked) e Jonathan Larson (Tick... Tick... Boom!). E assim embalava as suas noites juntamente com a brisa do vento que salvava as noites de calor.
*
O vento já não trazia notícias como antigamente. As coisas mudaram, estavam diferentes. Restava-lhe agora o silêncio e a esperança.

GATO E AFINS

A sua pele cheirava a Primavera – havia colocado o ck one electric que estava, intocável, na prateleira desde que ali tinha chegado. O seu cheiro fazia-lhe lembrar delicadeza o que acabou por não combinar com a temperatura indelicada que se fazia sentir por ali. Mas naquele dia resolveu colocar um pouco, algumas gotas, para sentir o aroma primaveril, para se deixar sonhar com o canto dos pássaros, com o cheiro das folhas, com a brisa aconchegante. Naquele dia iriam festejar mais um mês na sua relação, isto, se não tivessem terminado. O engraçado é que ele nunca ligou a datas, nunca se importou com isso, e agora que já não tinha que se importar lembrava-se de todas elas. Ligou o computador e não encontrou nada de novo, as coisas do costume, os e-mails reencaminhados, as news letters que já esperava receber, mas nada especialmente relevante. Nada a não ser as notícias do seu gato pachorrento, adorado, branco, barrigudo de pelo lacrimejado. A ideia de não o voltar a ver, de não o voltar a tocar, de o saber tocado deram-lhe voltas ao estômago. Se ao menos os gatos pudessem escolher com quem ficar...

Ainda se lembrava do dia em que chegou, pequeno, assustado e se escondeu atrás da máquina de lavar. De como se assustava com os barulhos da rua, com os barulhos da black&decker do seu pai a pendurar o varal dos cortinados. De como adormecia junto a si, logo desde cedo, de como se sentia confortável nos seus braços, das brincadeiras que o ajudaram a crescer forte. Ele sabia-o vivo e com saúde, mas já não estava ao pé de si. Agora restava-lhe sentir o cheiro primaveril de quando ele havia entrado na sua vida, de quando lhe dera um nome.

FOR GOOD

E: I'm limited. Just look at me. I'm limited. And just look at you. You can do all I couldn't do.

L: I've heard it said that people come into our lives for a reason. Bringing something we must learn. And we are led to those who help us most to grow if we let them and we help them in return. Well, I don't know if I believe that's true but I know I'm who I am today because I knew you. Like a comet pulled from orbit as it passes a sun. Like a stream that meets a boulder halfway through the wood. Who can say if I've been changed for the better? But because I knew you I have been changed for good.

E: It well may be that we will never meet again in this lifetime. So let me say before we part. So much of me is made of what I learned from you. You'll be with me like a handprint on my heart. And now whatever way our stories end I know you have re-written mine by being my friend... Like a ship blown from its mooring by a wind off the sea. Like a seed dropped by a skybird in a distant wood. Who can say if I've been changed for the better? But because I knew you

L: No, because I knew you

E: I have been changed for good. And just to clear the air I ask forgiveness for the thing I've done to you.

L: But then, I guess we know there's blame to share

E: No...

L: And none of it matter anymore

E: Because I knew you... I have been changed for good.

O LAGO

Era o dia de descanso. Não haviam planos para aquele dia mas mesmo assim acordou cedo, nunca se sabe o que esperar de um dia de descanso sem planos. A manhã mal tinha começado – os primeiros raios de sol apareciam lá ao fundo, perto do lado. Sacou da máquina fotográfica e disparou. Bocejou, ainda era muito cedo. Perguntava-se porque carga de água tinha-se ele levantado àquela hora? Mas sentiu-se satisfeito por não ter perdido aquele amanhecer. Algumas nuvens encobriam o degrade que ia do laranja ao azul ainda adormecido. Lá ao fundo, o mar permanecia cadente, as ondas ritmadas, nada de novo, não estava a acontecer nada. Só mesmo ele é que estava acordado no dia de descanso. E a luz ia aumentando de intensidade. Na noite anterior havia estado a pintar, deixara-se assim pois isso relaxava-o. Fundiram-se todas as cores pelos pincéis manobrados pelas suas mãos. Umas cores mais fortes, outras pastel. Mas o traço fluía, e ele deixava-se ir.

Resolveu sair de casa, todos os preparos foram feitos, o banho gelado, a roupa lavada, o cabelo penteado. Naquele dia resolveu ir visitar o lago. O céu agora vibrava de um laranja mais intenso. Sacou de novo da máquina e fotografou. Ficava triste por a sua máquina não acompanhar todos os degrades na devida qualidade que os seus olhos viam. Caminhou durante algum tempo, mas não o suficiente para o dia ser dia. Chegou ao lago e este estava aparentemente largo. Eis quando surgiu um cisne, de plumagem branca e olhos negros. Ficou a olhar para si. Dos seus olhos escorriam lágrimas. Porque chorava o cisne? O que escondia o seu coração? Eis quando o cisne se transformou numa bela mulher.

