COINCIDÊNCIAS

Há dias em que acordo e o mundo simplesmente deu uma grande volta... É então que saio para a rua e reparo que o céu está azul, as pessoas andam vestidas e os carros fazem barulho. Como pode isto ter acontecido? Como deixei as coisas chegarem a isto e ter-me deixado dormir? Mas mesmo surpreso com a ideia de estar calor num dia de sol subo a rua e estranhamente encontro-o. Que surreal! Ainda ontem havia recebido uma mensagem a falar sobre ele. Digo-lhe olá, esboço um sorriso e sigo em frente contudo tenho tempo para reparar que usa o mesmo perfume que eu. Volto atrás e pergunto-lhe, Foste tu que me ligaste e não disseste nada? Do que estás a falar, responde ele. Nada, digo eu, esquece, desculpa ter-te importunado, sê feliz. Sigo pela rua fora até ao comboio a ponderar as possibilidades matemáticas da existência de coincidências. E se as coincidências são muitas deveremos duvidar delas enquanto coincidências? Existirão mesmo coincidências ou somos simplesmente nós a criar ilusões onde elas não existem, a criar vendas para os olhos para tapar as coisas mais óbvias?

Quando me sento no banco do comboio já penso no destino e nas coisas que nos estão pré-destinadas a acontecer. Mas ao ouvir o ruído do comboio tomo consciência de que supostamente estou destinado a ir até ao cais do Sodré a não ser que saia antes. Mas se o destino nos leva para onde devemos estar como terei eu livre arbítrio? E será que o destino nos leva até às coincidências, ou simplesmente nos leva a abrir os olhos e a ver a realidade e nós é que nos limitamos a dizer... ah... foi coincidência? Já no cais do Sodré apercebo-me que este tempo todo tenho andado a passar por parvo nas mãos de alguém que me faz acreditar em coincidências... (quando é tudo tão óbvio) e o mais triste é que me deixo consumir. Será o amor também uma coincidência?

Saí da estação e o céu estava verde, as pessoas nuas e os carros deslizavam silenciosamente... finalmente um pouco de realidade!

PUTAS E AFINS (Parte 2 - 4 de 4)

VAI PARA A PUTA QUE TE PARIU
IV. A MÃE
Que puta! E nem em sonhos duvidei.
As histórias dos contos de fadas já não são para uma mãe.
São para as meninas, para as virgens, para as tontinhas, para as coninhas.
Não para uma senhora a quem o ventre foi rasgado à faca a sangue frio
Numa longa manhã de Inverno. Não para mim.
Vi o meu feto ensanguentado e nojento, vi-o assim para dizer nunca mais
Ao descuido prematuro, às emboscadas inoportunas, ao meu amor por ti.
E tiveste logo que te aventurar em putices de menor grau
Como te havia ensinado a repudiar, a rejeitar, a dizer
Um simples e tão útil: Não!
Mas para ti
A rameira sou eu que depositei esperanças e vi-te partir
A rameira sou eu que chorei por ti.
A rameira sou eu que te amo.
A puta que te pariu!

PUTAS E AFINS (Parte 2 - 3 de 4)

VAI PARA A PUTA QUE TE PARIU
III. O MELHOR AMIGO
Já estava de partida quando a porta bateu feroz na moldura.
O trinco fechou e as vozes cessaram, até na televisão.
Tinha estado a ler um livro de terceira categoria que me animava a vista,
Desconcentrava-me do mundo e desejava-me boa viagem.
Partiria para Coimbra no comboio que iria apanhar na estação do oriente.
As despedidas foram por telefone, e por telefone as mágoas,
E os seus seios desnudos plantaram-se na entrada da sala convidando-me.
Vai para a puta que te pariu, como és bela! E eu fui um monstro.
Teci ali o finito de uma relação e o prazer de dois corpos
Em lume brando cativos num quarto triste…
Num jogo novo para estrear.
E o calor da cama estava tão bom!

PUTAS E AFINS (Parte 2 - 2 de 4)

VAI PARA A PUTA QUE TE PARIU
II. A MULHER
O teu melhor amigo é sublime.
O teu melhor amigo é desmedido.
E foi ao teu melhor amigo que me fiz puta pela primeira vez.
E agora que dizes das palavras? Meu amor?
Não corras para a mãe…
Ela já correu de ti há muito tempo quando casaste comigo clandestinamente.
O amor tem destas coisas.
O amor dói.

PUTAS E AFINS (Parte 2 - 1 de 4)

VAI PARA A PUTA QUE TE PARIU
I. O MARIDO
Ainda ontem nos sentámos à mesa e hoje também, que é feito das recordações?
Bastou uma hora para que te enfardasses de mim e o teu corpo expelisse todos os sentimentos.
Só gostava de saber quem é o cabrão!
Quantos minutos fui realmente teu? Gostas de putas? Queres ser uma puta?
Então abre a porta, desce a rua e vende o que ainda resta de ti.
Um corpo asqueroso, inútil, usado, rafeiro, gasto…
Não tentes lavar-te pois há imundices que se agarram para nunca mais largar,
Como a boca que usas para maltratar as palavras.
Elas matam. São mortes lentas. E eu estou a morrer… de ti.

