TODOS DIFERENTES, TODOS DIFERENTES (ESPERA! NÃO DEVERIA SER TODOS DIFERENTES, TODOS IGUAIS? JÁ NÃO SEI!)

Ao longo desta caminhada, tanto histórica como de reflexões, várias têm sido as personagens que cruzaram o seu caminho: o Sr. Ninguém, o falecido avô, o miúdo das estrelas, a cigana de Belém, Lourenço e, numa componente mais literária, o escritor Frederico Lourenço. Hoje, pretendo juntar uma nova personagem, muito importante na sua vida e que o tem acompanhado ao longo dos anos, habitando e partilhando consigo a casa e a vida: o seu amor.

Regressado de viagem, estava de volta nos seus braços, na sua companhia, na sua afeição, na sua vida... não era um amor qualquer, era um amor oblativo. A única barreira que, agora, os separava era a sua própria viagem. Aquela que iria realizar em breve sem data marcada de retorno. Era, de certo modo, um susto para ambos. As separações são sempre momentos críticos assim como as uniões. E num misto destes dois sentimentos relato aqui o dia em que os dois se voltaram a cruzar nos olhares. Assim o conto para que possa levantar questões que, invariavelmente, levarão a outras questões.

A problema primordial debate-se na questão do porquê das pessoas se aborreceram umas com as outras. E, usando-me das palavras da Regina Spektor, traduzindo-as de uma forma possível e, sem intenção disso, mas acabando por lhes destruir qualquer sentido no contexto onde se inserem, mais não seja pela não intenção de plantar-vos aqui a letra toda, é a partir das suas palavras que pretendo iniciar a minha exposição relativamente ao tema.

“As pessoas são apenas pessoas, não o deviam deixar nervoso. O mundo é perpétuo, ondulante em si, vem e vai, e se não sacudisses os teus plásticos as ruas não terias tanto plástico. E se o beijares, os dois estarão a ser práticos, pois as pessoas são apenas pessoas, as pessoas são apensas pessoas como tu.”

Então porque é que o seu amor não o abraçou convenientemente? Porque não o abraçou da forma que duas pessoas que se amam se abraçam? E porque é que isso o aborreceu? Por um lado, as pessoas eram apenas pessoa, não o deviam deixar nervoso! Mas avaliando correctamente a questão apercebeu-se que, por outro lado, as pessoas eram mais do que pessoas. E, extrapolando a questão para lá do seu amor, abraçando também a amizade, as pessoas passavam, com o tempo, a significar mais do que corpos físicos presentes ao seu lado. Não era só matéria palpável que o emocionava, mas toda a componente extra-física, invisível, emocional, energética, sensorial que o inundava de excelso prazer quando sentia desenvolver por outrem algo mais do que vê-las como simplesmente “pessoas”. Aqueles momentos graciosos em que se deixava envolver por simples palavras conjugadas, por simples gestos ingénuos, por simples sentimentos verdadeiros. Era essa a plenitude da amizade e do amor que tornavam as pessoas algo mais do que simples “pessoas”.

Voltando à história do seu amor, porque me parece justo que se explique aqui o que aconteceu às duas personagens antes que exponha as retóricas questões, ao chegarem a casa depois de uma viagem de carro, ao confrontarem-se sobre os acontecimentos ocorridos no tempo que passaram afastados, embateram contra questões divergentes, as quais já imaginadas pelo seu amor (resultando num frouxo abraço), levaram a algumas horas de debate aceso noite a dentro. E, pondo em pratos limpos o que aconteceu (para que tudo fique esclarecido), a nossa personagem, na ausência do seu amor, foi a um bar de strip, por convite de amigos de ambos, onde assistiu ao espectáculo, participando de alguns momentos. Ora, contado isto, o fogo apoderou-se da casa, de divisões e mobílias coloridas, provocando um incêndio imediato que velozmente se alastrou.

E, de um momento para o outro, ele tinha feito algo que aborrecera o seu amor e o seu amor reagiu de uma forma que o aborrecera a ele... e porquê? O que tinha sido uma noite divertida uma semana atrás, era olhada naquele momento como uma sentença do pecado. Uma mutação de estados vistos à luz de diferentes olhares e perspectivas. E porque se conflituaram eles? Tentou buscar todas as respostas às questões que inundavam a sua cabeça. Mas como qualquer boa questão, as respostas traziam consigo mais perguntas. E, em qualquer possível conclusão, nada mais conseguia do que encontrar uma rasteira no final induzindo-o mais uma vez em dúvidas.