- Esta noite vou morrer. Ainda queres saber porque choro?
- Vou ficar aqui e não permitirei que tal aconteça.
- Tu estás aí mas não estás aqui.
- “O homem destinado a morrer queimado nunca morrerá afogado”. E se o teu destino não for esse?

O dia nasceu com toda a sua força e uma luz forte invadiu o lago e a mulher voltou a ser cisne. Era o seu dia de descanso e resolveu ficar à beira do lago, à espera do que fosse acontecer. As horas foram passando e o cisne continuava no lago, a dançar de um lado para o outro. Os seus olhos foram pesando, tinha acordado deveras cedo. E pesaram tanto que adormeceu. Quando acordou deparou-se com um lago vazio, sem água nem cisne. Qual teria sido o seu destino? Se eu em vez de estar aqui, estivesse ali, pensou ele. Foi quando olhou para o céu e viu um cisne de plumagens brancas e olhos negros voar em toda a sua majestade. O destino prega-nos cada partida, pensou.

- Voa Fernão! – riu-se, sempre quis dizer aquela frase.

AO TELEFONE

“Consegues imaginar um pôr do sol lindo todos os dias? Poderes assistir a esse fenómeno directamente da janela do teu quarto?” Aproveito e deixo-me a olhar por uns minutos. “As cores misturam-se no céu em tons vermelhos, alaranjados, violetas e roxos. É lindo. Por exemplo, hoje o céu está roxo. Fico bem disposto.” Ele responde qualquer coisa do outro lado. “Mas o que me entristece mais é saber que tudo isto não passa de um sonho. Um sonho maravilhoso onde sou feliz. O meu corpo emana e recebe energias positivas de todos os lados. É um poder que me toca a mim, que te toca a ti, que toca a toda a gente. Toda a gente devia passar por uma experiencia destas.” Ele responde qualquer coisa do outro lado. “Estou decidido a fazer as minhas tatuagens. Eram para ser duas, mas como os tatuadores são supersticiosos, lá terei de fazer três. Eu não diria que eles são propriamente supersticiosos, eu diria que eles têm alma para o negócio. Compre três pelo preço de três.” Ele ri do outro lado. “Acho que ainda não te tinha dito mas vou para Buenos Aires. Decisão de última hora. Fui ontem comprar o bilhete. A senhora da agência estava maravilhada com o sotaque português. E fartou-se de falar comigo só para me ouvir. Como se eu fosse o entertainer dela. Mas não fiquei chateado com isso. Ela era extremamente simpática e tinha um sorriso delicioso.” Acendo um cigarro enquanto ele comenta o que acabei de dizer. “Tens de deixar de carregar tanto peso nas tuas costas. Esquece os outros e pensa em ti. Eles não se esquecem deles e não pensam em ti... porquê incomodares-te com isso? Já é tudo crescidinho. Eles sabem o que fazem. E tudo na vida tem as suas consequências.” Ele concordou comigo. “E nós sabemos disso...”

WE ALL GET IT IN THE END

“Deixei de ouvir as coisas que digo. Digo, digo e não sei mais o que digo. Tento encontrar a lógica às coisas, tento analisá-las o mais correctamente possíveis, tento que façam sentido, qualquer sentido. É o medo da solidão que nos assombrou, a mim e ao mundo. Tudo a nossa volta não passa de uma selva de imagens, um conjunto de conceitos mesclados por um pincel outrora divino, hoje terreno. O mundo ao homem pertence. Tento ver-me daqui a vinte, trinta, quarenta anos e não consigo sequer imaginar naquilo que me vou tornar, mas continuo a ter os mesmos sonhos de quando era criança. E enquanto o mundo cai à minha volta os sonhos continuam os mesmos. Todos nós temos um sonho. Mas isso só fará sentido se ele nunca se concretizar. O que acontecerá depois? Depois dos sonhos cumpridos não resta nada. Nada! E voltamos ao vazio e à solidão interior.”

Foi quando se sentou e parou um bocado que se apercebeu da despedida. Tinham todos ido embora e a casa estava de novo silenciosa e vazia. O vento percorria todos os cantos da casa, levando consigo as coisas frágeis e soltas espalhadas pela casa. A louça estava lavada, apenas o copo de Coca-Cola permanecia em cima da mesinha de cabeceira. No chão estavam os resquícios da roupa usada na noite anterior e na cama uma toalha molhada do banho. Tinha medo de voltar...

