AMANHÃ

E se não houvesse amanhã? Se aquele dia fosse o último da sua vida? Com procederia para com os outros? O que lhes diria? Os seus gestos seriam frágeis ou grosseiros? As palavras gentis ou rudes? Seria ele a mesma pessoa que tinha sido até então? Daria a conhecer uma outra face nunca antes vista? Mostrar-se-ia louco? E se o mundo não acabar? E se a vida continuar? Se as plantas continuarem a crescer e os pássaros a canta? Se o vento continuar a soprar e os planetas a girarem à volta do sol? Se as estrelas continuarem a brilhar e as estações mudarem? O que será de si?

Ele sabia que o mundo não iria acabar amanhã. Não era assim que iria morrer. Não no fim do mundo. E isso, de certo modo, reconfortava-o. Mas que pessoa era ele afinal? Sentia-se estranho na sua pele e ao mesmo tempo magnificente. Dúbias eram as noções que tinha de si. Deixaria ele transparecer isso para os outros? Essa era uma questão que o atormentava. Seria verdadeiro para com os outros nas suas atitudes? Quem era ele afinal? Ao sair-lhe as palavras quereriam elas dizer aquilo que sentia? Não as enrolaria, por vezes, em matagais de paredes, omitindo o seu verdadeiro sentido? Como saberia ele o que lhe dizia o seu coração?

Sentia-se cansado de se atormentar a si próprio com os receios causados por palavras mal entendidas. Senti-se mal em pensar sequer que teria de pensar sempre antes de falar. Sentia-se vivo por tanto sentir, contudo, arrasado por não o poder transmitir em palavras compreensíveis. Sentia, queria sentir mais e mais, mas desejava não sentir coisas que lhe enfraqueciam o coração.

Se o mundo acabasse amanhã? Sentir-se-ia feliz por ser assim.

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