Uma boa resposta plausível poderia prender-se no que concerne ao “respeito” (ponho respeito com aspas na ausência da possibilidade de demarcar a palavra). E, largando assim uma frase solta: As pessoas não se respeitam umas às outras. Mas o problema que esta frase coloca é: O que é ter respeito? O que é respeitar? E como se mede o respeito. Por exemplo, todos nós sabemos que é falta de respeito entrar numa igreja aquando de umas belas férias e falar, no seu interior, como se de um café se tratasse. Mas no que consta a relações, como poderia ele adivinhar que o que fizera iria ser desrespeitoso para o outro? Se para si, assistir a um espectáculo de strip era uma coisa normal, sem maledicência, sem segundas intenções, sem pecado, porque haveria de ter pensado que isso iria magoar o outro? As pessoas são diferentes, pensam de maneiras diferentes e encaram a vida de formas diferentes. Onde encontrar o ponto para que as pessoas não se deixem nervosas umas às outras (quando falo de encontrar o ponto a minha mente viaja para a culinária onde por vezes é preciso encontrar o ponto para não estragar uma receita). Outra coisa que aqui surge é a nossa aprendizagem. Pois diferentes aprendizagens levam-nos a seguir diferentes caminhos e diferentes naturalidades de encarar as coisas. Por exemplo, na Alemanha é falta de respeito falar tudo ao mesmo tempo num jantar de vinte pessoas. Em Portugal, se nos juntarmos só cinco numa mesa para jantar, é certo que mais do que uma conversa se fará ao mesmo tempo sem que isso seja, necessariamente, uma falta de respeito. Chamam-se hábitos de uma cultura. Hábitos que podemos rejeitar, criar, aprender ou desaprender. Isto leva-nos, num âmbito mais universal, a tocar num ponto dúbio que é: Então cada um faz o que quer pois a sua cultura pode tê-lo ensinado assim. Não é isto que quero dizer. O que quero perguntar é se, ao embatermos com algo diferente da nossa cultura, teremos que reagir de forma tão agressiva e afastar qualquer hipótese de compreensão.

Voltando ao problema do respeito e do que é ter respeito, o que para ele estava correcto para o seu amor estava errado (acrescento o seu negativo dizendo que o que para o seu amor estava correcto para ele estava errado, isto para que não exista favorecimento a nenhuma das partes e para que não se pense existir um favoritismo do narrador pela personagem principal). Como concluir então a zanga entre os dois? É aqui que entra a componente do “ceder”. E quem se deve o gesto do ceder? Quem se prestaria a enveredar pela opinião que não é a sua. Quem iria ter a ousadia de entender o outro ponto de vista tendo em conta o erróneo que este o é na sua doutrina? Podíamos seguir para os dois caminhos e explorar as diferentes reacções na cedência de uma e outra parte, mas não é esse o meu objectivo. Pois antes que se divida ao meio tal história, é necessário colocar a questão da sobrevalorização que, implicitamente, está atribuída à pessoa que cede. É sempre um marco importante para um do casal quando o outro cede, atenta, compreende... Mas fará isso com que essa pessoa tenha mais valor do que a outra? Não seria mais justo irem desbravando juntos o caminho de uma relação sem o uso de patamares niveladores. Um conhecimento equitativo de ambos os lados. A imparcialidade a credos anteriores alargando o horizonte para um conhecimento mais absoluto. Então onde está o ponto que deve ser achado por duas pessoas? Onde estava o seu ponto?

Contudo, não deixava de colocar as questões: Porque é que se aborreciam as pessoas? Porque é que incomodavam tanto certos aspectos nelas? Porque é que as pessoas não podiam ser aquilo que queriam sem que isso incomodasse os outros? Serem para ensinarem e aprenderem a ser! Lembrou-se então da história caricata da T-shirt preta com uma caveira que o seu amor comprara e que tanto dava que falar aquando do seu uso. Por amor de deus, era uma T-shirt. Não iria matar ninguém. E para quê tanta conversa. Para quê aborrecimentos, para quê constrangimentos? Era uma T-shirt! E ele iria continuar a usá-la independentemente das opiniões forjadas em tom depreciativo dos seus amigos (pode parecer estranha esta intervenção sobre uma T-shirt na história. Mas referi-me a ela pelo simples facto de uma simples peça de roupa causar náuseas a certas pessoas quando estamos a falar de um bocado de tecido de algodão, tingido de preto, com umas tachas agarradas formando a cabeça de uma caveira. Como apêndice informativo relato a realidade presente londrina, onde a figura da caveira pegou moda e é visível por todo o lado em qualquer acessório de roupa nas mais variadas pessoas. Assim o digo para que se perceba que um texto fora do contexto é motivo para um pretexto. Se ele usasse a cuja dita em Londres seria apenas mais um.)

Só posso concluir que: As pessoas fazem tudo isto para se sentirem vivas.

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