A HORA DO BANHO

Acordar ao som do nada era a melhor forma de não ficar rabugento ao longo do dia. Abrir os olhos naturalmente, espreguiçar-se na cama, deixar os ossos voltarem ao lugar, sentir a luz a entrar pelas frestas da janela, voltar a fechar os olhos, abri-los mais uma vez, levantar-se calmamente e entrar num duche de água fria dando vida a todo o corpo e iniciar o ritmo mental. Dois minutos para a água correr simplesmente pelo corpo. Deixar fluir o liquido transparente desde o topo da cabeça até à planta dos pés. Sentir o corpo a despertar. Passados esses minutos iniciava-se o ritual da lavagem. Tudo no seu devido tempo e ordem. Começava pela cabeça. Nunca por baixo. Isso seria um erro. De que servia começar a lavagem pelos pés se a água que lá chegava teria de passar pelo resto do corpo ainda maculo. O bom começo era pela cabeça. Primeiro o champô, devidamente espalhado, acompanhado de uma boa massagem capilar. Depois o a cara: ramelas, ranho, ranço; e ouvidos. O sabão entra então em acção. Ensaboava a cara e depois enxaguava. Convinha deixar a cara saborear a água por alguns momentos, só assim os poros se aperceberiam que um novo dia estava a começar. O sabão devia descer lentamente pelo pescoço, tronco, axilas, braços, rabo, sexo, virilhas, pernas e finalmente terminar nos pés. Todo este processo era efectuado calmamente, não deixando escapar parte alguma. Demorava em média oito a dez minutos, quando interiorizado e mecanizado. (Ao dizer mecanizado, não deve ser interpretado como rotineiro e sem sentido.)

Se tudo corresse na perfeição, depois de escorrer a última gota do chuveiro, ao poisar os pés nos ladrilhos pretos do chão, já o resto seria tomado com outra consciência. No espelho rectangular, embutido na parede, ver-se-ia um sorriso estampado no rosto. Este era o começo perfeito para o seu dia.

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