A LISTA

Se não conseguia olhar para o céu azul com a mesma inocência de criança, também não podia pedir a uma criança que fizesse uma dissertação sobre Camões. Perdeu-se na ideia da impossibilidade de voltar a sentir o passado como se do presente se tratasse. A essa função estavam destinadas as memórias. Positivas ou negativas elas haviam moldado o seu mundo, a sua cabeça, a sua vida.

Pensava nisto porque se ia embora. Pensava nisto porque iniciara a lista das coisas que levaria consigo. A lista que determinaria o que ia e o que ficava. E as memórias iriam consigo mas apenas como momentos fotografados na sua mente. Uma biblioteca que pegara fogo deixando apenas algumas histórias completas, outras em frases soltas e as restantes desaparecidas nas cinzas.

Era a distância que tornava as coisas importantes. Só o afastamento poderia tornar um momento histórico. Diz-se de alguns momentos: vai ficar para a história! Mas só quando criamos o intervalo necessário entre nós e esses acontecimentos é que eles se tornam, efectivamente, históricos. Perguntava-se o que iria ficar na sua mente com a distância. Do que se iria lembrar? Do que se iria recordar? Quais as histórias que iria contar quando chegasse ao novo mundo?

E a lista continuava a crescer.

- Isto fica... isto vai... Não me posso esquecer de comprar um bom dicionário de português para levar. E também quero ver se faço uma selecção de livros. Mas os livros são pesados. Vai ter mesmo de ser uma selecção rigorosa. É difícil. Isto definitivamente fica. Isto vai...

Sem comentários: