E SE FREDERICO LOURENÇO NÃO TIVESSE SOBREVIVIDO? – COMENTÁRIO À ÁVIDA LEITURA DE “A MÁQUINA DO ARCANJO”, UM PROCESSO SEM RETORNO.

Foda-se!, pensou, desta vez tenho que usar um termo ordinário. De outro modo não pode ser. Foda-se! Tinha acabado de ler o último resquício do que lhe havia sobrado de Frederico Lourenço, “A Máquina do Arcanjo”. E nem um oitavo de dia foi preciso para que as páginas fossem devoradas com tamanho prazer. Mais uma vez o termo ordinário lhe ocorria mas absteve-se de qualquer desenvolvimento a esse nível. Um murro no estômago. E tinha-lhe sido servido mais um (livro), que degustara com sôfrega fome, não deixando de sentir todo o seu sabor, com tamanho cuidado e em tom fúnebre de velório. Pois nas últimas páginas arrastava sempre a leitura para que o fim não parecesse tão próximo. E quando terminou só conseguiu murmurar, foda-se! A batida tinha sido funda. Estaria pronto para regressar de novo ao mundo? A encarar da mesma forma tudo o que o rodeava? Tinha lido um coração, o seu coração, tocado por outras notas, desterrado em outros tempos, comummente vivido no mesmo espaço. E no qual ainda habitava, mesmo que por pouco tempo, até partir e deixar Algés, a Av. das Descobertas, o Restelo, Cascais, Lisboa... Se o tempo não fosse o que os separava e o espaço irreconhecível aos seus olhos, as memórias não diferenciavam assim tanto. Foda-se! As suas últimas palavras, em tempo as primeiras, deixaram-no perdido, no chão da sala vermelha do qual, furiosamente, arrancara o tapete preto roçado pelo tempo, para que apenas se conseguisse levantar e andar em direcção à cama, do quarto laranja, onde fechou os olhos e não adormeceu. Raios parta o amor e a sua expressão maquiavélica que damos uma vida inteira para a controlar sem nos apercebermos de que morremos ao tentar fazê-lo. E tudo deixa de ser uma questão de viver mas de sobreviver. A constante tentativa de sobrevoar por nós a epifania do século que a ciência vai explicando aos poucos por intermédio de nomes longos, estranhos e insignificantes ao comum dos mortais. E o passatempo torna-se um jogo, e o jogo torna-se viciante, e o vício torna-se doentio, e a doença torna-nos fracos, e a fraqueza não é mais que um passatempo que nos demos ao luxo de ter. E, se bem se lembrava, não existia nenhuma bem-aventurança que dissesse: Bem-aventurados os fracos, pois foram corrompidos pelo amor! E só restavam agora as lágrimas pois, Bem-aventurados os que choram, pois Deus os consolará.

“Felizmente sobrevivi”

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