À MESA
DOIS HOMENS
PRÓXIMO CAPÍTULO
Que as luzes se apaguem...
DO OUTRO LADO DO AMOR
DO OUTRO LADO DA VIDA
Luís Sá Cunha, do Instituto Internacional de Macau, destaca Silveira Machado pelo seu papel importante na cultura local. “Viveu quase toda a sua vida em Macau e aquilo que considero mais relevante na sua vida pública foi a dedicação à cultura, especificamente ao ensino de português”, diz. “Durante muitos anos foi professor, ensinou muitas pessoas a falar português”, sublinha ainda.
José Silveira Machado veio para Macau com doze anos, para frequentar o Seminário de São José. “Acabou por não ser padre, mas o que aprendeu, em termos de língua portuguesa, no seminário, foi-lhe de grande utilidade para ensinar os alunos. Era um excelente professor”, recorda Senna Fernandes.
O escritor sublinha que não foi só na Educação que Silveira Machado desempenhou um papel de revelo. “Saiu do seminário, esteve durante o período da guerra sempre em Macau. Depois, teve funções importantes no Turismo, na área do Desporto e na Economia,” continua.
“Houve uma altura em que foi a Portugal. Eu e o meu pai, que era o presidente do APIM [Associação para a Promoção da Instrução dos Macaenses], trouxemo-lo para Macau, para voltar ao ensino da língua portuguesa”, acrescenta Senna Fernandes. “Estava infelicíssimo em Portugal, ele gostava de Macau”.
No dia do desaparecimento de Silveira Machado, o autor de “A Trança Feiticeira” frisou ainda que “era um homem que adorava a vida”. “Ele escrevia muito bem, os manuscritos dele eram muito bons. Incentivei-o sempre a que escrevesse as suas experiências pessoais, mas era um homem muito reservado sobre a sua vida.”
Também Luís Sá Cunha sublinha a importância dos seus livros, contos e crónicas. A sua última publicação, intitulada “O outro lado da vida”, foi dada à estampa há um par de anos, pouco depois de ter sido condecorado pelo então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio.
Hélder Fernando, jornalista em Macau há mais de duas décadas, diz que “o que mais apetece recordar neste momento de tristeza pela morte, é a vida, o convívio, o brilhantismo do professor”. O jornalista conviveu “muito de perto com Silveira Machado, durante uma série de anos”.
“Todos os que fazíamos parte de uma habitual tertúlia que mantivemos alguns anos, o ouvíamos com grande atenção, era um acto de aprendizado. O professor era uma personalidade que vivera múltiplas e importantes funções, na área do Turismo, Grande Prémio, Desporto, Ensino, Cultura, Jornalismo, mundo empresarial. De todas essas vivências tinha histórias de vida para contar. E sempre um extraordinário empenho em viver.”
Hélder Fernando descreve Silveira Machado como sendo “teimoso, orgulhoso, assertivo, com um sentido de humor muito peculiar, chegando a ser uma personagem encantadora”. “Nos anos de perfeita maturidade lúcida e não dependente, era um homem à frente do tempo”, recorda ainda.
José Silveira Machado tinha 88 anos de idade. Embora nos últimos tempos, por razões de saúde, tenha deixado de colaborar com “O Clarim”, publicou, durante muitos anos e com assiduidade, crónicas no semanário católico. Era ainda membro do Conselho das Comunidades Portugueses, tendo sido eleito para o cargo juntamente com José Pereira Coutinho."
ÓBITO
O professor Silveira Machado, uma das figuras marcantes da cultura portuguesa em Macau, morreu aos 89 anos no Hospital Conde de São Januário. Professor, fundador e jornalista do semanário católico O Clarim, comentador e autor, José Silveira Machado nasceu a 24 de Outubro de 1918 na freguesia e Concelho de Velas, na ilha açoriana de São Jorge.
Estava em Macau desde a década de 30 onde chegou para estudar para padre no Seminário de S.José na companhia de outras figuras de Macau como Monsenhor Manuel Teixeira, entretanto também já falecido, e o padre Aureo Castro. Funcionário público desde Janeiro de 1941 na então chamada Repartição da Fazenda do Concelho de Macau, Silveira Machado entra em 1948 para os Serviços de Economia.
Em 1974, o professor, como era conhecido em Macau, aposentou-se em Lisboa, regressando a Macau em 1976 para iniciar a carreira de docente na Escola Comercial, Colégio Dom Bosco e no Centro de Formação dos Serviços de Educação.
Ao longo da sua carreira como jornalista, colaborou na Voz de Macau, na Revista Renascimento, O Clarim, Comunidade, Boletim Informativo de Macau, e foi correspondente do Diário da Manhã e da revista de Cinema Plateia. Fluente em cantonês, o dialecto chinês que se fala no sul da China, Silveira Machado escreveu diversos livros como Macau, Sentinela do Passado (prosa), Rio das Pérolas (poemas), Macau, Mitos e Lendas (contos), Duas Instituições Macaenses, «Macau na Memória do Tempo" e «O Outro lado da Vida» (retrato social de Macau).
Muito ligado a Macau, à juventude e à comunidade, Silveira Machado nunca descartava, como explicam os amigos, uma boa discussão. Não visitava Portugal há cerca de 17 anos e costumava dizer que se aterrasse em Lisboa, era capaz de se perder em cinco minutos. A sua actividade cívica e em prol do português em Macau valeu-lhe o reconhecimento da classe política, tendo sido condecorado com a Medalha da Ordem do Mérito Civil da Instrução Pública, Medalha de Mérito Desportivo (classe de prata), Medalha de Mérito Cultural, Comenda da Ordem do Mérito e grau de Grande Oficial da Ordem da Instrução, esta última em Janeiro de 2005 pelo então presidente português Jorge Sampaio.
Homem ligado ao desporto, turismo, educação e cultura, a sua morte é considerada uma «enorme perda» pela comunidade em geral. «Fazia amizades facilmente com todos, era disciplinado e um defensor de valores humanistas em resultado da sua formação católica que o marcou para sempre», destacou o padre Albino Pais, director do jornal O Clarim.
A sua última obra O Outro lado da Vida é um testemunho da sua preocupação com o próximo, disse ainda o prelado.”
RIO DAS PÉROLAS
fiarão na distância
os ecos longínquos
deste Rio de Pérolas”
José Silveira Machado
(1918 - 2007)
QUEM?
Na minha vida já fiz muitas coisas de que me orgulho mas já fiz muitas coisas erradas de que me envergonho; já fiz o bem e já fiz o mal; percorri caminhos certos e caminhos menos apropriados, menos honestos, menos verdadeiros e, no final das contas, quando chega ao somatório, quem sou eu afinal? Quem és tu afinal? E no final das contas somos apenas nós quando não existir mais nada.
O EMPREGADO SORRIDENTE
Na condição de morto está o dia do meu funeral, que nesta altura do ano seria despropositado de fidelidade amistosa. Tenho de uma vez por todas deixar de acreditar que D. Sebastião ainda vai voltar e assim deixo de sentir qualquer apreço pelos dias de nevoeiro. É Inverno e está um calor de morte. O que se passa com o tempo? A viagem parece não estar terminada. Falta aquele gostinho do frio matinal, do cheiro do inverno, da luz romba.
Dobro-me junto a cama, levanto um pouco o colchão e apercebo-me da quantidade de pó que por ali anda. É preciso limpar. É sempre preciso limpar o pó que se acumula debaixo da cama. Os restos de vida que vamos deixando de lado, que vamos esquecendo até se tornarem pó. Afinal, no fim, todos somos pó.
- Estão a gostar da noite? Estão a divertir-se?
- Estamos, não te preocupes!
- Gosto de ver as pessoas felizes...
Se ao menos fizessem um sorriso para o demonstrar. Tudo é tão artificial. Desespero por aquele abraço que me transmite a verdade, mas ficamos todos pelos sorrisos de esguelha e os olhares de um outro tempo. Dói-me o peito, uma picada aguda, talvez ir ao médico deva ajudar!
Sentas-te ao meu lado. Sei que vens com boas intenções, eu é que não estou para aí virado. Estou mais intencionado em acabar o meu cigarro e cheirar a noite. Hoje o céu está limpo e aqui ainda é possível ver as estrelas no céu com clareza. Mas podes ficar, em silencio, a apreciar tudo isto comigo. Sei que tens estado ao meu lado, mas ainda não és aquela pessoa para quem vou ligar quando estiver deprimido. Não és tu nem ninguém.
Acordo e ainda é de noite. Merda! A questão é que já é de noite e o meu dia foi perdido. A casa continua no mesmo lugar apenas está virada do avesso. É preciso calçar as luvas de borracha e dar uma volta a isto tudo. Tinhas ficado de me ligar mas ainda não o fizeste. Por outro lado ainda bem, não tenho vida para isto. E digo isto sem saber quais são os teus propósitos, mas quaisquer que sejam sei que são diferentes dos meus.
Os dias são compridos. Faço demasiadas coisas para apenas vinte e quatro horas, mas quando dou por mim já passou uma semana e outra e apenas parece que só tenho mais trabalho e a nível de produção nada! Queria poder mandar o meu patrão para o outro lado, mas há momentos da nossa vida em que não podemos desistir assim. Há que enfrentar as feras. Quanto aos outros empregados há que continuar a sorrir-lhes e faze-los pensar que está tudo bem. Mesmo que um meteorito tenha aterrado mesmo em cima da casa e esta esteja num estado tão lastimoso que seja impossível viver. Mas está sempre tudo bem! E com um sorriso estampado na cara passo por todos eles para me dirigir ao carro, entrar nele e fazer mais uma viagem de regresso a casa sem o rádio ligado por puro esquecimento. Tenho tantos pensamentos ao mesmo tempo que nem me dou conta do silêncio.
O QUE ME FAZ SORRIR perguntou a Soraia...
- Quando penso em musicais.
- Quando penso em mim a ser uma personagem num musical.
- Quando ouço as minhas músicas favoritas.
- Quando vejo as pessoas que gosto.
- Quando penso nas pessoas que gosto.
- Quando me lembro de coisas engraçadas.
- Quando recordo momentos bonitos com outras pessoas.
- Quando acho que tive uma boa ideia.
- Quando passei uma boa noite com alguém e acordo no dia seguinte a pensar que tudo foi perfeito quando olho para o lado e a vejo a dormir.
- Quando recebo uma boa nota.
- Quando recebo um comentário honesto.
- Quando compro um objecto que desejo há muito tempo (sorrio genuinamente)
- Quando compro um objecto que desejo (sorrio porque o adquiri)
- Quando sinto que as pessoas à minha volta estão felizes.
- Quando consigo fazer as pessoas à minha volta felizes.
- Quando leio certas frases de certos livros.
- Quando me abraçam com vontade.
- Quando me dizem uma coisa bonita.
- Quando vejo um filme que me toca no fundo.
- Quando vejo, leio, ou ouço algo que desperte a parte romântica e deixe aquele sentimento que ainda é possível acreditar.
- Quando me oferecem aquelas prendas inesperadas que eram mesmo aquilo que eu queria.
- Quando me oferecem um simples cartão com aquela frase que eu precisava de ouvir.
- Quando o pôr do sol está lindo.
- Quando faço uma grande viagem a conduzir pelo prazer que ela me dá.
- Quando tenho uma discussão interessantíssima e sinto que cresci mais um pouco.
- Quando vejo algo na rua que nunca tinha reparado mas que me chamou a atenção.
- Quando sinto que os outros se preocupam comigo.
- Quando dou sem precisar de receber.
- Quando acabo de escrever um texto e sinto que está muito bom.
- Quando vejo ou ouço a Madonna.
- Quando as pessoas me irritam e apercebo-me que elas não estavam a fazer por mal e eu é que entendi tudo errado.
- Quando estou a pintar.
- Quando toco violino.
- Quando faço invenções culinárias e o cozinhado ficou a coisa mais horrível do mundo e vou ter de cozinhar outra coisa qualquer.
- Quando acabo de arrumar a casa e vejo tudo limpinho.
- Quando tiro o saldo do cartão e tenho mais dinheiro do que a última vez que olhei.
- Quando uma noitada na discoteca acaba e sinto que me diverti mesmo.
- Quando penso que me vou encontrar com as pessoas que amo.
- Quando recebo uma chamada de alguém especial.
- Quando recebo uma chamada de alguém que eu já não vejo e/ou falo há muito tempo.
- Quando ganho num jogo de cartas.
- Quando aterro no aeroporto de uma cidade onde eu quero muito estar.
- Quando me fascino com os pequenos pormenores da vida.
- Quando sai um novo musical.
- Quando entro num teatro.
- Quando viajo com "aquela" pessoa.
- Quando penso nestas coisas todas que me fazem sorrir.
- Quando penso que muito mais coisas teria para escrever...
CONJUGAR
Eu – O tão famoso eu, o centro, de nós para fora, de fora para nós. O mundo à volta existe sempre melhor aos nossos olhos, segundo a nossa visão. Por vezes corações moles, por vezes egoístas. O eu necessita de um espaço de segurança, de um canto, de um esconderijo. Tudo o que se refere ao eu é sempre mais complicado. É sempre confuso, é sempre para lá do real. Um quarto escuro com muitos fantasmas. E conhecer esse eu na sua totalidade é uma tarefa impossível, até para o próprio eu.
Tu – Aquele que o eu busca desesperadamente, uns mais, outros menos, mas é o mal dos males em estar mal. O tu tem sempre, pelo menos, três versões: O idílico, o real e a deturpação desse real. Buscamos o idílico, aquele que nunca será real. Aceitamos a hipótese dele não existir e tentamos encontrar o real que mais se aproxima, mas repetidamente trocamo-lo mentalmente pela deturpação desse real, vendo algo que não está lá (mas que continuamos a julgar estar). Reside ao eu encontrar a paz nesse tu, tentando sempre vê-lo o mais real possível.
Ele – O ele é a dor de cabeça do tu. Existe sempre um ele nas relações. Um terceiro elemento. Uma história do passado, um flirt do presente ou mesmo uma traição. Mas o ele tanto pode ser real como uma mera fantasia do tu. O ele pode ser um elemento chave, como pode ser o que deita tudo a perder. O ele existe por milhentas razões, mas este não é o momento para detalhar de forma tão específica.
Nós – É a forma como o eu e o tu processam o facto de estarem juntos. Quem é cada um como um e como são como um nós. Como é que esse nós se dá entre eles, e esse nós com o que os rodeia. Como decidem o eu e o tu viver esse nós, qual o estratagema. O nós só consegue existir perante regras. E que regras são essas? Cada nós terá as suas.
Vós – Todos aqueles que rodeiam o eu, o tu, o nós (no caso de existirem estes dois últimos). Todos aqueles com quem interagimos no dia-a-dia, por necessidade, por vontade, pelo simples facto de se cruzar na rua, de ligar uma televisão, abrir um livro, escutar uma música. Sem o vós tudo perderia cor. O vós entretém-nos, completa-nos, acrescenta-nos.