“Como seria perfeito se a minha vida tivesse a mais bela das bandas sonoras.”

Sentado numa cadeira começa a dedelhar na guitarra. Elas preparam os violinos e a melodia começa a compor-se. Vestido de seda levanta-se e... - We all bear the scars. Yes, we all feign a laugh. We all cry in the dark get cut off before we start. And as the first act begins you realize they're all waiting for a fall, for a flaw, for the end. There's a past stained with tears could you talk to quiet my fears. Could you pull me aside just to acknowledge that I've tried. And as your last breath begins contently take it in cause we all get it in the end. And as your last breath begins you find your demons your best friend… and we all get it in… the end. - Entra a banda pela sala a dentro e ele agarra no megafone - And as your last breath begins you find your demons your best friend… and we all get it in the end. Everybody... we all get it in the end... yes we all get it in the end. And as your last breath begins you find your demons your best friend… and we all get it in... we all... we all get it in the end... yes we all get it in the end.

MAGPIE numa noite de chuva

Magpie, was it you who stole the wedding ring? – Um sino, depois umas notas leves ao piano, seguido de uma escala decrescente no violino e a chuva caindo lá fora – or what other thieving bird would steal such hope away? – Amanhã tenho tanta coisa para fazer, um desfile para preparar e só me ocorre que ainda não pus a máquina fotográfica a carregar e falta gravar o CD com a trilha sonora. Não consigo dormir, não consigo levantar-me e tenho calor – Magpie, I am lost among the hinterland – Comprar veludo vermelho para fazer os cortinados do quarto – caught among the bracken and the fern, and the boys who have no name – Porque é que eu não consigo parar de ouvir Patrick Wolf? – There’s no name for us but still we sing – Como chamar as coisas que não têm nome? Atribuindo-lhe um nome? Ou simplesmente não chamando? – and still we sing – Mas mesmo sem nome as coisas continuam a existir – Little boy, little boy, lost and blue – Vou à cozinho e bebo um copo de água gelada, a única coisa que me faz manter vivo – Listen now, let me tell you what to do – Volto para o quarto e resolvo dormir na rede, fico mais perto da janela, mais perto da brisa… – You can run on, run along or home between the knees of her – …mais perto do oceano – All among her bracken and her ferns and the boy will have a name – Não me protejo da chuva que entra pela janela, não é ela que me incomoda – And we will sing – Porque não consigo dormir? Amanhã tenho de entregar a pesquisa de figurinos – And We Will Sing – Levanto-me e volto para o computador. Encho o google de pesquisas e vou fazendo o download de todas as imagens para a minha pen – One for sorrow – Relembro os tempos em que fazia ballet – Two for joy – Dá-me a saudade – Three for a girl – Onde ficaram? – Four for a boy – E se eu não conseguir mais acreditar no amor? – Five for silver – Volto para a rede e deixo-me a balouçar – Six for gold – E o CD está quase no fim, mais uma vez, pela décima segunda vez – Seven for a secret – Sem que me aperceba os olhos começam a fechar – Never to be told.

CHUVA FUTURISTA

Lá fora a chuva caía torrencialmente e um barulho ensurdecedor entrava pela janela do seu quarto. A noite já estava posta e os candeeiros da rua comprida estavam mais uma vez iluminados para dar um sentido àquela vista. Mais um dia de Inverno de calor infernal. Naqueles lados o Inverno virava inferno. E nada mais havia a fazer que refrescar a sua boca em água gelada e acreditar que uma brisa iria correr. Naquela noite tinha-se deliciado com corações de galinha e macarrão instantâneo com sabor a camarão – devaneios de cozinheiro desajeitado e autodidacta. Estava a tentar deixar de roer as unhas, mas a cada momento em que olhava para o lado dava por si com os dentes raspando mais um bocado de uma unha. Não tinha jeito. Era o stress do dia-a-dia, da vida, da sua cabeça. Se as unhas reflectissem o seu pensamento... estava decerto bem escavacado, torturado, com um aspecto medonho. Estava na hora de melhorar a situação. Sempre acreditou que o corpo de uma pessoa conta a história da sua vida, algumas coisas reflectem o passado, outras o presente e há quem diga que na palma das nossas mãos se encontra o futuro. Mas se o futuro fosse assim tão gratuito qual seria a piada da vida? A diferença seria na troca das angustias. Hoje angustiados pelo desconhecido, amanhã pelo conhecido. Venha o diabo e escolha o melhor. Futuros à parte... o presente continua a acontecer.