PUTAS E AFINS (Parte 1 - 3 de 3)

MEU AMIGO MEU AMOR
3. A PUTA
A visão de uma puta não passa da visão de uma puta
O amor de alguém não passa do amor por alguém
Sentia na pele os beijos arrastados
Tremia de encanto ao vê-lo enamorado
Sabia o veneno das suas composições
E em todas as posições sentia um aperto

O seu sexo era infantil
Enfatizando em cenários de filmes eróticos
O seu paladar era forasteiro
E o seu coração nunca me pertenceu.

Confissões de uma puta num jornal
Alta, magra, olhos azuis
Corpo afinado e desejos de amor
Sou tua e levar-te-ei ao fim do mundo

E para quê?

A amizade morreu

PUTAS E AFINS (Parte 1 - 2 de 3)

MEU AMIGO MEU AMOR
2. O OUTRO
Meu amigo meu amor temos de conversar
Meu amigo meu amor o tempo está a mudar
O sol lá fora deixou de brilhar
A noite acompanha-nos...
Em momentos de conversas
Horas dispersas

Meu amigo meu amor vamos com atenção
Meu amigo meu amor abre-me o teu coração
Vive comigo uma história de amor
Sente o abraço que tenho para ti
Belas horas passadas no café
a fumar e a beber

O que tu queres tens medo de dizer
O que tu fazes não precisas esconder
Fazes recados... erradicados
De uma sociedade aparentemente feliz
Dou-te uns conselhos... pedidos alheios
Para não deixar o amor morrer

Meu amigo meu amor encosta-te ao meu ombro
Meu amigo meu amor chora o quanto tens direito
A noite vai dentro vestida a preceito
Mas a tua roupa tem gotas do meu sangue
E a tua alma tem o ardor do nosso amor


PUTAS E AFINS (Parte 1 - 1 de 3)

MEU AMIGO MEU AMOR
1. ELE
Putas e rimas num quarto fechado
A porta trancada e um resto de céu
Beijaste-lhe a mão e um sopro apagou a vela
Que a mãe deixou na mesa quadrada
Com fotos escuras tiradas na polaróide
Comprei-ta nas férias do verão em Ibiza
Éramos amigos do Marco e da Rita
Cabelos dourados empoleirados em cordas azuis

Abraças e beijas como um animal
Não ouviste as notícias no telejornal
Não mordas que aleijas os corpos tão puros
Das putas tão virgem
De sexo inseguro

A semana passada não lavaste os lençóis
Cheiravam à Preta dos peitos redondos
E o lenço da Vanda também lá ficou
Entranhado no cheiro do cheiro das coisas
Que guardo no peito só de me lembrar

Vão-se as Putas e as rimas do quarto
Entro devagar para não te assustar
Estás deitado no chão completamente enfrascado
A cabeça no duche de água fria
E o tempo lá fora convida-me a te deixar
Fodido no chão da casa de banho e então?

Não sei do teu livro ou sequer do teu coração
Pela sanita jogaste os dois
Quais dados que dantes lançávamos no casino
A Rute e a Lia faziam por gostinho
Umas vezes na minha e outras na tua
As mães de saída e os pais divorciados

Quem toma conta de ti se eu desaparecer?
Nunca te disse que a puta mais puta sou eu?
A ver-te morrer, a ver-te sofrer, sem nada dizer?
Cara apática, sem expressão de rosto,
Cabelo frisado do dia anterior
E o sangue sujou o chão e então? E então?

Podes sujar que eu limpo
Sempre fui o teu empregado
E o chulo para as putas e a musa para as rimas
E agora solto uma lágrima ao ver-te morrer.

PORQUE É QUE AINDA NOS DAMOS AO TRABALHO DE FALAR?

SÍLVIA Meia hora Lourenço! Mais um minuto e nunca mais terias a minha companhia. Já estava a arrumar a mala. E era escusado telefonar porque eu não iria atender. Consegues perceber o quanto estou irritada? Agora se não te importas preciso de ir à casa de banho.
LOURENÇO
Fico aqui à espera.
SÍLVIA
Tu não sabes o que é esperar!
LOURENÇO Devo pedir alguma coisa?
SÍLVIA
Tu sabes o que eu bebo, não sabes? Então vai pedindo.
LOURENÇO
Gin tónico com 7up…
SÍLVIA E LOURENÇO
Sem gelo!
LOURENÇO
Eu sei.

Sílvia sai.

LOURENÇO Boa noite, são dois gins tónicos com 7up um com gelo e o outro sem. Obrigado.

Sílvia volta da casa de banho.