Eles – Para continuar a falar do vós é preciso apresentar o eles. Dos vós, os eles são aqueles que são mais chegados. O grupo de pessoas com quem o eu decide uma partilha mais profunda, mais da alma, mais das vísceras. Contudo, a importância do vós não deixa de ser notoriamente importante. Pois muitas vezes o eu suporta a sua existência na música que ouve, nos livros que lê, nos teatros que vê, etc.... o que não existiria sem o vós. Mas é no eles que o eu encontra a vontade de, mais tarde, partilhar todas essas sensações.
Eu, tu, ele, nós, vós, eles, acima de tudo, precisam de dialogar – com todas as formas que encontrarem, sem esse dialogo não existe conjugação! Eu amo; Tu amas; Ele ama; Nós amamos; Vós amais; Eles amam. Apesar de ser um eu com poucas perspectivas no romance...
TUDO OU NADA
Voltei ao Frederico. Há qualquer coisa na tragédia e no heroísmo que ainda mexe comigo. E ao mesmo tempo a necessidade de visualizar o impossível que é tão mais fácil de viver. De nada vale comprar horas extra, comprar um momento, comprar uma palavra que seja. De tudo vale viver uma hora extra, um momento, uma palavra que seja, beber do doce ardor que atrai o nosso repugno. E mesmo que nada faça sentido, mesmo que tudo seja apenas mais um tudo, ao menos ele é, ele existe, está lá, foi nosso.
NOS MUSICAIS
O meu pai apanhou-me em casa já um pouco em cima da hora, o que só deu mesmo tempo de um pequeno lanche ajantarado na Benard, onde sou sempre bem atendido pela senhora da caixa registadora com a voz melodiosamente simpática. Mas pouco tivemos para estar ali e apreciar os pregos no pão. Faltava um quarto de hora e fomos para o teatro. Era a noite de estreia e aquilo estava pejado de figuras da televisão, do teatro e outros daqueles que simplesmente aparecem, que simplesmente estão. Entrámos e fomos logo para o lugar – odeio atrasos. Enquanto o meu pai ia falando sobre as suas vitórias na carreira pela vigésima primeira vez, os meus olhos seguiam atentamente tudo o que se passava à minha volta. Os “conhecidos” faziam de tudo para serem notados, fotografados, mas faltavam dois minutos e a sala ainda estava vazia. Onde se havia metido toda a gente? Atrás de nós um casal comentava o mesmo facto e o meu pai continuava entusiasmadíssimo a contar-me aquilo que eu já sabia. Por incrível que pareça, as últimas pessoas a chegarem foram, na sua maioria, actores – aqueles mesmo que gostam de ser respeitados quando são eles que estão no palco – ironia talvez...
As luzes apagam, o pano sobe e a banda começa a tocar – O teatro musical português começa a ganhar uma forma e uma estética específica. É fácil reparar nas semelhanças entre as produções inteiramente portuguesas. Será que podemos dizer que começa a existir um estilo próprio do musical português? Eu confesso que espero que não. Pois se isto é o musical português podem parar por aqui. Valeu o esforço... mas chega! No historial dos musicais fabricados inteiramente em português podemos contar com alguns nomes como: Lá ao Fundo o Rio, O Navio dos Rebeldes, Pedras Rolantes, Sexta-feira 13, Cabeças no ar... entre outros. Quando vi Lá ao fundo o Rio e O Navio dos Rebeldes achei que em Portugal se estava a começar a esboçar um sorriso bem largo para o teatro musical, mas tudo o resto veio detonar esse sorriso – Sem uma introdução rapsódica inicial, como mandam as regras do género musical, para que o espectador se integre no ambiente que vai ser apresentado, vemos, no escuro, a cara de um dos actores, que logo abre a goela para cantar, e a voz não era nada má, sendo as vozes a única coisa que salvou a noite. Quando as luzes acendem deparo-me com a mesma visão de sempre a que o género nos tem habituado, um fundo de tela branca ou preta, o chão de linóleo e umas estruturas a que chamam de cenários. E a esta estética nem o La Féria escapa com as suas “versões” dos musicais americanos e ingleses – que em nada têm a ver com a verdadeira grandiosidade dos originais. Mas voltando ao musical português, depois das “pequenas” falhas iniciais – talvez justificáveis pela falta de orçamento – seguimos para aquilo que, já dizia Camões, é preciso fazer com engenho e arte. E assim me refiro à pobreza das musicas, à pobreza dos conteúdos da escrita, à pobreza de qualquer emoção mais profunda, qualquer sentimento mais requintado. Passam então duas horinhas de entretenimento fácil, que nos faz sair dali tal como entrámos. Quando me perguntam se o espectáculo foi bom, respondo: “Eles cantavam bem”.
Nunca esperei ver em Portugal um sucesso que durasse 22 anos, como acontece no West End como meu musical de eleição, Os Miseráveis, até porque a nossa realidade é outra, a escala é outra e o mediatismo dentro do género é outro. Mas se queremos actuar dentro do género há que olhar para os melhores e perceber o que eles fazem para fazer bem. E não é preciso ir muito longe, basta comprar uma passagem na easy jet de 50 euros ida e volta, um hotel barato nos arredores a 10 euros a noite e comprar um bilhete de 25 euros na última fila e decerto será tudo dinheiro muito bem gasto, mesmo que sendo na última fila. E aí poderemos perceber o que é um bom texto, o que é uma boa divisão de espectáculo, com momentos calmos, momentos tristes, momentos intensos, momentos de magia, momentos de alegria, o que é ter vontade de subir para o palco e viver com eles, o que são boas canções que nos tocam, que nos fazem rir, chorar, vibrar, encantar, e quando o pano sobe deparamo-nos com visões montadas com o mais fantástico pormenor, a mais deliciosa poesia, a mais escandalosa solução, onde do primeiro ao último minuto sustemos a respiração, onde temos tempo para sonhar, para amar, para nos sentirmos vivos, onde no final não queremos abandonar a sala, não queremos esquecer aquela aura, aquela vibração, onde sentimos as pessoas numa vibração estonteante de conjunto, onde os sorrisos se abrem a mil, as almas ficam relaxadas, o corpo voa, na cabeça trauteiam-se as canções, e isto sim... é espectáculo! E sempre que saí de uma dessas salas de espectáculos perguntei-me: “Onde estavam as falhas?” mas logo apercebi-me que nem tive tempo de me sentir aborrecido para sequer pensar nelas.
*
É fácil criticar... eu sei...
DUAS ASPIRINAS, UM COPO DE ÁGUA E VALDISPERT
A irrealidade da mente é uma coisa que me fascina. Cada vez mais me apaixono pela complexidade das equações efectuadas pelo cérebro. Ou talvez pela simplicidade com que elas mudam. As batalhas travadas mentalmente para aceitar a decisão que já foi tomada há bastante tempo. Ainda espero o dia em que possa sentar-me à mesa de um bar, no momento em que desejo voltar para casa e dizer: Queria um copo de água e um valdispert se faz favor!
MANIFESTO
Uma vez por ano podemos assistir em Lisboa à Marcha do Orgulho que tanta controvérsia deixa nas bocas do povo. Uns afirmam que de nada nos temos de orgulhar, que somos o que somos e não temos de marchar por isso. Outros ainda recriminam as televisões por só filmarem as “aberrações” do meio gay, por acharem que nos estão a meter todos no mesmo saco – nojento e desprezível diriam alguns. Também uma vez por ano podemos contar na nossa Lisboa com um festival de cinema gay que este ano, segundo algumas pessoas, cometeu o “erro gravíssimo” de intitular o festival de Queer Lisboa, como se de grande ofensa se tratasse à língua portuguesa (pode ser que o título do próximo ano seja Paneleiros à solta e aí já ficam todos contentes. E já agora, para os que têm tanta dificuldade em aceitar estrangeirismos – ou mesmo a perder tempo a discuti-los – peço que da próxima vez que alguém lhes perguntar se são gays que respondam: não, somos homossexuais). O que andamos afinal a discutir? Nomenclaturas?
O que mais me entristece, na verdade, é o facto de serem os próprios “homossexuais” a discutirem as questões mais irrelevantes de todo o processo inerente à questão do orgulho gay. Para quem não sabe, durante a semana que se antecede à marcha, existem várias palestras e conferencias onde se debatem os problemas. Semana essa onde, de certa forma, somos ouvidos. Muitos perguntar-se-ão: “E porque é que só somos ouvidos nessas alturas?” A verdade é que estamos a lutar por algo e disso não podemos fugir. E se temos, pelo menos essa abertura, não vale a pena agarrá-la? Porque enquanto uns não fazem nada, deixando-se apenas a discutir nomenclaturas, outros lutam em seu lugar para resolver os problemas de todos. Os problemas que enfrentamos diariamente com as nossas famílias, os nossos amigos, os nossos colegas, em casa, no trabalho, na rua. Bem sabemos também que os problemas nunca ficam resolvidos, mas é a pouco e pouco que se ganha uma causa. Com persistência e perseverança.
Tomo como exemplo a problemática feminina, que após grandes lutas ao longo dos séculos, melhorou bastante a sua posição na sociedade, mas que ainda enfrenta os seus problemas, agora em escala reduzida. E toda a mulher que hoje acaba uma universidade, arranja um emprego, pede um divorcio, vota, deverá agradecer a todas as outras mulheres que queimaram sutiãs em praça pública, protestaram, marcharam pelos seus direitos e que agora têm o seu dia internacional para comemorarem todas as suas conquistas sociais, económicas e politicas ao longo dos tempos. O que é engraçado registar é o facto de eu as ouvir dizer, sem vergonhas e sem se sentirem patéticas que têm orgulho em ser mulher. Eu não as ouço dizerem que lá por serem mulheres que não querem fazer parte do conjunto. E bem sabemos a diversidade de tipos de mulheres que existem. Mas elas sabem que pelo facto de serem mulheres passaram e passam por problemas semelhantes.
O que é um pouco irónico no que toca aos homossexuais masculinos. Pois apesar de fazermos parte do grande saco de humanos com um pénis, temos a possibilidade de, escondendo certos tiques, certas formas de vestir, de nos confundirmos entre os heterossexuais e igualarmo-nos a eles para conseguir, por exemplo, um emprego. E ficamos todos contentes por fazer parte de determinada empresa, onde nos rimos com os outros quando fazem chacota de outro homossexual, onde mentimos em relação ao que fizemos no fim-de-semana passado, onde não podemos dizer que nos espera em casa o homem mais encantador pelo qual nos apaixonámos. Se voltarmos às mulheres, aperceber-nos-emos que vestir umas calças com uma meia nas cuecas, cortar o cabelo curto, usar um bigode postiço e engrossar a voz, torna-se um pouco mais complicado. É claro que hoje em dia as mulheres não precisam de nada disto, mas isso só se deve ao facto de ao longo dos anos terem existido outras mulheres que lutaram por elas e das quais nos devíamos sentir todos orgulhosos.
É verdade que lutamos pelos direitos igualitários. Mas iguais é coisa que nunca seremos. Mas isso não é vergonha, nem pior ou melhor. Simplesmente somos diferentes e temos de dar voz a essa diferença. Mesmo querendo iguais direitos, temos de fazer ver aos outros que somos diferentes deles, que quando somos um casal nunca seremos um homem e uma mulher mas sim dois homens ou duas mulheres, que também amamos, que também queremos ter filhos, mas que os vamos educar enquanto dois homens ou duas mulheres. E quando saímos à noite, no nosso grupo de amigos podem estar transexuais, drag queens, travestis, homens mais femininos, mulheres mais masculinas, os chamados ursos, sadomasoquistas, leather e por aí fora. E é por isso que a nossa bandeira é um arco-íris, porque aceitamos todas as diferenças.
Mas cada vez mais me apercebo que é cada um por si... e se pensarmos desta perspectiva, realmente, não há muito porque ter orgulho! Pois nós somos os primeiros a descriminar e a apontar o dedo. A verdade é que todos existimos e todos temos o direito à nossa diferença.
Aqui fica um grande beijo a todos os amigos gays, drags, ursos, transexuais e travestis com quem tive o prazer de desfilar na parada gay de Fortaleza, que me mostraram ao longo de um ano um sorriso por me verem, que me deram sempre aquele abraço quando eu precisei, que estiveram lá para me apoiar, para me ouvir, e eu a eles é claro, e que não são diferentes dos outros enquanto seres humanos, só talvez o facto de terem grandes corações (e longe estão de serem aberrações). Eu orgulho-me de lutar e marchar ao lado destas pessoas para que um dia outros não o precisem de fazer.
LES GUERRES
(*Desculpem o meu péssimo francês, mas este texto só poderia ter sido escrito nesta língua. Talvez por tributo a Claude-Michel Schönberg que criou a fabulosa música da adaptação do livro Les Misérabeles de Victor Hugo para o teatro musical.)
A CANÇÃO DO COMBOIO *
*Adaptação e tradução livre a Train Song de Tom Waits.
O PREÇO DA TRAIÇÃO SÃO TRINTA MOEDAS DE PRATA
As ruas pareciam longas, infinitas, despidas... e o amor dos contos de fadas morreu!
O ERRO
O avanço é uma grelha confusa que se interpõe na nossa frente parecendo toda ela igual e coerente. Eis quando visualizamos uma anomalia, uma gafe que, supostamente não deveria estar lá. Essa anomalia vai trabalhar em toda a estrutura de equações alterando a pouco e pouco a estrutura principal. Estamos então confrontados com uma “nova” grelha – a sucessora. O erro encontrado no sistema deixa então de ser um erro para passar a ser o sistema. Será também isso inevitável? E se um erro passa a ser o sistema e o sistema passa a ser um erro, o que é afinal um erro? A consciência talvez seja o ponto de partida ao entendimento. Mas é preciso que se entenda as bases da consciência e os seus fundamentos. Não toldará tudo isto o nosso poder de escolha? O que estamos a escolher então quando “escolhemos”?
ÀS VOLTAS
Olho à volta e vejo destruição, a corrupção dos meus próprios pensamentos, o não alcance dos conceitos mais básicos. A credibilidade nas coisas tornou-se estranha, converteu-se em não-religião, em nada a que me possa agarrar. O tempo não diz nada, o tempo apenas destrói, corrói, e será que na ausência desse tempo encontraria diferenças? O tempo apenas me fala de um passado, um presente e especula-me um futuro. Mas o tempo tem telhados de vidro. E nesses telhados reside a experiência colectiva que cria as informações a que apelidamos de verdades. E cremos que tudo gira numa circunferência perfeita de causas e efeitos. Se um objecto é largado ele vai cair e essa é a nossa experiência, esse é o ensinamento do passado. Mas o que me garante que no futuro esse mesmo objecto continuará a cair? E se um dia ele deixar de cair? Direi que foi engano? Que os meus olhos não estão a ver bem? Ou aceitarei simplesmente essa nova verdade pondo automaticamente de parte o conhecimento adquirido do passado? E se, um dia mais tarde, o objecto que deixou de cair voltar a cair? E se ele só voltar a cair quando eu não estiver cá para ver... onde posicionarei a verdade no tempo? O que é real afinal?
