Acção passada sábado dia 14 de Junho de 1997
Quando Rodrigo é um ombro amigo

João e Rodrigo conheceram-se na faculdade de letras no início do ano mas mal se falavam. Talvez o facto de ambos serem gays, e de João ainda estar mal resolvido consigo mesmo e com a sociedade, os tenha afastado. Iam falando aqui e ali mas sempre sem tocar na intimidade. Mas no sábado, dentro da discoteca, João precisou de um ombro e por sorte Rodrigo estava lá.

- Preciso de desabafar.
- Força.
- Acabei de trair o meu namorado em frente à melhor amiga dele e não sei o que fazer.
- Para quem tem medo que se diga gay ao seu lado e que é incapaz de abraçar o namorado em público estás muito saído da casca.
- Poupa-me os moralismos. Eu sabia que não devia ter vindo falar contigo.
- Desculpa. Não foi por mal. Mas é que mal me falas na faculdade, talvez por eu ser muito efeminado, o que não acho que seja... mas no entanto quando procuras alguém para falar eu já existo. Mas não te critico por isso. Não é fácil assumir. Mas vamos lá ao teu problema. O que tens de fazer agora é contar ao teu namorado e depois logo vês como ele reage. Presumo que vocês tenham uma relação fechada certo?
- É claro que temos uma relação fechada. Eu não gosto dessas coisas de relação aberta. Isso é só para gente promiscua.
- É? E no entanto acabaste de te envolver com outro. Qual é que foi a parte que eu não percebi.
- Eu amo o meu namorado e ele agora vai odiar-me.
- Mas eu não estou a dizer que não o amas. Simplesmente foste tentado por outra pessoa e, por azar, a melhor amiga dele estava a ver. Porque se não tivesse estavas mais descansado e ele nunca chegaria a saber e tu nunca tinhas vindo falar comigo.
- És mesmo parvo tu.
- Eu simplesmente gosto de olhar para as coisas como elas são. Pode até ser verdade que amas o teu namorado, mas tens vontades de experimentar outras coisas. E as duas coisas ficam complicadas de gerir e fazer essa escolha é uma coisa complicada.
- Não percebes que isto foi um erro.
- É claro que foi um erro – disse em tom de gozo – um erro que te estava a saber bem!... não fossem os olhos alheios.
- Estou fodido não percebes! Acabei de arruinar a minha vida e estou prestes a perder a pessoa que mais amo.
- Mas a escolha foi tua. Uma escolha que começou no momento em que decidiste ter uma relação fechada com o teu namorado e quebraste esse acordo metendo a tua língua dentro da boca do outro.

João, que não estava a gostar da conversa, virou costas e foi embora. Rodrigo ficou a pensar na hipocrisia das pessoas.

5 comentários:

Debora Silva disse...

Hipocrisia .. inversamente proporcional a ideologia.
E se não é assim ao redor do mundo todo, hein???
E esse sotaque que pude escutar .. vc não me sai da cabeça portugues!!!
Te amo..adorei os recados no blog!!!
Não posso mais esperar pelo momento em estarmos juntos novamente!
Eu te amo. Com todo o meu coração!!!!
"...metendo a tua língua dentro da boca do outro."
- sabe q eu te vi aqui na minha frente dizendo isso, neh??!!.. hahahaha lindooo!

Anónimo disse...

São escolhas de facto e a vida é feita delas. E essas escolhas por vezes saiem-nos mto caro. Em função de momentos de prazer podemos perder a pessoa que amamos. Um dia mais tarde talvez nos venhamos a arrepender e aí seja tarde. Aí talvez nos venhamos a aperceber q o maior prazer da vida é ter ao lado quem amamos e n o prazer momentâneo e fugaz da atracção fisica.
Aqui o grave n é o facto da melhor amiga do namorado ter visto, é ele tê-lo feito. Isso sim deveria fazê-lo sentir-se mto mal, nao a amiga do namorado poder contar-lhe ou nao.
Conheço alguns casos de traições e mesmo de casais que assumem envolverem-se com outras pessoas e parece-me que nos homossexuais é prática de certo modo corrente, não posso afirmar com certeza e peço desculpa se estou enganada. Mas não os recrimino se ambos o aceitarem, as tentações são muitas e cada um sabe de si, mas pelo que vejo e nem precisaria de ver, são jogos perigosos a todos os níveis, psicologicamente e fisicamente perigosos. Os que conheço acabaram sempre mal e com maior sofrimento do que o prazer que proporcionam tais práticas momentâneas. Valerá a pena perder quem amamos em função das tentações? Não creio e considero ser até vazio e deprimente se João entrar por tal percurso. Deitará fora alguém que ama por causa de uma coisa física.
De qualquer forma o João assume que cometeu um erro e talvez o seu namorado o perdoe. As pessoas cometem erros e há que dar uma segunda oportunidade. Só espero que o João não volte a repetir, aí sim é muito grave e indesculpável. Devia pensar nos sentimentos do seu namorado que diz amar. Voltar a faze-lo é isso sim hipocrisia e falta de sensibilidade para com os outros.
Espero por novos desenvolvimentos da história e espero q não acabe bem, que o amor vença. Na vida real não acabaria bem se o caminho do João for este.

Fractal SMOG disse...

Pedro... Tenho a certeza de uma coisa: vou cá voltar mais vezes!!!

E quanto ao João, crescer um bocadinho e assumir aquilo que se faz não mata ninguém!!!!

Luís Galego disse...

aos 33 do jantar…

De palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos

e canta
o êxtase do dia.
Eugénio de Andrade

É verdade que é importante conhecer a cara de quem escreve. É curioso saber a quem confiamos alguns dos nossos segredos. É bom partilhar ao vivo o que vamos repartindo por via das palavras escritas. Saboreei o jantar de bloguers, o meu primeiro, e gostei de conhecer todos aqueles com quem tive oportunidade de trocar algumas palavras. Só conhecia uma das pessoas, por sinal um ser humano excepcional, uma espécie de patrono/bastonário destas lides blogsferianas: o famoso Pinguim, o João do Dejan. Percebi por que o blog do Paulo e do Zé se chama Felizes Juntos. Não há dúvida. Aqueles dois críticos da política educativa que se vai vivendo transpiram algo que me foi muito agradável registar. Oferecer a todos Clarisse Lispector foi, igualmente, um amável presente e um sinal de generosidade literária por parte daqueles dois homens das línguas e literaturas modernas.
Grato!!!

Pedro Eleutério disse...

Loira: em memória do nosso CAZUZA - "Ideologia, eu quero uma para viver".

Maria: Nesta história existem muitas coisas graves, mas acho que a mais grave delas todas é a falta de sinceridade que às vezes as pessoas têm, de serem sinceras com elas mesmas e com os outros. Em relação às relações abertas, não sei dizer se é mais comum nos homossexuais ou heterossexuais, talvez os gays o assumam mais facilmente publicamente, também não sei. O João é personagem secundária nesta história e confesso que não pensei muito no que lhe irá acontecer mas vou reter os teus pontos de vista para futura continuação da sua história.

fractal smog: Obrigado pelo comentário e fico contente de teres essa certeza.

luís galego: Eu acabei por não estar presente no jantar mas apenas no Maria Lisboa, mas com uma coisa concordo contigo, o joão é um ser humano excepcional.