SÍLVIA Então e ainda andas a comer a cabra da minha irmã?
LOURENÇO
Por amor de Deus Sílvia. Não vim aqui para falar da tua irmã.
SÍLVIA
Então quer dizer que andas!
LOURENÇO Eu não disse isso. Fomos para a cama umas quantas vezes, nada que eu não possa evitar.
SÍLVIA Eu sabia! Não tenho mais nada a dizer. Podes pagar as bebidas que eu vou andando. Sabes sair daqui? Basta desceres pela rua e virares à direita…
LOURENÇO
És sempre assim tão decidida. Pensei que havia em ti uma réstia de sentimentos por mim.
SÍLVIA
Olha lá meu lindo, eu gosto de ti e tu sabes, apenas não gosto do gajo que anda a comer a minha irmã. Fui esclarecedora?
LOURENÇO
O mais possível. Sabes que eu só tenho olhos para ti, mas um gajo tem as suas necessidades. E tu nunca quiseste assumir o namoro. Querias que dissesse o quê à tua irmã? Olha não te posso comer porque ando com a tua irmã mas ela não quer que tu saibas.
SÍLVIA
Então e qual é a rata que mais gostas de comer?
LOURENÇO
Desculpa!
SÍLVIA
Ratas! Nunca ouviste falar. Aquelas fissuras que as mulheres têm entre as pernas e que deixam os homens loucos. (Nunca percebi porque lhe chamam rata!) Queres que te mostre ou tornaste-te num senhor pudico?
LOURENÇO
Estás a passar-te não estás? Mas que merda de conversa para uma noite de sexta-feira. Se era para aturar isto não tinha vindo.
SÍLVIA
Então? Qual é a tua rata favorita? A minha irmã comentou que gostavas de a comer à frango assado. O que não deixa de ser curioso. A mim só me comes de quatro.
LOURENÇO
Desde quando é que vocês falam disso?
SÍLVIA Há muitas coisas que tu ainda não sabes sobre as mulheres.
LOURENÇO
Pelos vistos não. E sim, gosto de comer a tua irmã de frente, pelo menos não tem essas tuas mamas pouco práticas. Nunca discutimos isso antes, mas podias fazer uma operação.
SÍLVIA
Pensava que os homens gostavam de grandes mamas.
LOURENÇO
Grandes mamas sim! Mas estamos a falar da mãe de todas as mamas.
SÍLVIA
Podias ser menos ordinário.
LOURENÇO
Podia!
SÍLVIA
Ordinário!
LOURENÇO
Acho que estás a precisar de outro gin. Era mais um aqui para a senhora. Ainda estou para perceber se gostas realmente de mim. Às vezes penso que estou a perder o meu tempo. Não me dás nenhuma pista e só sabes falar da tua irmã.
SÍLVIA É mais do facto de a teres comido.
LOURENÇO És capaz de falar de outra coisa. Comer, comer, comer. É só isso que te vem à cabeça? Comi a tua irmã como podia ter comido outra qualquer.
SÍLVIA
O que interessa é comer? Certo!
LOURENÇO Eu não disse que o que interessava era comer. Só disse que comi a tua irmã como podia ter comido outra. Se tivesse comido a minha melhor amiga provavelmente não estavas para aí com esse discurso. Podemos passar esta história à frente? Pensa que te conhecia hoje e que te falava de uma ex minha que, por coincidência, era a tua irmã. A vida tem de andar para a frente. Eu amo-te.
SÍLVIA
Estou tentada a acreditar em ti. Eu também te amo. Contudo ainda não esqueci o problema das mamas. São assim tão grandes?
LOURENÇO
Um pouco desproporcionais. Nada que uma operação não resolva.
SÍLVIA
Para ti é tudo uma questão de dinheiro. Já pensaste que posso sentir-me bem com elas?
LOURENÇO
E sentes?
SÍLVIA Deixa de fazer perguntas oportunistas. Sabes bem que odeio as minhas mamas. Podias ser um pouco menos severo comigo. Afinal amamo-nos.
LOURENÇO
Eu não fui severo contigo. Tu é que tens sido severa comigo. E queres saber, gostei muito de comer a rata da tua irmã.
SÍLVIA
És um porco!
LOURENÇO
Então sê a minha porca.
SÍLVIA
Não tens sentido nenhum de romance? Dois porcos são para estar numa pocilga e chafurdar na merda.
LOURENÇO
Então vamos chafurdar na merda.
SÍLVIA
Eu dou-te a merda meu cara de caralho! Julgas que vens aqui, molhas o bico e desandas da minha vida? Eu quero um homem de verdade.
LOURENÇO
E o que faz de mim não ser um homem de verdade para me tornar num cara de caralho?
SÍLVIA
Não digas mais asneiras. Fode-me na casa de banho!

Dentro da box na casa de banho dos homens.

LOURENÇO Porque é que ainda nos damos ao trabalho de falar?
SÍLVIA Para nos sentirmos vivos.