SR. NINGUÉM

Das muitas personagens na sua cabeça, havia uma que muito poucos conheciam: o Sr. Ninguém. E só não o conheciam porque não estavam atentos. Era preciso ter os olhos bem abertos para o reconhecer. Era aquele, no fundo da sala, a fumar um cigarro, vestido de preto a olhar para o chão. Assim se afigurava por não ter a confiança necessária para olhar em frente, olhos nos olhos das outras pessoas. Poderia alguém imaginar que tal pessoa existisse na sua cabeça?

Ao contrario de si, o Sr. Ninguém tinha uma vida um tanto rotineira. Acordava sempre às seis da manhã; Para quê dormir muito? Isto, visto deitar-se às quatro da madrugada. Levantava-se sem fazer barulho e começava a preparar o pequeno almoço, de mesa posta, mas só o comia depois de tomar banho. Lavava os dentes, vestia-se e saía de casa para comprar o jornal. Na papelaria o seu nome era desconhecido. Ele chegava, a senhora dava-lhe o jornal, ele metia o dinheiro no balcão e saia. Durante a manhã dedicava-se única e exclusivamente à leitura. Regressava à casa para almoçar e lavar os dentes. À tarde sentava-se ao computador a escrever. E assim ficava até à hora do jantar. Voltava a lavar os dentes. À noite, deixava-se cair no canto de um bar e ali ficava até ao seu fecho a ouvir as conversas alheias. Até sentir sono deambulava pela cidade, não gostava de andar ao sol; a lua parecia-lhe mais perfeita. Chegando a casa, lavava os dentes e deitava-se a ler um livro até adormecer.

Se perguntarem a alguém se viu o Sr. Ninguém, nem a própria senhora da papelaria saberia responder.

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