A percepção que tenho das coisas é tão dúbia quanto achar que os daltónicos são os que vêm mal! Existe uma forma correcta de ver as coisas, de as percepcionar, de as experienciar? Onde ficam as barreiras que me permitem saber quem sou, o que faço, sem me imaginar preso à caverna que durante toda a vida me fez acreditar que o mudo era apenas um conjunto de sombras e essa era a minha realidade? E dentro dessa realidade existem formas próprias para agir, para ser e estar. E se meto o pé fora da caverna e deparo-me com outras verdades? Tudo isto gera um conflito imenso de perguntas e respostas, de confrontos de ideais. Estou realmente preocupado com o absorver de informações para as quais não tenho tempo de avaliar, comparar, decidir, sendo obrigado a correr contra o tempo de viver mais um dia, um atrás do outro, tentando ao máximo organizar ideias reflectidas e lutando contra a maré de percepções pré-fabricadas que me incluem num lote, numa casta, numa definição já ela esquematizada e perjurada.
Todas as dúvidas foram feitas para persistir e todas as dúvidas que encontram uma resposta de um dos ângulos, abrem automaticamente outra dúvida no outro ângulo. O que busco então? Respostas para as quais só vou encontrar mais perguntas?
AMOR À FRANCESA
- Conhecemo-nos no dia de apresentação ao exercito. Eu sou de Paris mas M. é do interior da costa norte. Não sei o que aconteceu mas ficámos logo amigos e não tardou a haver afecto na troca de olhares. M. é bissexual e nessa altura andava a namorar uma mulher. Depois desse dia eu safei-me da tropa mas M. foi recrutado, o que de certa forma era bom sinal pois ele viria para perto de mim... sim, porque eu apaixonei-me logo por ele.
- E quando é que se voltaram a ver?
- Bem, ele não pareceu muito interessado em mim, até porque tinha namorada na altura. Mas eu soube que ele ia a uma festa e por isso fiz questão de também ir. É claro que passei a noite à procura dele de um lado para outro. Parecia um doido. Afinal, eu só estava ali por causa dele e ele só chegou quase no final da noite. Mas o importante para mim foi que ele apareceu. Fui ter com ele para ver se ele ainda se lembrava de mim e quando demos por nós tínhamos trocado um beijo. Pensei que fosse apenas do calor do momento, até porque tanto eu como M. estávamos bem tocados pela bebida. Deve ter sido disso. Mas dias depois comecei a receber chamadas telefónicas dele e percebi que não tinha sido só um beijo bêbado. Começámos a encontrar-nos, ele terminou o namoro e começámos nós a namorar. Entretanto ele acabou a tropa e fomos morar juntos para a zona 3 de Paris. E passados oito anos aqui estamos nós de férias em Lisboa.
Queria ter-lhe feito mais algumas perguntas mas V. irrompeu a meio e puxou-me para dançar. E ali fiquei eu na pista, com a cabeça cheia de perguntas em relação ao amor.
FRONT OF por SÓNIA TAVARES
O QUE ACONTECE DEPOIS?
No tempo em que estamos fora as coisas mudam. E, se antigamente éramos actores principais, agora somos o actor que apareceu a meio da série e que ninguém sabe quem é, como é, e como vai influenciar a trama da história.
MONA LISA: ELA SORRI. SERÁ FELIZ?
Nem sempre estamos apto a entender o porquê das coisas e muitas são as perguntas que balançam nas nossas cabeças. Perdemos horas rotulando tudo e tudo tem de ter o seu devido rótulo. E só devidamente encaixado em algum padrão é que as coisas parecem fazer algum sentido. Mas às vezes temos de ver mais além. A questão é se o conseguimos? Apesar das boas intenções, nem sempre o que faço é o correcto, nem sempre consigo ver o que está lá, não aí, atrás do aí.
Muitas das vezes não percebemos o que significa a nossa passagem por certos lugares até termos ido embora. E quando vamos embora já é tarde, já não podemos fazer mais do que aquilo que fizemos. E é aí que nos apercebemos do que deixámos para trás, das lutas que travámos, dos obstáculos que atravessámos, das pessoas que conhecemos e sorrimos. Não tem a ver com ser poético ou dizer palavras bonitas, tem a ver com a vida como ela é: “It’s just life... so keep dancing through”.
O NEVOEIRO QUE ESCONDE LISBOA
Levo o carro a quarenta à hora, a marginal está completamente enevoada. Faz-se silêncio no carro... a Maria Bethânia já foi embora, estou só eu. A cada metro que avanço é uma descoberta, apesar de achar saber o que vai aparecer, o nevoeiro faz com que tudo se transforme numa grande incógnita. Sei o caminho que devo seguir, sei os atalhos que me levam mais rápido a casa, mas não vejo nada... nada! É por isso que vou a quarenta à hora. E se parecer que o faço de propósito não o é, simplesmente não consigo ver nada.
Preciso que o nevoeiro se dissipe, que revele as coisas à minha volta, que me mostre de novo a cidade de Lisboa tal como eu a conhecia, tal como eu a deixei. Mas sei que quando o nevoeiro levantar vou estar numa cidade estranha, numa cidade parecida àquela que em tempos chamei Lisboa. Até o nevoeiro desaparecer, sou só eu dentro de um carro a quarenta à hora. Não posso ir mais rápido que isto...
FOTO-MEMÓRIAS
Deitado no sofá fico a pensar no filme e a recordar todas as coisas que já vivi e que tenderam a ficar só comigo. São vivências que simplesmente não posso fazer com que desapareçam e sei que outros preferem não saber. Onde fica o limiar entre as coisas que devemos guardar para nós das coisas que podemos partilhar? É egoísta aquele que não quer ouvir ou o que não quer falar? Mas há certas imagens que só nós continuaremos a entender.
NECESSIDADES
É tudo uma questão de necessidades. Do que eu preciso, do que tu precisas... mas onde encontrar o espaço em que nos perguntamos: e do que precisamos nós? Isto, no caso de existir um “nós”. Talvez nunca chegaremos a saber quais são as nossas necessidades, afinal, a vida só acontece quando fazemos o que não estava nos planos. Que se lixem os dias cuidadosamente planeados, as festas que se apresentam, supostamente, “divertidas” – nunca nos vamos divertir nelas.
Se eu preciso de tempo para mim, então é porque preciso desse tempo e não de uma pressão a dizer-me que o tempo está a esgotar-se, que não há mais tempo. Talvez o tempo não exista para além do agora. O que será o tempo no momento em que não estivermos mais por aqui? Aí, dir-se-á que ele esgotou o seu tempo. Mas se eu preciso de tempo... outros precisam das palavras certas nos momentos certos. Existirão, realmente, os momentos certos? Ou estaremos perante mais um mito urbano, cinematográfico e literário? Andarei eu a dizer as coisas certas mas não nos momentos certos? Terei de responder às necessidades dos outros ao dizer-lhes aquilo que eles necessitam ouvir... ou, simplesmente, dizer aquilo que eu quero dizer, da forma que quero, sem qualquer tipo de convenções (do género: eu digo-te uma coisa bonita e tu respondes com outra).
