Acção passada segunda-feira dia 18 de Setembro de 2000
Quando Rodrigo vê tudo por um fio
Parou o carro na rua com vista para o rio, não conseguia conduzir mais. O seu mundo estava de pernas para o ar. Procurou desesperadamente por um cigarro na mala mas antes que o encontrasse desatou a chorar. O seu peito ardia e a sua cabeça parecia que ia explodir. De tanto pensar em tudo já nada lhe fazia sentido. Tudo era espelho de uma insatisfação acumulada ao longo dos últimos anos e de passar a vida a desiludir os outros sem perceber o porquê. Há menos de uma semana que tinha terminado o seu namoro de três anos e essa ideia ainda não estava bem encaixada na sua cabeça... e agora isto! O seu melhor amigo tinha-lhe virado as costas pela coisa mais estúpida.
Rodrigo trabalhava em part-time em eventos para juntar algum dinheiro. E, no último de sábado, um dos seus trabalhos consistia em distribuir amostras de perfumes no jantar de gala a todas as mulheres convidadas especialmente pelo organizador. As instruções estavam dadas e Rodrigo depois de um dia inteiro a montar mesas, arrumar cadeiras e alinhas pratos, talheres e copos estava sem a mínima disposição para sequer sorrir. Foi então que na porta de entrada apareceu João que veio ter consigo.
- Estás bom Rodrigo? Não sabia que estavas a trabalhar aqui. Não podes arranja-me um perfume?
- Não te posso dar nenhum, desculpa. Isto é só para as mulheres especiais. Se não te importavas ias ali ter com o meu colega para ele te levar ao lugar.
Só se voltaram a ver na discoteca no domingo. João fez questão de ignorar Rodrigo à força toda. Rodrigo aproximava-se e João fingia que este não existia e assim foi a noite toda. Segunda-feira Rodrigo confrontou João.
- Porque é o que menino decidiu não falar comigo na discoteca?
- Ainda perguntas?
- Sim, não faço a mínima ideia!
- Por causa do perfume na gala. E eu estava a cagar-me para o perfume, mas foi a tua atitude. O que é que te custava dares-me um?
- Porque os perfumes estavam contados e eram só para as mulheres que foram convidadas especificamente pelo organizador. Eu não acredito que me deixaste de falar por causa disso!
- Mas já passou, já passou – e continuou a fazer o que estava a fazer sem olhar para Rodrigo.
Há três semanas que Rodrigo andava a dormir quatro horas por noite, o trabalho parecia nunca mais terminar, pelo meio uma relação acabada e para culminar esta parvoíce sem sentido. Rodrigo rebentou. Ele só queria ser feliz, ter o amor de alguém, os seus amigos e a sua família. Neste momento só restava a família com quem estava poucas vezes. Sentia-se completamente só, desamparado, jogado a um canto da sociedade. Tudo em que acreditava deixou de fazer sentido, perdeu a noção das palavras: confiança, amizade e amor. Era ele, para ele e por ele. À sua volta tudo parecia invisível, inexistente. Sentia o vazio.
Quando Rodrigo vê tudo por um fio
Parou o carro na rua com vista para o rio, não conseguia conduzir mais. O seu mundo estava de pernas para o ar. Procurou desesperadamente por um cigarro na mala mas antes que o encontrasse desatou a chorar. O seu peito ardia e a sua cabeça parecia que ia explodir. De tanto pensar em tudo já nada lhe fazia sentido. Tudo era espelho de uma insatisfação acumulada ao longo dos últimos anos e de passar a vida a desiludir os outros sem perceber o porquê. Há menos de uma semana que tinha terminado o seu namoro de três anos e essa ideia ainda não estava bem encaixada na sua cabeça... e agora isto! O seu melhor amigo tinha-lhe virado as costas pela coisa mais estúpida.
Rodrigo trabalhava em part-time em eventos para juntar algum dinheiro. E, no último de sábado, um dos seus trabalhos consistia em distribuir amostras de perfumes no jantar de gala a todas as mulheres convidadas especialmente pelo organizador. As instruções estavam dadas e Rodrigo depois de um dia inteiro a montar mesas, arrumar cadeiras e alinhas pratos, talheres e copos estava sem a mínima disposição para sequer sorrir. Foi então que na porta de entrada apareceu João que veio ter consigo.
- Estás bom Rodrigo? Não sabia que estavas a trabalhar aqui. Não podes arranja-me um perfume?
- Não te posso dar nenhum, desculpa. Isto é só para as mulheres especiais. Se não te importavas ias ali ter com o meu colega para ele te levar ao lugar.
Só se voltaram a ver na discoteca no domingo. João fez questão de ignorar Rodrigo à força toda. Rodrigo aproximava-se e João fingia que este não existia e assim foi a noite toda. Segunda-feira Rodrigo confrontou João.
- Porque é o que menino decidiu não falar comigo na discoteca?
- Ainda perguntas?
- Sim, não faço a mínima ideia!
- Por causa do perfume na gala. E eu estava a cagar-me para o perfume, mas foi a tua atitude. O que é que te custava dares-me um?
- Porque os perfumes estavam contados e eram só para as mulheres que foram convidadas especificamente pelo organizador. Eu não acredito que me deixaste de falar por causa disso!
- Mas já passou, já passou – e continuou a fazer o que estava a fazer sem olhar para Rodrigo.
