Acção passada sexta-feira dia 14 de Julho de 2006
Quando Rodrigo se revela um “génio”

Estava uma noite de verão esplendorosa, a brisa quente que corria tinha a temperatura ideal, e na rua tudo parecia calmo. Dentro do apartamento, António e Rodrigo conversavam calorosamente sobre arte depois de alguns copos de vinho.

- Não é interessante o acto de recolher? - disse António. - A ideia de te surgir um objecto à frente, que outrora teve um significado mas que tu lhe vais dar outro. Assim, um objecto caído no esquecimento para alguém passa a ser a tua lembrança. E esse objecto pode adquirir o valor que tu lhe quiseres dar. Por exemplo, encontras uma banheira antiga na rua e esta pode tornar-se a tua mesa. Metes-lhe um tampo de vidro e até podes decorar com coisas no seu interior.
- Sim, tudo bem, mas porque é que coisas dessas têm de ir para um museu? E já somos todos artistas, é isso? O tempo que se perde com essas merdas para que mais tarde tudo isso se torne o novo lixo. A vida já está cheia demais para que se perca tempo a encontrar um significado para um conjunto de talheres amolgados e amontoados em cima de um barril de vidro com uma luva de médico lá dentro. Os artistas gostam muito de criar a arte do fogo de vista para tapar a poeira dos verdadeiros problemas.
- A arte não tem só de existir como intervenção social. Aliás, se há algo que tem mais significados e caminhos possíveis é a arte. É essa a sua beleza. Para que serviria a imaginação se não a pudéssemos usar?
- Mas porque é que não se admite que uma banheira com um tampo de vidro é uma banheira com um tampo de vidro! Não é por ter um significado ao lado que eu vou adorar mais ou menos. Eu até acho que na arte nada devia ter nome ou explicação. Se assim é eu também faço uma exposição só com banheiras com tampos de vidro e ao lado de cada uma punha “A vala: o véu cobre a fossa dos mortos por onde escorrem as verdades que nunca mais serão ouvidas” noutra podia simplesmente estar “Aquário vazio” noutra punha “Mesa”, depois metia uma luz dentro de uma delas e punha “Candeeiro”. Esta agora é boa “Por mais que existam banheiras há pessoas que a elas não podem aceder e mesmo que as vejam vai existir sempre uma barreira invisível entre o homem e a água”. Aposto que os intelectuais iriam adorar a minha exposição – e riu-se que nem um perdido do que estava a dizer – já estou a imaginá-los a dizer «na exposição “A banheira”, o artista Rodrigo Cantareno reflecte o seu crescimento intelectual sobre o pensamento do objecto. A sua genialidade confronta o espectador com uma visão do mundo apurada e incisiva» e o raio que os parta. Os artistas são todos uma cambada de pseudo-intelectuais. Tirando tu que és um querido.

Da cozinha apareceu Filipe:

- Tu estás demasiado bêbado para conduzir. Hoje dormes cá.
- Lá porque estou a dizer verdades já significa que estou bêbado?
- Eu estou-me a lixar para o que estás a dizer, não ouvi nem metade.
- Mas devias – disse António em tom de gozo – este rapaz é um génio artista!

3 comentários:

Anónimo disse...

Interessantissimos pontos de vista. Excelente texto. Parabens.

Pedro Eleutério disse...

Obrigado. Este texto é fruto de muitos anos em aulas de história da arte, teoria da arte, processos criativos e outras que tais onde nos impingem todo o tipo de teorias e mais algumas.

Anónimo disse...

Valeram a pena então.