A vida é uma grande ratoeira onde passamos o tempo a ficar presos. Será que ainda não aprendemos que um queijo numa tábua de madeira com arames é uma armadilha? Não! Entre duas pessoas as necessidades raramente são as mesmas. Se ele ao menos tivesse-me ouvido! Mas essa era a minha necessidade... não a dele...
OS BARCOS
Os Homens ditam as regras da vida. Bom, alguns Homens ditam... os outros tentam cumprir. E se essas regras não estiverem a funcionar connosco, o que fazemos? Saltamos para fora do barco e simplesmente deixamo-nos afogar? Ou tentamos fazer com que o barco mude de direcção? Uma das verdade que eu sei é que existe muita gente que desejaria ver o barco mudar de direcção, contudo, acomodaram-se demasiado ao barco para sequer fazerem o esforço. Como podemos viver acomodados ao barco? A questão é: estaremos a navegar no barco do amor ou no Titanic? E não há Jack que nos salve! – isso posso garantir... ele será o primeiro a afundar-se. Subitamente sinto os enjoos de andar de barco e dessa perspectiva o mar não parece tão bonito! Este torna-se o meu grande balde de vómito.
Prefiro pensar que tudo é mais como um grande amor à vida. Amar a vida é mais saudável.
WELCOME HOME
QUATRO MULHERES E UM SORRISO
Saio à rua. Digo bom dia, não porque sou simpático, mas porque me está na alma sorrir e dizer bom dia. Abro a minha boca toda, mostrando a dentição e as gengivas, devido ao freio ter-se partido quando era criança, no mesmo dia em que rasguei a língua. As pessoas não reagem muito bem a bons dias de sorriso na cara. Talvez sejam os meus dentes que assustam as pessoas. Mas elas já estão assustadas por natureza.
Já na faculdade, para tratar da papelada toda, sou recebido de mau humor pela guarda dentro da secretaria.
- O que é que faz aqui dentro? – a pergunta começou logo por ser estúpida dado o facto da porta estar aberta e das pessoas estarem a ser atendidas – ou você acha que nós não temos direito à hora de almoço. Já não atendemos mais ninguém... pode sair – sempre num tom de imposição para mostrar quem é que ali veste as calças.
- Um bom dia para si também e já agora... podia ter dito tudo isso mas de forma educada e simpática.
- Eu não sou paga para ser simpática!
- Então é paga para ser o quê? Estúpida!
Não gosto nada de reagir assim, mas estas coisas irritam-me! Eu que estou fora há um ano, eu que não sei o horário de almoço da secretaria, eu que nem sequer uso relógio. Eu que entrei, sorri e disse bom dia com toda a boa vontade que me ia na alma. Mais tarde, volto lá para tratar das papeladas e lá está ela a sorrir, com a boca toda, para qualquer pessoa que entrasse de cargo superior a ela. “Estou mesmo de regresso ao meu país”. O resto do dia ando por Lisboa a tratar de burocracias e papeladas de quem esteve fora um ano e quer retomar a vida e nada melhor do que ir à loja do cidadão das Laranjeiras renovar o B.I. Tiro as fotografias com a mulher que está toda divertida a fazer com que as pessoas fiquem bonitas e sorridentes nas fotos – eu só fico bem na segunda tentativa, mas estas modernices de hoje em dia já nos permitem tirar várias fotos e escolher a melhor para ser reproduzida – depois a prestabilidade da mulher das informações que não se cansa de repetir aos atrasados que vinham em busca dos selos do carro “É ao fundo do corredor à direita mas já não estão a distribuir mais senhas por excesso de pessoas, já estão quinhentas na lista de espera para hoje” e sempre de sorriso na cara. Depois a mulher que trata dos meus papeis para o B.I. que se mostra, toda contente, a nova máquina que lhe tinham arranjado para cortas fotografias em um só corte e de sorriso na cara diz-me “Isto agora é muito mais rápido. É só posicionar a foto no melhor enquadramento e clique. Agora vamos à impressão digital” e não se cansa de sorrir como se eu fosse o primeiro cliente que lhe estivesse a aparecer à frente naquele dia. Tudo isto faz-me relaxar... cheguei ao meu país mas ainda há esperança. Basta só seguir as instruções: Sorria do fundo da alma, não mostre só um pouco dos dentes, mostre todos!
PERCORRI O MEU CAMINHO...
(Sentou-se no seu lugar no avião e esperou que este o levasse de volta...)And now, the end is here
And so I face the final curtain
My friend, I'll say it clear
I'll state my case, of which I'm certain
I've lived a life that's full
I traveled each and ev'ry highway
And more, much more than this, I did it my wayRegrets, I've had a few
But then again, too few to mention
I did what I had to do and saw it through without exemption
I planned each charted course, each careful step along the byway
And more, much more than this, I did it my wayYes, there were times, I'm sure you knew
When I bit off more than I could chew
But through it all, when there was doubt
I ate it up and spit it out
I faced it all and I stood tall and did it my wayI've loved, I've laughed and cried
I've had my fill, my share of losing
And now, as tears subside, I find it all so amusing
To think I did all that
And may I say, not in a shy way,
"Oh, no, oh, no, not me, I did it my way"For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has naught
To say the things he truly feels and not the words of one who kneels
The record shows I took the blows and did it my way!
Yes, it was my way
HÁ DIAS...
E como se não bastasse a gripe, começam os problemas das compras de última hora, para as quais não tenho a mínima paciência, muito menos gripado, as malas por fazer... será que cabe tudo? O que vou deixar para trás! E pergunto-me sempre com o que irão implicar as mulheres do aeroporto, sim, porque a mim calham-me sempre mulheres e nunca as simpáticas. Passo o dia a morrer de calor e a suar por todos os poros, confundo os suores frios com os suores naturais desta temperatura. Corro de um lado para o outro para ver se o meu corpo anima, canto, cantar é bom, revitaliza a alma. O meu nariz parece uma torneira. A voz sai nasalada, ainda bem que canto só para mim! Passo o dia a beber água e sucos e ora tenho fome ora não tenho. E falta cá a mãe para os tempos de doença... ela sabe sempre o que fazer. “Há dias em que não cabes na pele com que andas”.
Começo a pensar em tudo ao mesmo tempo e acabo por não pensar em nada. Tento não fumar para ver se isto melhora. Mas sempre que o nariz se mostra mais limpinho e a garganta afinada lá vai mais um cigarro. Olho a água da beira mar e canto para mim:
Perdido neste olhar, fico um pouco sozinho
Foram horas de riso, horas de prazer
Conversas, histórias, para não esquecer
Goiaba, graviola, abacaxi, açaí
Uma água de coco, p’ra beber por aí
Vivi de tudo um pouco, e de tudo aprendi
Alegria, dor, sempre cantando feliz
Faz um vento ventado na beira-mar
Sempre vozes gritando: você quer comprar!
É a chuva chovendo, numa noite estrelada
Relembro as memórias da vida passada
Café, cigarro, uma mesa, um bar
É conversa que vem, é conversa que vai
É amor, é paixão, é saudade e então?
Vai ficar mais um marco no meu coração!