Há três semanas que Rodrigo andava a dormir quatro horas por noite, o trabalho parecia nunca mais terminar, pelo meio uma relação acabada e para culminar esta parvoíce sem sentido. Rodrigo rebentou. Ele só queria ser feliz, ter o amor de alguém, os seus amigos e a sua família. Neste momento só restava a família com quem estava poucas vezes. Sentia-se completamente só, desamparado, jogado a um canto da sociedade. Tudo em que acreditava deixou de fazer sentido, perdeu a noção das palavras: confiança, amizade e amor. Era ele, para ele e por ele. À sua volta tudo parecia invisível, inexistente. Sentia o vazio.
4 comentários:
Gostei imenso deste texto. Os diálogos conseguem mostrar o que a parte final descreve.
Por vezes sentimo-nos assim vazios mas a causa existe, nunca é por acaso.
E infelizmente quando acontece a causa somos nós, a culpa é nossa. E isso ainda nos faz sentir mais vazios.
Talvez ele se sinta assim porque o procurou, pq fez por isso,porque nao soube manter as amizades, o amor, a confiança.
Agora ou vive assim e aprende a viver assim, o que para mim não é viver, ou tenta resconquistar o que perdeu, caso contrario sentirá sempre esse vazio.
Gostei da construção do texto, como tem vindo a ser hábito.
As mudanças são uma constante, só demonstram que ainda não se atingiu o equilibrio necessário para que elas não ocorram. Pelo menos é assim que encaro a minha vida e a vida dos meus personagens.
Quanto ao motivo do "afastamento", parece-me tão ridiculo, o que o torna ainda mais real... Porque de facto por vezes os afastamentos das pessoas devem-se a motivos sem nexo. Mas quando assim é - e o afastamento é efectivo - penso que tal se deve ao facto de a amizade não ser realmente uma boa amizade. Verdadeiros amigos não se chateiam por tão pouco...
Abraço ;
é a primeira vez que te deixo aqui um comentário e gostaria de o fazer com algum sentido, se bem que nem sempre primo pela conexão e coerência verbal.
poderá parecer-te idiota, mas eu nunca me esqueço de uma frase que me disseram e que foi o Rui Zink a dizer. Versa assim: "dois amigos. um de um lado, o outro de outro. Cada um tem de chegar até meio caminho. Se por algum acaso um dos dois se habitua a que o outro faça percurso todo, quando um fizer a metade do percurso, o outro não faz a dele"
Não creio que as coisas sejam tão preto no branco como refere a Maria. As amizades são como bonsais, necessitam de ser cuidadas delicadamente, porque embora a sociedade em geral queira dar a entender o contrário, as pessoas não são máquinas e obviamente possuem fragilidades. Mas nesse cuidado, é necessário existir quem poda os ramos e quem regula as horas de sol a que o bonsai está exposto. Se alguém se esquecer da sua parte, o bonsai fica débil e pode perecer.
Por outro lado, as mudanças ocorrem sempre, quanto mais não seja porque infelizmente já não existe um "emprego para a vida", como nas gerações anteriores. As circusntâncias mudam sim, mas não têm de ser permeáveis a tudo, pelo menos não se não quisermos. O livre arbitrio existe para alguma coisa. Fazem-se escolhas.
E depois, por vezes, caimos no erro de achar que algumas pessoas têm a mesma immportância para nós, que nós para elas. Mas nessas alturas e porque vale a pena lutar, fazer ver que estão a magoar-nos e a serem injustas, tendo em conta a amizade. Há quem se deslumbre facilmente com o que se passa ao redor e esqueça o interior, de uma amizade, da familia, do mundo das emoções.
"there's more to a kingdom than it's king and queen". nunca é preto no branco.
beijinho e desculpa lá o testamento
Maria, sem abrir muito o jogo do que acontecerá à personagem de Rodrigo, só digo que a sua vida vai dar umas reviravoltas que ainda não foram reveladas. Já foram deixadas algumas pistas em textos sobre o futuro mas cada coisa a seu tempo. Nem sempre é possível reconquistar o que se perdeu, porque o que se perdeu nem sempre quer ser reconquistado. Mas em 2000 Rodrigo tem apenas 22 anos e muita coisa ainda vai acontecer.
Mikael, as minhas personagens também tentam sempre buscar o equilibrio, mas tal como na vida real esse equilibrio só existe momentaneamente e cabe a nós encontrar novas soluções para manter esse equilibrio. E essas soluções passam por encarar as mudanças, por entendê-las.
O motivo do afastamento é tão real que até parece ridiculo.
Cris, obrigado pelo teu primeiro comentário. Efectivamente podemos habituar mal as outras pessoas e por vezes esse é um dos maiores problemas. Começa tudo porque até nem nos importamos de fazer o percurso todo mas leva a um desgaste. Desgaste esse que por vezes se torna irremediável. E efectivamente por vezes achamos que temos a mesma importancia para as pessoas que achamos importantes para nós. E eu tenho vindo a notar que existe um grande receio em expressar certos sentimentos mais de censura com o medo de que a outra pessoa nos vire as costas. Porque, como disse John Cameron Mitchell, o ser humano não suporta a ideia de estar sozinho e por vezes isso torna-se uma verdadeira batalha de campo nos dias que correm. E não tens de pedir desculpas pelo testamento.
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