A BOLA DE NEVE
Hoje em dia já não sinto ódio, voltei a conseguir falar de forma mais fluida mas com uma maior consciência natural. Acima de tudo aprendi a não me enganar a mim mesmo. A verdade de um pensamento começa quando não o aldrabamos para nós mesmos. Mas a verdade, inevitavelmente, magoa. E nós somos os primeiros a ser atingidos por ela. E, em segundo plano, somos atingidos ao ser verdadeiros com o próximo (As pessoas precisam de falar, mesmo aquilo que sabem que ninguém quer ouvir), porque queremos dizer o que pensamos, o que sentimos e ao mesmo tempo temos medo. Medo das suas reacções, medo de os magoar, medo de nos magoar. Quantas vezes já não pensei e não passei pela velha crise de: “Eles não entendem o que quero dizer, não me percebem, deturpam o que eu sinto ao olhos do que eles sentem.” E aprendi que nada podemos fazer contra isso. Porque a forma como vemos as coisas far-nos-á sempre mais sentido. Sentido, porque é como sentimos. Sentido, porque é como aprendemos a experienciar. Sentido, porque são os nossos olhos agarrados à nossa consciência.
Apercebi-me, por ouvir várias pessoas, de diferentes idades, diferentes géneros e diferentes estares na vida, que existe uma global tristeza do não entendimento. Cada vez mais tem-se medo de ser. Cada vez mais tem-se medo de sentir. Cada vez mais tem-se medo de errar. E quando se erra as pessoas conseguem ser muito cruéis umas para as outras. Se eu contasse os desabafos que tenho ouvido de pessoas que nunca ninguém imaginou sentirem-se assim, perceber-se-ia o estado grave da situação. As cabeças cheias de regras, de sonhos americanos, de filmes românticos, nem param para pensar no que realmente sentem. Simplesmente desejam viver aquelas histórias, desejam alcançar aquilo que lhes é vendido como o perfeito, o que trará a felicidade. Mas quando efectivamente param para pensar no que realmente sentem... assustam-se. E começam as depressões, as idas ao psicólogo, os maus humores, as caras deixam de sorrir, os corações deixam de brilhar e pensam: “Se ao menos eu conseguísse viver um pouco daquelas histórias...” e entram no processo de loucura de manicómio. E quando se olha à volta estão todos doidos em busca de uma mesma coisa que não existe... e que, quando existe é por breves instantes, como nicotina injectada, como uma droga de efeito rápido. E as pessoas sentem que tiveram um pouco daquilo e querem mais. E ao invés de serem felizes numa equação (mais ou menos) constante, deixam-se cair na infelicidade pontuada por momentos em que se drogam um pouco mais dessa felicidade relâmpago.
Depois de ler os livros do Saramago, referentes aos caóticos mundos cegos, lúcidos e eternos, tentei imaginar um mundo onde só fosse possível agir-se sendo realmente verdadeiro consigo mesmo. E esse mundo virou caótico também pela não capacidade que o Homem tem de aceitar e conviver com aquilo que lhe é diferente. E eu não sou excepção. Muitas vezes não consigo aceitar certas coisas. E quando digo que não consigo aceitar, digo mesmo no sentido de não conseguir tolerar, de me dar raiva, de me meter nojo. (Existem casos e casos. Não estou aqui a falar que seja aceitável um Homem matar outro Homem, um homem maltratar uma mulher, alguém que bate noutra pessoa por puro prazer, disso devíamos todos ter nojo, mas não falo dessas coisas, esse seria um outro assunto, um outro texto). Todos acabamos por ser, mesmo que em pequenas coisas, preconceituosos, racistas, xenófobos. Mas como podemos amar e aceitar o próximo sem que nos amemos e aceitemos a nós? E como fica perceptível, tudo não passa de uma gigante bola de neve, um ciclo vicioso. Pergunto-me quando virá o dia em que saberemos conviver com a ideia de que a nossa verdade nem sempre é a verdade do outro, que o nosso certo e errado não é o certo e o errado do outro, que podemos conviver com isso, lidar com isso, encarar isso. É claro que vão dizer que sim, que sabem conviver com essas diferenças se não estariam sozinhos. Mas é fácil conviver com as “pequenas diferenças” das pessoas que nos fazemos rodear. O difícil é conviver com “as grandes diferenças” daqueles que cruzam por nós no dia-a-dia. E é natural que nos afastemos daqueles que pouco têm a ver connosco. Mas uma coisa é não conviver no nosso circulo pessoal, outra coisa é desprezar, odiar, ridicularizar tudo aquilo que soa a diferente demais do que é a nossa linha de pensamento. E aí sim, e sem que nos apercebamos, vamos estar a ser cruéis, vamos pôr muitas cabeças em duvida daquilo que sentem, porque nem toda a gente tem força para manter um credo, para afirmar-se. E acabam por se calar, por guardar para si medos, duvidas, rancores à vida, inseguranças até que explodem. Se ao menos elas pudessem expressar aquilo que sentem...
O que escrevi deixa-me a pensar que tenho de começar a olhar mais pelos outros, que tenho ainda muito trabalho a fazer em mim, na minha cabeça, na minha forma de pensar e de ver as coisas e que ainda tenho muito que aprender. Olho para cima e vejo que topo da montanha está alto, mas se nunca começar a subir ele estará sempre alto e eu no mesmo lugar.
Vou repassar a aqui a letra do Hey You. Acho que se queremos mudar o mundo, pensando nas questões ambientais, como foi o propósito do Live Earth, das questões da Guerra, como foi o Live Eight, das questões da pobreza, como foi o Live Aid, temos de começar mesmo por mudar a forma como nos olhamos e olhamos o próximo (o melhor ensinamento que aprendi nos meus tempos de igreja, e que me dei mal na vida sempre que o desrespeitei). A letra do Hey you é realmente impressionante por toda a sua mensagem, por ser mais do que uma simples letra a dizer “vamos salvar o planeta”.
“Hey you, don't you give up, it's not so bad, there's still a chance for us. Hey you, just be yourself, don't be so shy, there's reasons why it's hard. Keep it together, you'll make it alright. Our celebration is going on tonight. Poets and prophets will envy what we do. This could be good, hey you! Hey you, open your heart, it's not so strange, you've got to change this time. Hey you, remember this, none of it's real including the way you feel. Keep it together, we'll make it alright. Our celebration is going on tonight. Poets and prophets will envy what we do this could be good, hey you. Save your soul, little sister. Save your soul, little brother. Hey you, save yourself, don't rely on anyone else. First love yourself, then you can love someone else. If you can change someone else, then you have saved someone else. But you must first love yourself, then you can love someone else. If you can change someone else, then you have saved someone else. Hey you, there on the fence, you've got a choice one day it will make sense. Hey you, first love yourself, or if you can't, try to love someone else. But you must first love yourself, then you can love someone else”
Madonna, Hey You, Live Earth
SE ELA CANTA EU CANTO
Lista de afazeres:
1. Aulas de canto
AINDA NÃO!
Os dias, ao mesmo tempo que parecem intermináveis, são tão curtos quanto o tempo de inspirar e expirar. No decorrer do seu tempo giro na roda das emoções, altos e baixos, constantes e inconstantes sensações, perturbações, impressões, comoções. Tem horas em que as lágrimas querem sentir-se bem vidas aos meus olhos, mas não as deixo passar na porta. Mantenho-as trancadas, veladas em mim mesmo, pois só eu saberei o que elas querem dizer.
Saio à rua todo o dia, várias vezes ao dia, preciso de sentir o sol a variadas horas. As brisas também mudam consoante a melodia que escuto nas minhas caminhadas. Tento não escutar aquelas musicas, aquelas! Mas acabo por trautear um verso e já não consigo impedir. As letras escorrem-me no cérebro, as palavras amargas, saudosas, reconfortantes, desconfortantes.
Começo a despedir-me de algumas pessoas. Já não as vou ver mais! E nunca essa ideia me assustou tanto como agora. Já me despedi de muita gente que não ia ver mais, já disse muitos adeus, mas este é um adeus oceânico, um adeus pesaroso, um adeus longo e distante. E mais uma vez ainda não chorei. Para dizer a verdade os meus olhos não sabem o que é uma lágrima há bastante tempo. A fonte secou. E isso não quer dizer que não tenha motivos para chorar. É fisiológico!
Comecei a viver aquilo a que chamo de os últimos dias. O último domingo, a última segunda-feira, a última terça-feira... e não me apetece viver como se fossem os últimos dias. Quero vivê-los como se aqui fosse ficar. Pois os outros não entendem o que é voltar a deixar tudo. E a melhor forma de não sentir esse nó estomacal é esquecer que são os últimos, é viver como se no próximo domingo, na próxima segunda ainda aqui estivesse. É viver como todos aqueles que me rodeiem vivem o seu dia-a-dia. Ninguém precisa de deixar nada para viver os meus últimos dias. É mais saudável, mais natural, menos pesaroso. Assim sempre dá a ideia de que não vai acabar.
A LOIRA E O PORTUGUÊS in HELL CITY
Mais tarde... (troca de turno)
- Porque é que não tá a dar?
*Como os brasileiros riem e giro foi a palavra que eu lhes ensinei...
A LOIRA E O PORTUGUÊS in HELL CITY
(O que vale é que saíste rápido da entrevista. Esta gente não entende nada de moda!)
A ESCALADA
Olhou para cima e pensou, “Eu vou conseguir escalar-te, um dia... nada é impossível”.
QUINZE DIAS
E a mim, que só me faltam quinze dias para partir. Quinze dias que vão parecer um inferno, que vão passar em quinze segundos. Que vai parecer que é já amanhã. Quinze dias para as despedidas, para as últimas visitas, para os últimos olhares. Quinze dias em que vou estar a acabar projectos da faculdade, em que vou estar a organizar as malas, em que me vou preparar para dizer adeus. Nunca pensei que este dia chegasse tão rápido. Parece quase como uma data de entrega... se ao menos tivesse mais um dia! Mas iria estar a pedir sempre esse dia a mais cada vez que chegasse ao novo prazo. Quinze dias e já cá não estou. Quinze dias é o prazo. Um prazo sem possível adiamento. Um prazo que vai deixar muitas saudades...
MARTE
Não me interessa o que os outros dizem, mas eu vou a Marte. E esta não foi uma decisão. O destino é esse, sempre o foi. E não posso fugir das coisas a que estou destinados. E eu fui destinado a Marte. Será que vou conseguir sobreviver quando lá chegar? Ou simplesmente ficarei com falta de ar e no seu solo morrerei. Não sei como vai ser, mas eu vou a Marte.
CONVERSAS ENTRE A VIDA E A MORTE III
- E tu vens sempre não vens?
- Sabes que sim... enquanto precisares de mim.
- Ai meu avô, e agora?
- Estás a perguntar-me a mim? Eu só percebo dos mortos, os vivos já são uma recordação do passado. Mas porque suspiras tanto?
- A vida também te foi difícil?
- Nem imaginas tu o quanto. Mas os tempos eram outros. Como anda a tua avó?
- Está bem. No outro dia pude vê-la a sorrir. Pareceu-me tão bem disposta. Queria tanto abraçá-la mas os computadores ainda não nos permitem fazer isso.
- Ai essas tecnologias... Mas deixa-me dizer-te uma coisa. Dificuldades terás sempre na vida. A todo o momento vais deparar-te com provas, com questões, com dilemas e para todos eles vais ter de começar por respirar fundo. Vais sentir o coração acelerar, mas não te preocupes, é normal. Depois fechas os olhos e tentas perceber o que realmente pensas, como realmente te sentes. Acima de tudo tens de ser verdadeiro contigo mesmo.
- E se eu não achar a verdade meu avô?
- Procura mais fundo, cava mais um pouco. Afinal se tu és tu hás de saber de ti. Ou não?
- Acho que sim. Mas também existe uma coisa chamada a confusão da mente.
- Relaxa. Se não te entenderes já, entender-te-ás daqui a uns tempos. Não podes ser apressado. As coisas têm o seu tempo, tens de aprender a esperar, a ouvir, a sentir.
- E se eu não tiver esse tempo?
- Se não tiveres esse tempo então é porque não era necessário descobrires essa verdade, é porque andavas a procurar a verdade errada. Mas não desanimes, vais encontrar um caminho, agora não te garanto que seja fácil percorrê-lo.
A brisa tocou-lhe a cara, sentiu o vento rodar no seu corpo e despediu-se do seu avô.
- Até mais avozinho!
HÁ DECISÕES QUE PODEM ARRUINAR TODA UMA VIDA
ERA A MÃE DELE
A DESPEDIDA É UMA TÃO DOCE TRISTEZA
Depois existem as mudanças. Todos mudam e eles mudaram. O curso fez com que assim fosse. Era inevitável. Mesmo que não quisessem isso iria acontecer naturalmente. Eles já não são os mesmos, são mais do que os mesmos, são actualizações desses mesmos... e como iriam lidar com isso? Como seria lidar com aquilo que antes não estava lá e agora já faz parte? Mas não, eles não estavam perdidos, sabiam muito bem como se encontrarem. A música que ouviam ainda era a mesma. E as notas ainda saíam dos mesmos lugares. Mas a forma como as ouviam já não eram as mesmas. E cada um foi pintando a vida com outras cores. Será que as cores ainda iriam combinar? Talvez... com um pouco de imaginação. Aliás, como para tudo na vida é preciso um pouco de imaginação.
Naquele lado o brilho da vida era diferente. Habituara-se demasiado àquilo... não ia ser fácil, mas não tinha outro remédio. A despedida é uma tão doce tristeza. E a brisa que corria era tão agradável com todos os cheiros que ela trazia, ia sentir saudades de ser um habitante das terras da luz. Mas sabia que de uma maneira ou outra iria sobreviver. Afinal levava o sol dentro de si e um sorriso no rosto.
* A todos os brasileiros que encheram o meu coração de luz
I'M DANCING AND SINGING IN THE RAIN
Durante a viagem imaginou que toda a gente o acompanhava, que toda a gente cantava com grandes sorrisos nos rostos e com grande alegria na alma. Mas na verdade ia tudo quieto, a pensar nas coisas da vida, um rapaz mais à frente ia lendo um livro de poesia, uma senhora ouvia música e um rapazinho ia muito concentrado nos ritmos que fazia com as mãos. Quando se aproximou da paragem ao pé da sua casa levantou-se e puxou o cordel. Caminhou até à porta, inspirou e soltou com um grande sorriso para o motorista – Tenha uma boa noite – e quando desceu as escadas já ia novamente a dançar e a cantar:
- I'm singing in the rain. Just singing in the rain. What a glorious feeling I'm happy again. I'm laughing at clouds so dark up above. The sun's in my heart and I'm ready for love. Let the stormy clouds chase. Everyone from the place come on with the rain. I've a smile on my face. I'll walk down the lane with a happy refrain. Singing, singing in the rain.
Aquela música sempre lhe trouxe boas recordações, ou pelo menos havia construído boas memorias com ela. Mas sem dúvida que aquela música pertencia à Avenida dos Combatentes... com os candeeiros amarelos, os velhos a passear os cães, uma casa colorida, uma amiga e um amor... Estava na porta do seu prédio. Olhou para a rua, mas estava deserta e os candeeiros não eram os mesmo. Suspirou e murmurou baixinho – I’m dancing and singing in the rain – e um ligeiro sorriso abriu no seu rosto.